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Quando um Arco-íris Abraça Uluru (VM #45)

Por Filipe Morato Gomes
Viagens: Uluru (Ayers Rock), Austrália - Volta ao Mundo

Visito o coração semi-árido da Austrália. Durmo ao relento, no meio de nada, sob um céu continuamente estrelado, nas proximidades dos imponentes Kings Canyon, Olgas e, claro, Uluru (Ayers Rock). E observo turistas que, infelizmente, não demonstram o mínimo respeito pelas crenças dos povos indígenas da região.

Vista da formação rochosa Olgas, Austrália
Vista da formação rochosa Olgas, Austrália

Saí de Alice Springs com destino ao ícone turístico mais vulgarmente associado à Austrália: Uluru. Ou Ayers Rock, como os europeus lhe chamaram. Um pedaço de pedra que brota da planura do solo e de cores avermelhadas que ganham vida ao entardecer. Dir-se-á que é apenas uma rocha no coração desértico de um vasto país, longe de qualquer vestígio de civilização. Pode ser, mas Uluru é sem dúvida um lugar especial. E sagrado. O tempo que demora a lá chegar não é, de forma alguma, um desperdício.

A primeira visão de Uluru aconteceu ao final da manhã, quando a luz não era a ideal e o calor estava no auge. Haveríamos de voltar para explorar a base da afamada rocha vermelha, mas seguimos inicialmente em direcção às Olgas, uma curiosa formação rochosa de feições arredondadas e coloração semelhante a Uluru. Juntamente com uma vintena de outros jovens viajantes, percorri a base das Olgas debaixo de um calor abrasador. Extraordinário como uma paisagem pode ser tão seca, bruta e, simultaneamente, tão bela. Mas o momento mais espectacular do périplo pela Austrália central estava reservado para mais adiante, quando subimos ao topo do Kings Canyon, um desfiladeiro imponente que se ergue no agora Parque Nacional de Watarrka. Por razões que se adivinhavam olhando, o trilho que levava ao seu topo chamava-se “ataque cardíaco”. Mas, uma vez lá em cima, as vistas eram espectaculares.

Entardecer em Uluru (Ayers Rock), Austrália
Entardecer com Uluru (Ayers Rock) em pano de fundo, Austrália

O olhar alcançava quilómetros e quilómetros de planícies escassas em vegetação. Predominavam os tons pastel, avermelhados, e mesmo o normal viço das plantas parecia desbotado pela falta de água. Palmilhámos ambas as vertentes do desfiladeiro, deslumbrados. Mais do que qualquer outra paisagem da região, percorrer o topo do Kings Canyon foi de cortar a respiração. Foram dois dias em cheio e duas noites a dormir ao relento, literalmente no meio de nada, por baixo de um céu imensamente estrelado. Sem tendas, com os sacos-cama dispostos em redor de uma preciosa fogueira. Em sintonia total com o outback australiano.

No regresso a Uluru, ao entardecer de um outro dia, as condições climatéricas pareciam não querer ajudar todos os fotógrafos amadores que esperavam pelas famosas cores avermelhadas. O céu carregado impedia os raios solares de irem ao encontro da rocha e uma irritante chuva fora de época começara entretanto a cair. Os turistas de classe alta recolhiam aos seus enormes autocarros com os copos de champanhe salpicados de água. Antevia-se uma enorme desilusão colectiva. Mas eis que, por breves minutos, a chuva amainou e os raios solares encontraram o seu caminho por entre as nuvens negras. Num ápice, formou-se um belíssimo arco-íris que abraçou completamente Uluru. Uma dádiva dos deuses aborígenes. “Já aqui assisti a mais de cem pores-do-sol e este é seguramente um dos mais espectaculares”, garantia um guia local.

Kings Canyon, Austrália
Um viajante espreita para o precipício em Kings Canyon, Austrália

No entanto, nem tudo foi harmonioso na passagem por Uluru. Por culpa dos turistas que nem sempre adoptam uma postura adequada perante culturas diferentes das suas. Todo o Parque Nacional Kata Tjuta, onde Uluru se localiza, é solo aborígene desde há milénios. Terra habitada pelos Anangu. Acontece que os Anangu pedem aos visitantes para não escalarem Uluru. Porque, para eles, é um lugar profundamente sagrado. A Tjukurpa – lei tradicional Anangu que explica a existência, a criação do mundo e estabelece as regras da vida quotidiana, o comportamento apropriado das pessoas entre elas e de cada uma com a terra – impede que se suba ao seu topo. Os Anangu não escalam Uluru e limitam-se a solicitar aos visitantes que os respeitem, a si e às suas leis tradicionais. E proibir não faz parte da sua maneira de estar. Apesar dos apelos, havia quase sempre um carreiro de turistas a subir ou a descer Uluru, ignorando os pedidos dos legítimos proprietários do lugar. Haja respeito!

