Junte-se um cenário de sonho, feito de picos nevados e prados alpinos, com um passado histórico recheado de emoções. Salpique-se com castelos, muita fauna selvagem e um bom punhado de trilhos bem assinalados. Esta é a receita de uma das mais belas zonas de Itália e da Europa: o Vale de Aosta.
Aosta, encaixado entre os Alpes franceses e suíços
Encaixado entre os Alpes franceses e os suíços, o vale começa a cerca de 60 quilómetros de Turim – a grande cidade mais próxima -, na zona de Pont-St-Martin. É a mais pequena região de Itália, com apenas 3.262 quilómetros quadrados, e também a menos povoada, contando com cerca de cento e dezoito mil almas.
Como todos os vales alpinos, mistura paisagens encantadoras, povoações pequenas, e uma natureza de aparência selvagem, mas facilmente acessível. A norte, está separado da Suíça por imponentes montanhas, entre as quais o impressionante Monte Cervino, a que os helvéticos chamam Matterhorn; a sul, fica o espectacular Parque Nacional Gran Paradiso, que tão bem merece o nome, partilhado com a província do Piemonte. A fechar o vale, levanta-se a imensidão gelada do Monte Branco, que faz fronteira com a França.
Não se pense, porém, que se trata de um valezinho bucólico e isolado, onde o modo de vida se mantém igual desde há séculos. A primeira impressão de Aosta chega a ser, até, desconcertante, ao descobrirmos que se trata de uma zona fortemente industrializada, cuja estrada principal é permanentemente percorrida por grandes camiões de transporte internacional, que se dirigem aos colos do Grand e do Petit-St-Bernard – o primeiro dá acesso à Suíça e o segundo a França.
Apesar de tudo, o ambiente ainda é bastante rural, com vinhedos nas encostas, apoiados em grossos esteios de pedra, campos cultivados e colmeias. Mas a natureza em estado puro deve procurar-se em vales laterais, que se abrem a norte e a sul, enquanto a história e cultura tão próprias da zona se encontram, essas sim, magnificamente preservadas nas suas cidades.
A primeira surpresa são os nomes franceses das povoações que vão aparecendo ao longo da estrada: Pont-St-Martin, Issogne, St-Vincent; hameau (aldeia) e rue também aparecem com frequência, assim como inúmeras pâtisseries (pastelarias) e supermarchés. Ao mesmo tempo, ficamos com a impressão de que cada aldeia tem, pelo menos, um castelo ou uma fortaleza, para além das habituais igrejas de campanários aguçados. A justificação encontra-se num curto relance sobre a história da região.
Humanos no Vale de Aosta
Existem marcas da presença humana que datam de 3.000 a.C.. Habitado por lígures e celtas, o vale atraiu os romanos pela sua localização estratégica, entre a Gália e a Germânia e, vencidos os locais Salassi, Roma fundou Augusta Praetoria, que chegou a ser o castro mais populoso dos Alpes.
Depois de lutas e ataques insistentes ao longo de séculos por parte dos mais variados povos, dos Godos aos Bizantinos, finalmente, foram os Francos que se instalaram aqui, em 575. A partir dessa data, a influência gaulesa foi sempre a mais forte, até datas bem recentes. Destaca-se o papel da Casa de Sabóia, a partir do séc. XI, que tomou posse política e administrativa do vale até à Revolução Francesa.
No séc. XV, Aosta tornou-se um ducado com governo e assembleia próprios. Em 1800, Napoleão atravessou o colo do Grand-St-Bernard com o seu exército e, com a constituição do Reino de Itália, a autonomia foi sendo várias vezes proposta até que, nos anos quarenta, Aosta adquiriu o estatuto de Região Autónoma.
Para além da toponímia francesa, fica também explicada a abundância de castelos – mais de cem, anuncia o turismo local. De facto, há para todos os gostos: estilo castelo encantado, de torres redondas, e estilo fortaleza, de linhas pesadas e sólidas; estilo romântico, arruinado e reduzido a torreões cobertos de vegetação, e estilo actual, restaurado e aberto ao público.
O de Issogne, por exemplo, não é nada impressionante por fora, mas merece uma visita pelos seus interiores luxuosos e preservados, pela belíssima decoração com frescos e madeira pintada e, também, pelo seu pátio central, marcado por uma fonte de onde sai uma delicada romãzeira – símbolo da prosperidade – em ferro forjado. O castelo, assim como as suas sucessivas reconstruções e melhoramentos, está ligado à família Challant, relacionada com a Casa de Sabóia.
Ali perto ficam a fortaleza de Bard e o castelo de Verrès; mais adiante surge o de Fenis e, já depois de Aosta, ficam a fortaleza de Aymavilles e o castelo de Sarre, que foi residência de Verão dos próprios condes de Sabóia.
