Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Lima pela mão do Luís Novais. O Luís tem 50 anos, é escritor, alimenta o blog Ventos dispersos e está a viver em Lima há quase cinco anos. Desafiei-o a partilhar connosco as suas experiências na capital do Peru, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Lima e conhecer um pouco melhor a cidade.
É um olhar diferente e mais rico sobre Lima – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da maior cidade peruana, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 42º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Em Lima com o Luís Novais (entrevista)
- 1.1 Define Lima numa palavra.
- 1.2 Lima é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
- 1.3 E o que mais te marcou em Lima?
- 1.4 Como caracterizas os peruanos?
- 1.5 Como é um dia “normal” em Lima?
- 1.6 Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Lima sem…”
- 1.7 Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Lima. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
- 1.8 Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Lima?
- 1.9 Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Lima?
- 1.10 Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Lima?
- 1.11 Escolhe um café e um museu.
- 1.12 Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Lima?
- 1.13 Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Lima? O que comprar?
- 1.14 Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Lima; pode ser um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
- 2 Guia prático
Em Lima com o Luís Novais (entrevista)
Define Lima numa palavra.
Diversa.
Lima é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
Numa metrópole com 10 milhões de habitantes há vários locais onde é bom viver e outros onde não. Gosto do centro histórico, que é antigo e não tão bom para viver; San Isidro ou Miraflores serão o que mais se assemelha a uma urbe europeia, têm ordenamento, limpeza e, duma maneira geral, as regras são respeitadas. Sou apaixonado pela melancolia romântica de Barranco, que estende a altivez decadente dum velho aristocrata, elevando-se e fazendo-se grande, frente ao mar.
E o que mais te marcou em Lima?
Vim ao Peru a primeira vez em 2006 para escrever um dos meus livros. Tento constantemente recordar as primeiras sensações, porque essas são, geralmente, as mais genuínas. Num capítulo desse livro tenho um personagem que faz uma caminhada que eu mesmo fiz, desde o centro até Barranco, coisa para umas três ou quatro horas a andar bem.
Relendo-me, percebo que me impressionou o bulício das ruas, os pregões, os cobradores dos mini-autocarros, as combys como aqui se diz, pendurados nas portas e anunciando destinos: “Toda Arequipa, Tacna, Wilson, Toda Arequipa Tacna, Wilson!”, “Faucett, Faucett”, “A la Punta, a la Punta”. Lembro-me da primeira cerveja tomada no velho bar Queirolo, reserva de antigos músicos criollos que aqui compuseram e soaram as primeiras estrofes de muitas das suas músicas: O Zambo Cavera, Augusto Polo Campos cantando “Y se llama… Peru”, artistas do submundo, atores, poetas… Impressionou-me e impressiona-me a resistência dum povo, que não aceita, que sai às ruas, que protesta, que luta, que não se deixa envelhecer, ao contrário de nós na Europa.
Como caracterizas os peruanos?
Os peruanos são resistentes. Têm uma grande capacidade para confiar nos que lhes são próximos, mas muito descrentes relativamente aos compatriotas que não conhecem bem. É como se fossem ainda uma sociedade em formação, com regras não totalmente aceites, com a incerteza de quem não sabe a que código obedece o desconhecido-outro.
Numa interessante conclusão, o sociólogo Javier Diaz-Albertini diz que é um país de pessoas mas não de cidadãos, onde não há os direitos devidos aos anónimos e todos estão permanentemente a afirmar o papel que cumprem, para que o outro identifique os direitos implícitos ao seu posicionamento social. Numa aparente contradição, são bastante abertos aos estrangeiros, sobretudo aos europeus.
No geral, são um povo muito simpático.
Como é um dia “normal” em Lima?
Depende do papel social que se tenha. Para um habitante da periferia que tenha um trabalho mal remunerado no centro, é muito duro: viajar umas seis horas por dia num autocarro apertado, dependendo do lugar onde viva, acarretar a água morro acima ou comprá-la a um preço altíssimo.