Livro Alma de ViajanteEsta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

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Comentários sobre “Quando um arco-íris abraça Uluru”

As fotos ficaram mesmo fantásticas… gostei especialmente da que veio publicada no suplemento fugas em que se vê o arco-íris…
Agora fiquei também com curiosidade para ver o pôr-do-sol… fico à espera ;)

Abraço,
Zé Carlos

Comentário enviado por Zé Carlos em 29.MAI.2005 – 12:18

Filipe, amigão,

Continuo a acompanhar-te, a seguir a tua sensibilidade.
Ainda não saiste de Timor.
A Austrália dá fotos lindas. O carreiro não era de portugueses, pois não? É que nós pensamos que os portugueses são os únicos mal-educados.

Abraço apertado,
Jorge

Comentário enviado por Jorge Cerejeira em 29.MAI.2005 – 13:23

Decididamente, não te demoraste pelas bandas dos antípodas. Qual não é a minha surpresa quando vejo que já estás na América do Sul. Quase que aposto que vais descer à Patagónia, lugar de peregrinação de todos os viajantes independentes (dos que podem ou conseguem).
De algum modo já te deves sentir quase em casa ou não fosse esta a última parte do teu périplo pelo (ainda) possível mundo alternativo.
Saudações aos nuestros hermanos sul-americanos e que tudo te corra bem. Hasta la vitoria.
Abraço.

Comentário enviado por Pedro em 30.MAI.2005 – 16:11

Olá grande viajante,
Continuo a acompanhar a tua epopeia com muito interesse e agradeço mais uma vez pelas fantásticas imagens e relatos que nos tens proporcionado.
Espero que continue a correr tudo bem e que desfrutes bastante nesse novo continente onde chegaste recentemente.
Tenho excelentes recordações de duas viagens que fiz à América do Sul e posso afiançar que é continente muito traveller friendly. Espero que te divirtas muito por aí, com a certeza de que eu e muitos por cá vamos continuar a acompanhar os teus relatos.
Um abraço,
Paulo César Santos

Comentário enviado por Paulo César Santos em 30.MAI.2005 – 22:48

Vejo que continuas com grande força. As fotos estão cada vez melhor…
Continuação de uma óptima viagem e que os ventos sejam sempre favoráveis…
Abraço,
Zandinga

Comentário enviado por Zandas em 01.JUN.2005 – 16:10

Grande Filipe como estás?!?! Grandes “bonecos” andas a fazer, muitos parabéns.
Um grande abraço e continua a lutar.

Comentário enviado por Hugo Delgado em 01.JUN.2005 – 19:35

Não poderíamos concordar sempre…

Os Anangu solicitam que não se escale o Uluru… mas a Natureza pertence-nos… e nunca poderia depender de crenças, mitos ou religiões.

Escalar, explorar e respeitar o planeta despertou em ti esse fascínio que se traduz numa alma de viajante.

Viajar é abolir fronteiras de pensamento.

Abraço, desfruta de todos os espaços que não te solicitaram para evitares.

Escala até os teus olhos se embriagarem de prazer,
Avie.

Comentário enviado por Avie em 04.JUN.2005 – 02:11

Filipe, leitores, viajantes:

Concordo em absoluto com o teu deslumbramento com o Kings Canyon. Levo-o mais longe e depois dele, o Uluru ficou com sabor a fraude turística, normalidade, turismo de pacote. O frenesim com as suas supostas mudanças de tonalidade ao anoitecer é, então, absolutamente histérico e ridículo!

No Kings Canyon, provavelmente perdeste o outro “Canyon” antes do desfiladeiro. A montante, o “rio” escavou meandros, na rocha, com uma profundidade significativa, onde pequenos oásis mergulhados de plantas e aves quebram o calor tórrido lá de cima e transportam-nos para paraísos privativos.

Criticas a atitude de escalar o Uluru. Mas repara na arrogância e demagogia (chamar-lhe demagogia é pouco) dos próprios colonos:
Dizem ser um “calhau”, sítio, sagrado para os “donos tradicionais da terra” – aborigenes. Antes de mais a criação do conceito “dono tradicional” é asqueroso. Esconde um “eram donos, agora somos nós, os brancos”.
E já escreveste que a vida dos Australianos – os originais, esses, os tradicionais – é tudo menos risonha…
Mas Uluru é o expoente máximo da fachada colonial, do respeito perante os aborígenes e as suas tradições, por outro pequeno detalhe:
Foi colocado, como sabes, um aviso gigante a pedir que todos se abstenham de escalar o calhau! Aplausos! Clap! Clap!
AO LADO EXISTE UMA CORRENTE, TIPO CORRIMÃO, PARA PERMITIR ESSA MESMA ESCALADA. Sem ela é muito arriscado, senão impossivel, escalar!
Se isto não é revoltante!… relembro o permanente estado de embriagez a que o povo Australiano é atirado… outra história…

Espero que continues a deixar marcas – como as que nos chegam de Timor (e garanto-te que chegam por outras vias, não só por comentários “perdidos” ;) ) – e escritos como os que nos habituas.

Aos outros, boas leituras e boas viagens, ainda que sonhadas.