A capital, Augusta Praetoria, a moderna Aosta, mantém o plano quadrado do antigo castro, e exibe um grupo importante de monumentos, que assinalam a passagem do tempo e da história pelo vale. O Arco de Augusto, perto da ponte romana, fica no centro de uma rotunda movimentada, de onde saem as ruas centrais da cidade. Algumas destinam-se exclusivamente a peões, como a Sant’Anselmo, animada por uma profusão de restaurantes, birrerias (cervejarias), e lojas de produtos típicos: objectos de madeira, mel, vinho, e o célebre queijo Fontina.
Visitas escolares percorrem, em grupo, as casas de souvenirs e os vestígios romanos; bem no centro da cidade encontram-se os banhos, o teatro, o forum, e as imponentes ruínas das antigas muralhas. A época medieval também deixou em Aosta alguns monumentos de interesse, nomeadamente a Catedral de Notre-Dame de l’Assomption, que ganhou uma fachada ricamente decorada e pintada durante a época renascentista, e a igreja e colegiada de Saint-Ours.
Esta última possui um claustro rodeado de colunas cujos capitéis, esculpidos com formas de animais e personagens que representam passagens da Bíblia, são uma verdadeira maravilha da arte românica.
Mas nem só de monumentos vive uma cidade. Mesmo num dia feio e chuvoso, em plena época baixa de turismo, Aosta fervilha de visitantes. E os valdostanos, que vivem rodeados de montanhas nevadas durante a maior parte do ano, também não têm medo do frio.
Em vésperas de eleições, colam-se cartazes dos partidos políticos nos placards da Praça Emilio Chanoux, mirados por todos com algum interesse. Identificamos alguns partidos, como o ecologista e o independentista, mas o mais curioso é ver que uns se servem do francês e outros do italiano para fazer passar a mensagem política. Na fala, o sotaque é tão forte (com o “erre” carregado dos franceses), que não se percebe muito bem de que língua se trata; provavelmente será valdostano…
Turismo de montanha nos Alpes italianos
Courmayeur vive, sobretudo, do turismo de montanha, oferecendo todo o tipo de serviços relacionados com esqui e alpinismo; especialmente concorrido é o teleférico que leva à Aiguille du Midi, perto de Chamonix. Em Maio é uma cidade parada, com mais de metade dos hotéis e restaurantes ainda em preparação para a época alta.
Neste extremo do vale, mais do que em Aosta, encontra-se ainda alguma da arquitectura típica da zona: casas e igrejas de pedra com telhados de lousa, distribuídas por ruas estreitas. À volta erguem-se as montanhas ainda cobertas de neve, mas o ar já é quente, as flores começam a aparecer nos canteiros, e as crianças aproveitam o sol morno da Primavera para jogar futebol nos jardins e adros das igrejas.
O Inverno foi duro. No Val Veny, do outro lado do Rio Dora Baltea, uma barreira impede os veículos de continuar; presa à barreira, uma nota explica que, devido a uma grande avalanche – e ao seu fortíssimo sopro, que derrubou árvores num raio de vários quilómetros -, a estrada continua interrompida.
Ali muito próximo fica a cortada para um dos mais bonitos miradouros sobre o vale e o maciço do Monte Branco.
A 2.763 metros de altitude, da Testa d’Arpi abrangemos o impressionante muro de montanhas ao fundo, com os cumes escondidos pelas nuvens. Em baixo fica o vale que, visto de cima, mais parece um grande relvado dividido ao meio pelo Rio Dora Baltea, as casas de Courmayeur do tamanho de ovelhas num prado.
Com este relevo e condições climatéricas, são evidentes as vocações económicas da região: a seguir ao turismo, a economia também é grandemente sustentada pela sua produção de gado e produtos lácteos.
Os seus pitorescos vales laterais abrigam aldeias habitadas por uma população montanhesa arreigada às suas tradições, como a língua, que se mantém muito próxima do provençal. Fabrica-se o queijo Fontina, com o qual se faz um excelente fondue e, nos locais mais amenos, produz-se também um excelente vinho de Região Demarcada.
A norte, para além do colo do Grand-St-Bernard, que dá acesso à Suíça, abrem-se outros percursos dignos de nota. O mais bonito é o do Valtournenche, que nos leva a Breuil-Cervinia, no sopé do Monte Cervino.
A cidade, tal como outras dedicadas ao esqui, passou pelo mesmo que costuma acontecer nas estâncias marítimas com grande afluência de turistas: descaracterizou-se por completo, transformando-se num amontoado de prédios destinados a acolher os que procuram a espectacular vista sobre as agulhas negras cobertas de neve resplandecente, mesmo ali ao pé.
