Faz hoje, 14 de agosto de 2014, precisamente 10 anos que foi publicada na revista Fugas a primeira crónica da minha primeira volta ao mundo – naquela que seria a mais longa série de crónicas que publiquei em papel. Para recordar esse momento ímpar da minha vida de viajante, nada melhor que republicá-la, hoje, neste espaço. Obrigado por continuarem a viajar comigo desse lado.
De olhar embaciado, fito compenetrado o placard que me anuncia um voo sem volta. Caracteres turvados pela emoção ganham dimensão desproporcionada sobre um corrupio de gente como eu que parte e volta, volta sempre para onde partiu uma, outra, e outra vez. Mas hoje, aos meus olhos, tudo é diferente. Por uma vez, o inexpressivo placard transporta naquela exacta linha onde o olhar se detém uma mensagem única e nova e tão longamente ansiada de liberdade por ser chegado o dia, o primeiro dia, o tal onde o resto da vida começa na letra de uma canção.
Após este voo para Moscovo, talvez viaje pela mítica linha transiberiana, talvez durma sob um céu estrelado nas tranquilas estepes mongóis, quem sabe serpenteie pela magnânima Muralha da China e desafie a alma na espiritualidade tibetana e o corpo na elevada altitude das montanhas nepalesas. E talvez me admire com a afabilidade do povo birmanês, talvez me deleite com a riquíssima culinária tailandesa, talvez aprecie o nascer do sol nos templos de Angkor, visite a pérola asiática de Luang Prabang, me impressione com o litoral vietnamita e me emocione ao pisar solo timorense. Talvez observe ainda o esplendor da Ópera de Sydney, nade por entre peixes e corais num qualquer paraíso polinésio, sinta nos poros a sensualidade do tango argentino, pise as salgadas paisagens bolivianas e regresse ao passado nas ruínas de Machu Picchu, antes de me embrenhar na magia de Cuba e pensar no futuro de regresso a casa. Talvez. A confirmação surgirá passo-a-passo, naturalmente, pois, para lá daquele placard, a liberdade de decidir a cada momento onde acordar no dia seguinte é um dos mais reconfortantes luxos que terei ao meu dispor nos tempos mais próximos.
Não é uma ideia original, esta de viajar à volta do mundo, nem tão-pouco escrever sobre isso o é. Mas por mais viajantes que percorram um dado caminho não haverá seguramente dois que vejam e sintam e vivam e transmitam exatamente a mesma coisa, a mesma visão, a mesma emoção. Cada viagem é uma experiência única e irrepetível e talvez por isso o FUGAS – arrisco a dizer – tenha desde o primeiro instante abraçado este projeto, decidido publicar a partir desta edição as crónicas de viagem enviadas semanalmente a partir de um qualquer cybercafe existente mundo afora.
Tenho por objetivo fazê-lo por um período aproximado de setenta semanas, abraçar o mundo calmamente e transmitir uma parte daquilo que sentir, que vir e ouvir, que apreender com as amizades efémeras que forem naturalmente acontecendo; tentar compreender e traduzir em palavras o espírito de um lugar e as singularidades do seu povo e da sua cultura, na estreita medida em que os dias de imersão nessas realidades me permitam sentir, ainda que fugazmente, o pulsar da vida dessas comunidades e eu seja capaz de o traduzir em simples palavras.
Não levo muitos haveres para vencer este desafio – que o peso é inimigo da mobilidade – mas transporto, ainda assim, para além do espírito aberto, dos sentidos despertos e de muito pouca roupa, uma considerável lista de equipamento eletrónico – material fotográfico profissional e um ultracompacto computador portátil – responsável, em grande medida, pelos gramas em excesso que sinto nos ombros enquanto caminho em direção ao check-in.
Inevitavelmente, dou agora comigo a pensar no período de intenso planeamento e preparação que agora finda. Recordo que investiguei as maravilhas da roupa dita técnica, consultei médicos e senti inúmeras agulhas que me fizeram adquirir imunidade a doenças que por cá são improváveis; li, pesquisei e descobri tantas coisas sobre tantos países e territórios quanto o tempo o permitiu, escolhi o mais adequado equipamento para a viagem, visitei amigos e familiares e, de despedida em despedida, aqui me encontro no autocarro de acesso ao avião do voo sem volta. Avisto ao longe os comissários de bordo que dão as boas-vindas, sorridentes, aos passageiros que se lhes dirigem. Retribuo, enquanto um passo, este que acabou de deixar para trás solo lusitano, me transporta definitivamente para o início desta aventura de sentido único. Até já, algures no imenso planeta.
Esta crónica foi originalmente publicada online durante a volta ao mundo.
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