Mas Lima é também uma cidade com uma classe média em crescimento, que vive em boas casas e se desloca em carros de qualidade. Para este grupo, os principais problemas são o trânsito, o custo da educação, o seguro de saúde e a segurança – apesar que esta é mais por uma questão de perceção do que pela realidade, já que Lima não está sequer na lista das 50 cidades mais perigosas da América Latina.
Um dia em Lima é também um dia de diversidade. Dez milhões de pessoas é um número suficiente para que a oferta seja diversificada: bares para todos os gostos, lojas para todas as bolsas e para todos os interesses. Ultimamente proliferam os centros comerciais, onde se encontra tudo aquilo que a bolsa permita alcançar. Vê-se por exemplo muita roupa, cerâmica doméstica e têxteis lar made in Portugal.
Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Lima sem…”
…comer ceviche.
Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Lima. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
Depende dos interesses, eu que sou apaixonado pela História vou-te propor um roteiro baseado no conhecimento do passado. A maior parte das pessoas não faz ideia do tamanho que este passado teve no atual Peru. Sabem que os espanhóis aqui chegaram e por aqui colonizaram a partir do Sec. XVI, ouviram falar dos incas, de Machu Picchu e pouco mais. Mas há muito mais!
Desde há cinco mil anos que aqui floresceram várias civilizações, os incas foram apenas a última das pré-hispânicas e o seu império foi tão breve que não durou sequer 100 anos.
Da costa norte à costa sul, na serra e na selva, viveram inúmeros povos que desenvolveram inúmeras culturas. Mas esta entrevista é sobre Lima e, por isso, limitar-me-ei àquelas cujos vestígios se podem ver nesta cidade ou perto dela.
Veja também este completo guia de Machu Picchu.
Dia 1
Em primeiro lugar tens de ir a Caral. Que por favor ninguém se atreva a vir ao Peru sem visitar Caral. Escolher Machu Pichu sem escolher Caral é blasfemo e coisa de turistas parolos. Desses que estão atentos apenas às grandes paragonas propagandísticas; que não estudam antes de viajar; e estão ansiosos por regressar e dizer que já estiveram em alguns locais que são muito famosos.
Caral foi uma civilização antiquíssima que se desenvolveu no Vale do Supe, cerca de 200 km a norte de Lima. Se esta descoberta, que é recente, ainda não mudou os nossos manuais de História é tão só porque a historiografia é eurocêntrica, não conseguindo conceber que possam ter existido focos civilizacionais antigos simultâneos à Mesopotâmia de que descendemos.
Ao contrário do que se pensava até há pouco, aqui no Peru surgiu uma civilização há 5.000 anos, que é coeva da mesopotâmica e muito mais antiga do que, por exemplo, a egípcia.
A partir de Lima é possível gastar apenas um dia para visitar este vale monumental, com a sua cidade sagrada semeada de pirâmides e as vilas satélites, cada uma com a sua pirâmide e o seu anfiteatro.
Dia 2
No segundo dia recomendo-te uma visita à Lima pré-hispânica. Manhã em Pachacamac (Sec. III), antigo santuário-oráculo que era muito visitado antes da chegada dos espanhóis e que fica na zona sul. Aproveita e almoça num dos muitos restaurantes campestres que por aí há. Recomendo-te a pachamanca (um prato tipicamente peruano cozinhado sobre pedras quentes debaixo da terra) do D Cucho.
Regressando à zona mais central, uma visita à Huaca Pucllana, um complexo de pirâmides feitas de adobe e que foi iniciado no século V. Daí à Huaca Huallamarca dás um pequeno passeio pela zona residencial da cosmopolita San Isidro. Aqui poderás apreciar um templo também piramidal, que foi construído no Séc. I e está num perfeito estado de conservação.