Cordialmente,
André Dias

Comentário enviado por André Dias em 05.JUN.2005 – 01:48

Uma coisa é certa: a tua barriguinha já é mais pequena que a minha.
Embora não tenha escrito muito, temos-te acompanhado sempre.
Chegaste agora a uma cidade sobre a qual me dizem maravilhas (Santiago do Chile). Disfruta e lembra-te de “cuando pa Chile me voy, cruzando la cordillera…”

Um abraço e um beijinho

Comentário enviado por Rojo e Mariana em 05.JUN.2005 – 15:37

Não conhecia este espaço, gostei imenso e ainda por cima és de Braga… sou de lá perto :) Vou linkar.

Comentário enviado por Micas em 07.JUN.2005 – 09:43

Olá Filipe,
Sempre que posso, continuo a acompanhar a tua viagem (o melhor estudo de antropologia humana e de aprendizagem multicultural que se pode fazer…) O teu site (as fotos e os textos) continuam a merecer elogios rasgados, por transmitirem um apreço e respeito tão grande por outras culturas.

Espero que ainda te lembres que estamos à tua espera na Escola Superior de Educação de Coimbra, quando regressares.
Um abraço e boa estadia nas américas.

Comentário enviado por Susana Gonçalves em 07.JUN.2005 – 16:05

Vamos a factos. Há muitos turistas, nomeadamente orientais mas não só, que visitam Uluru (Ayers Rock) com o único propósito de escalá-lo. Quer isso dizer que, se não existisse essa possibilidade, provavelmente muitos abdicariam de fazer a deslocação até ao coração da Austrália. É também verdade – talvez por isso mesmo – que a Austrália tem interesse económico em manter em aberto a possibilidade da escalada. E, de facto, o corrimão existe, por questões de segurança. A isso poder-se-á chamar, como já aqui foi escrito, hipocrisia. Mas também é um facto indesmentível que o povo Anangu pede para que todos os visitantes se abstenham de subir ao topo de Uluru.

Ora, nenhum daqueles factos impede o viajante de conscientemente tomar a opção – é disso que se trata, de optar – de não escalar a rocha. Penso que a vista lá do cimo – que acredito seja maravilhosa – não justifica o desrespeito para com as tradições do povo Anangu. E não será o respeito por diferentes culturas, crenças e costumes uma das regras básicas que um viajante deve observar?

Grande abraço a todos.

Comentário enviado por Filipe Morato Gomes em 11.JUN.2005 – 23:42

Para breve a minha visita a Uluru.
Digamos mesmo que é a única área da Austrália que não conheço.
Toda a gente diz bem e que é bonito.
Gostei do teu comentário sobre o desrespeito, do escalar o Uluru, também na Austrália se veem coisas que não gostamos.
Sabias que os Portugueses até são um dos povos mais educados que por aqui passam? É verdade.
Boa Viagem.

Comentário enviado por Manuel Lopes em 27.JUN.2005 – 00:16

Ai que saudades de todo o outback… eu estive em Uluru em 1995, já lá vão 10 anos… e de facto nessa altura toda a gente subia ao topo de Uluru. Eu não subi, porque os meus ténis escorregavam na pedra… mas, de facto, só depois de sair do Kata Tjuta National Park é que soube que não se devia subir lá acima. Não sei como é agora, mas há 10 anos atrás a informação era muito escassa!

Por acaso, o pôr-do-sol que vi em Ayers Rock simplesmente está-me gravado na memória como sendo o mais belo de sempre… uns tons de violeta, anil, vermelho, azul, tudo misturado… simplesmente belíssimo… e foi sem arco-iris… nem consigo imaginar como possa ser com!!!

Comentário enviado por Tange em 05.OUT.2005 – 22:27

Prezado Filipe Morato Gomes
Permita-me que o felicite pelo seu “Alma de Viajante” que contém e reflete aventuranças próprias de um espírito saudavelmente peregrino…!
Proponho-lhe uma visita a Moçambique, meu país de origem e Pátria de desencontros…
Talvez outros entendam, como eu, que nem todos os portugueses são os únicos mal-educados e escassos de sensibilidade. Excepto aqueles que o escrevem… Saúdo-o. A si apenas.
Fernando Cerejeira

Comentário enviado por Fernando Cerejeira em 20.DEZ.2005 – 12:14

Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

2 comentários em “Quando um Arco-íris Abraça Uluru (VM #45)”

  1. Olá!

    Estou a planear ir visitar Alice Springs e Uluru, quando viajar para a Austrália em Novembro, mas tenho visto tantas tours que estou indecisa!
    Será que é possível dizer-me como planeou a sua ou qual das muitas agências que apresentam estas tours seleccionou. Com tanto para ver estou mesmo a pensar adquirir um deste pacotes.

    Obrigada

    Sofia

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    • Fiz um overland numa empresa para mochileiros, mas já foi há tantos anos que não posso ajudar. Posso é dizer que visitar Uluru, Kings Canyon e Olgas é imperdível. Abraço e boa viagem.

      Responder

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