Chego a Bagan, em Myanmar (Birmânia), pouco mais que moribundo, depois da pior viagem de autocarro de que tenho memória. Bagan é famosa pelos seus templos, que visito demoradamente, deleitando-me com um belo pôr do sol num minúsculo templo livre de turistas.
Foi a pior jornada de autocarro desta viagem até à data. Era um pequeno autocarro de uma linha regular entre Mandalay e Bagan, extremamente desconfortável, exíguo em espaço e sobrelotado. Percorreu estradas de terra batida pejadas de buracos, aos solavancos, e o pó, omnipresente, tornava a respiração uma proeza. Uma dúzia de pessoas efectuou a viagem de pé, outros tantos no tejadilho por entre maletas e sacos de arroz. E, sempre que uma mulher pretendia entrar no autocarro, era necessário algum passageiro do sexo masculino se voluntariar para viajar na capota e ceder o seu espaço à recém-chegada. Não por cavalheirismo, mas porque, de outra forma, seria desrespeitoso para todos os homens presentes ter uma mulher por cima das suas cabeças, num nível superior. À chegada a Bagan, sentia-me pouco mais que moribundo.
Bagan é a mais visitada região de Myanmar. E a única razão para tal facto deve-se aos mais de dois mil templos que se espraiam por uma área de quarenta quilómetros quadrados, nas proximidades do Rio Ayeyarwady. A par dos de Angkor, no Camboja, e dos de Borobudur, na ilha indonésia de Java, os templos de Bagan são frequentemente considerados os mais impressionantes legados do passado no sudeste asiático.
Havia demasiados turistas nos mais imponentes dos templos, como em Shwezigon ou Ananda, este último um dos mais elegantes, bem preservados e sagrados de entre todos os templos de Bagan. À medida que a tarde ia caindo, os grupos organizados rumavam para o ponto mais alto de um mesmo templo, aguardando o pôr do sol. De todas as direcções ouviam-se cliques furiosos de dezenas de máquinas fotográficas em aceso despique. E gente, muita gente acotovelando-se num pequeno terraço. Saturado, pedalei sem rumo definido pelos caminhos de terra solta até que um homem me convidou a ver as pinturas de sua autoria efectuadas sobre areia.
Estava sentado à porta do minúsculo templo de Tayok Pye, raramente visitado por forasteiros. “Em média, cinco pessoas por dia vêm até Tayok Pye”, dizia o artista vendedor. “Não é bom para o negócio, mas a licença para vender junto aos templos maiores é demasiado cara“, continuou, resignado. O edifício parecia como que um paralelepípedo sem graça quando o homem apontou para uma estreita e escura escadaria. “O sol põe-se em vinte minutos, podes subir”, sugeriu. A escadaria levava até ao topo do pequeno templo. Subi e lá fiquei, apenas na companhia do homem que entretanto subiu também, apreciando a imensidão de templos que pintalgavam a paisagem e aguardando o mágico instante em que o sol se esconde por debaixo da linha do horizonte. Um momento de paz.
Bagan é um daqueles lugares que possuem um certo fascínio mas, ao fim de alguns dias, visitar templos tornou-se monótono e cansativo. E estava curioso em conhecer o mais afamado destino de veraneio de Myanmar, Ngapali, antes que o visto de permanência no país expirasse. Ainda dorido da jornada de autocarro e sabendo que levaria pelo menos vinte horas e três autocarros para lá chegar, decidi embarcar num voo doméstico em direcção a Ngapali.
Lá chegado, encontrei uma praia imaculada, três quilómetros de palmeiras alinhadas por detrás de uma linha de areia fina, com os resorts e bungalows sem vestígios de terem sido afectados por qualquer vaga destruidora no passado mês de Dezembro. Ngapali é um lugar belo e tranquilo, mas não é um destino frequentado por viajantes independentes. Talvez por ser um local incompreensivelmente caro, talvez por ser demasiado sossegado.
Era então altura de abandonar Myanmar e regressar a Banguecoque, com o intuito de aprender a mergulhar nas ilhas do golfo da Tailândia, antes de descer a península malaia em direcção a Singapura. Mas, estando num país onde todas as liberdades são controladas, o simples facto de poder sair ganha outro sentido. Muitos birmaneses almejam por uma oportunidade para trabalhar fora de portas e não têm permissão para sair do país. Soube de um padre católico que esteve três anos à espera de autorização da junta militar para visitar Itália durante uma semana. Enquanto o avião se elevava no céu e Myanmar ia ficando mais distante, só me ocorria um pensamento: “há povos que mereciam melhor sorte”.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Belo Post! Estou indo em novembro e estou juntando todas as informações para o meu planejamento! Sinto que vou curtir muito o Myanmar!