Aconselho-te uma noite bem passada nos bares de Barranco: Um sanguche (sanduiche) de Jamon del Norte no Juanito, uma tasca tradicional (recomenda-te da minha parte ao Johny, o simpático mesero), seguida do animado e clássico La Noche (aqui procura o Miguel, que te atenderá diligentemente)… mas não fiques até muito tarde que na manhã seguinte tens de começar cedo para cumprir o programa.
Dia 3
Na manhã do terceiro e último dia, não deixaria de ir ao Museo de la Nación, onde podes apreciar peças das diferentes civilizações que por aqui passaram. Daí partes para o centro histórico, a urbe originalmente construída pelo próprio conquistador Francisco Pizarro.
Começa pela Plaza de Armas, aproveitando aí um dos pequenos autocarros turísticos que sobem ao Cerro de San Cristobal, de onde podes apreciar uma vista panorâmica de toda a cidade. Regressando, visita o Museo de la Gastronomia, no edifício da antiga estação de correios, que foi projetada por um antigo cônsul de Portugal, o arquitecto Raul Maria Pereira (1877-1933), natural de Sabrosa e que aqui casou, viveu e morreu em 1933.
Depois vais à Catedral (na Plaza de Armas) e ao Convento de San Francisco. Os peruanos têm muito orgulho no seu barroco mas, sinceramente, não é nada que impressione um europeu. Em seguida tocas a caminhar todo o Jiron de la Union, uma animada rua que liga a Plaza de Armas à Plaza de San Martin, que é uma praça monumental e Património Mundial no Peru, inaugurada em 1921, no âmbito das comemorações do primeiro centenário da independência.
Aí recomendo-te que proves o famoso pisco sauer no bar Bolivarcito, que fica junto ao Hotel Boliver. Se preferires um ambiente mais tradicional, podes antes experimentar o bar deste hotel, que tem uma imponente arquitetura.
Já com um ou dois pisco sauers tomados, a animação deve estar no ponto para que vás à taberna Queirolo, que fica apenas a uma quadra. Local para que proves um escabeche, um arroz com pollo, uma papa rellena, patitas com sarsa de patitas, ou repitas o mesmo sanguche de jamón del norte que já antes provaste no Juanito, acompanhado duma cerveja Cuzqueña ou Pilsen (prefiro esta última), ou dum chilcano (pisco com ginger ale). Cumprimentas o Otávio, que é o empregado mais antigo, e dizes-lhe que foste recomendado pelo escritor português, que serás ainda melhor atendido.
No dia da partida, espero que o voo seja tarde e te dê tempo para uma ida ao Mercado de Jesus Maria, em busca da banca da Andrea, que faz o melhor ceviche de Lima e a excelente preço. Pede-lhe um misto de ceviche com causa; e depois aproveitas para um digestivo passeio pelo mercado, antes de apanhares o táxi para o aeroporto.
E pronto, ficaste sem provar o Cuy e o rocoto relleno, mas esses ficam para outra ocasião.
Veja também um artigo com dicas sobre o que fazer em Lima.
Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Lima?
Lima é uma cidade onde os transportes são baratos. Se estiveres afoito podes usar o serviço de combys, que são velhas e apertadas, mas típicas e muito baratas; por apenas 1 sole (30 cêntimos de euro) podes percorrer a cidade quase duma ponta à outra.
Os táxis também são baratos, mas nunca entres sem primeiro negociar o preço; porque é assim e não com taxímetro que as coisas por aqui funcionam; e por amor de Deus não aceites a primeira proposta, sobretudo depois dele perceber que és turista. Atiras-lhe com metade e ajustas a partir daí.
Quando entrares vai fazer-te a pergunta sacramental: “De donde eres?” E depois pergunta-te se Portugal é no Brasil e se em Portugal também se fala português. Se queres que te identifique rapidamente, não lhe dês tempo para os equívocos e diz-lhe imediatamente que é o país do Cristiano Ronaldo; eu digo-lhes sempre que é o segundo português mais famoso do mundo, e fico à espera que me perguntem qual é o primeiro, que sou eu, claro.