Mais modesto e selvagem, e também menos procurado, é o Val Ferret, perto de Courmayeur. Aberto sobre um planalto, percorre-o um rio tortuoso que rivaliza com a estrada em curvas, por entre uma parede de rocha negra, de onde descem glaciares, e uma encosta verdejante e muito florestada.
Mas para conhecer mais profundamente a região de Aosta é preciso visitar os vales que se abrem para sul, em direcção ao Piemonte.
Só aí os Alpes italianos conservam toda a sua beleza natural e riqueza faunística. Valgrisenche, Val di Rhêmes, Val Savarenche e Val di Cogne são percorridos por estradas que terminam, abruptamente, frente a uma paisagem paradisíaca de montanhas brancas, bosques escuros, e prados percorridos por camurças, marmotas e cabras-montesas.
Pelos três últimos vales, penetramos no Parque Nacional Gran Paradiso, que continua do lado francês com o nome de Vanoise.
Para um mergulho mais profundo, há ainda uma rede de trilhos bem assinalados que cobre mais de duzentos quilómetros, e que permite chegar a lugares isolados de uma beleza fantástica. Sucedem-se prados, cascatas, vales suspensos, e a cordilheira do Gran Paradiso, cujo ponto mais alto, a 4.061 metros, está reservado a alpinistas experientes.
Mesmo para os que não gostam de caminhar, a região reserva algumas surpresas, sobretudo na Primavera: atraídas pelos primeiros rebentos de erva fresca, cabras-montesas e camurças chegam a descer até à estrada, onde é fácil apreciá-las a uma distância razoável. E há trilhos para todos os gostos e intensidades, desde o curto passeio ao longo da sucessão de cascatas de Lillaz, até à caminhada que leva ao refúgio Sella, e que vence um desnível de mil metros em três ou quatro horas.
Seja qual for o grau de forma física e desportivismo, é indispensável conhecer este “coração selvagem” valdostano tal como ele é, para lá de todos os complexos turísticos e industriais. Aqui reside o principal encanto de Aosta: percorrendo os seus vales, abandonando por alguns dias o verdadeiro rosário de castelos e monumentos que constitui o seu eixo central, podemos imaginar como eram os Alpes dos primórdios, antes de qualquer intervenção humana. E depois, como por magia, voltar à civilização.
Guia de viagens ao Vale de Aosta
Este é um guia prático para viagens ao Vale de Aosta, no norte de Itália, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis da região e sugestões de actividades, nomeadamente nas localidades de Aosta, Courmayeur e Saint Vincent.
Quando viajar para o Vale de Aosta
A estrada principal do vale está aberta todo o ano. Mas se o interesse é esquiar numa das suas estâncias, como Courmayeur, a época escolhida será o Inverno; se quiser caminhar nos pequenos vales laterais, é melhor esperar por Julho para só ter neve nos cumes.
Como chegar a Aosta
Dada a proximidade de Portugal e a falta de voos directos para Turim, a melhor maneira de chegar aqui e explorar o vale é mesmo com o seu próprio veículo – afinal, Aosta fica logo na fronteira entre Itália e França.
Hotéis em Aosta
A região é turística, de Inverno pelo esqui, de Verão pelas caminhadas e trekkings das Alte Vie, que atravessam esta zona dos Alpes. Portanto, alojamento não falta e os campismos dos vales laterais abrem de Julho a Setembro. Na cidade de Aosta, por exemplo, o quatro estrelas Hostelerie du Cheval Blanc, na rua Clavalité 20, perto do centro histórico, tem quartos duplos entre 50 a 70 euros por pessoa. Existem opções mais baratas, como a Pousada da Juventude, na Frazione Echevennoz. Em Courmayeur, um hotel do mesmo nível é o Auberge de la Maison, em Entrevès 16/a, com quartos duplos que variam entre os 140 e os 200 euros.
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Restaurantes
O restaurante do Auberge de la Maison é recomendado, mas não falta escolha nas ruas pedonais de Aosta, e nos albergues típicos nas povoações mais pequenas. A gastronomia local é montanhesa, com abundância de caça. Experimente os fondues de queijo e legumes, o vinho Valle d’Aosta e as diversas variedades do Fontina, um excelente queijo valdostano.
Informações úteis
O nível de vida é alto e os preços também, ou não estivéssemos em Itália, para mais numa zona turística e de desportos de Inverno. A gastronomia valdostana só podia ser fantástica, uma vez que encontramos todas as maravilhas da comida italiana e ainda estamos numa região de queijos e vinho. Informações turísticas no local: Aosta, Piazza Chanoux, 8. No mesmo número funciona também o Club Alpino Italiano, útil para informações mais específicas para montanhistas (itinerários pedestres, fauna e meteorogia, entre outros).
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