Lima está reconhecida como o melhor destino gastronómico mundial. Há restaurantes para todos os gostos e, depois que conheci a cozinha peruana, a portuguesa passou a ser a segunda melhor do mundo. Há restaurantes para todos os gostos e bolsas. Se não quiseres gastar muito, tens boas opções nas pequenas casas de menu, onde se come uma entrada e um prato com um sumo, a partir de 5 soles.
Para pequeno-almoço tens os célebres emoluenteros, pequenos quiosques ambulantes, que vendem uma sanduiche e uma quinoa ou um emoluente (gostosas e nutritivas bebidas locais) por apenas 1 sole. Há-os também especializados em sumos naturais, que são igualmente baratos.
Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Lima?
Dada a diversidade da gastronomia local, é difícil recomendar poucas.
Já falei no ceviche, um prato de peixe fresco mergulhado em sumo de limão, que para mim é o melhor pitéu do mundo. A causa limeña também é excelente; trata-se duma pasta de batata recheada, pode ser com atum, miolo de caranguejo ou frango. O lomo saltado é uma fusão de várias tradições culinárias: a europeia, a local e a chinesa; excelente!
Se não te impressionares, pede cuy (porquinho da índia, ou porco chino como também dizemos); prefiro-o chactado e, para isso, recomendo-te o Rincon Arequipeño, no distrito de Lince. Também no Rincon, não deixes de provar o rocotto relleno con pastel de papa. Adoro o aji de gallina.
Na rua prova um tamal, os melhores são dum velho tamalero que os vende numa esquina da Avenida Arenales, junto à padaria Belgravia… mas há tantas mais coisas para provar, nem imaginas… tenho pena de ti por serem apenas três dias!
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Lima?
Os lugares mais centrais e com maior oferta ficam em Miraflores.
Escolhe um café e um museu.
Como café, gosto do Bisetti, no Barranco. Excelente para descontrair, tem um expresso de boa qualidade e é ótimo para uma tarde com um bom livro.
Para museus, recomendo o Museo de la Nación (Av. Javier Prado Este), onde está uma exposição permanente de artefactos das diferentes culturas que fizeram a História do Peru. Recomendo também o Museo de Arte de Lima (Av. Arequipa), com obras de vários períodos e onde podes apreciar um quadro do português Raul Maria Pereira (Sabrosa 1877 – Lima 1933), que aqui viveu e morreu e de quem já antes te falei.
Se tiveres tempo, visita também o Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia y Historia, no Distrito de Magdalena del Mar, que foi projetado pelo mesmo português, que além de artista era arquiteto.
Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Lima?
Barranco, obviamente.
Há diversos bares e para diversos gostos. Como bar, sou fã do La Noche. Para tasca, o Juanito. Quando estou com alguma nostalgia europeia vou ao Pub Wicks (Av. Pedro de Osma), ao estilo inglês, e onde produzem a sua própria cerveja. O mesmo para a Barranco Beer Company. Uma síntese entre o bar e a tasca é o Pizelli, que fica numa rua onde podes encontrar várias outras alternativas.
Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Lima? O que comprar?
Artesanato – o Peru é muito rico e tem muitas tradições. No final da Av. Arequipa, antes de chegares ao lobalo (rotunda) de Miraflores, encontras um mercado de artesanato com oferta diversificada, mas no centro histórico também há bastante. Dos têxteis à cerâmica é todo um mundo de opções.
Obrigatório é que leves pisco, um destilado de uva e é a bebida espirituosa nacional. Recomendo também que leves alguns produtos que são a base dos pratos peruanos com que no regresso quererás impressionar os amigos: Salsa (molho) de aji amarillo, salsa de rocoto, salsa a la huancayna…
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Lima; pode ser um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
As noites grátis de Jazz latino, todas as segundas feiras no bar La Noche de Barranco.
Obrigado, Luís. Vemo-nos numa próxima viagem a Lima.
Obrigado a ti, cá te espero.
Guia prático
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