A primeira impressão que se tem em Carcassonne é a de um castelo encantado, que alguma fada terá feito nascer no cimo da colina com um toque da sua varinha mágica. Uma vez dentro das muralhas, descobre-se uma verdadeira relíquia da Idade Média, justamente procurada por milhões de turistas todos os anos.
Regresso ao passado em Carcassonne
Não há castelo encantado que se preze que não tenha as suas lendas. Carcassonne justifica o seu nome com a história da dama de Carcas: quando Carlos Magno cercou a cidadela desta dama sarracena, achando-se desprovida de soldados, Carcas distribuiu pelas torres e muralhas bonecos feitos de palha, armados para combate.
O estratagema resultou, e Carlos Magno levantou o cerco, desanimado com inimigo tão numeroso. Terá dito então a dama: “Sire, Carcas te sonne.” (“Senhor, Carcas vence-te”, em tradução livre). Daí o nome da cidade, que a lenda assegura que se tornou cristã, dando a dama origem à primeira linhagem de condes de Carcassonne.
A verdade, porém, é que os romanos já tinham uma fortificação na zona a que chamavam Carcasso, e os sarracenos, que se sucederam aos visigodos e não ficaram por aqui muito tempo, chamavam-lhe Carchachouna. A cidade-fortaleza foi palco de combates, cercos, destruições maciças e, por fim, expulsão dos seus habitantes, que resultou na ruína do que ainda estava de pé. Lendária mesmo parece ser a sua reconstrução no século XIX, pelo arquitecto Viollet-le-Duc, o mesmo que restaurou os santuários de Notre-Dame de Paris e Sainte-Madeleine de Vézelay.
Hoje, Carcassonne é, depois da Torre Eiffel e do Mont Saint-Michel, o local mais visitado de França. As suas calçadas de pedra são percorridas, não por cavaleiros medievais, mas por turistas de todas as nacionalidades, armados de vídeos e máquinas fotográficas.
No coração de Carcassonne
O seu casario antigo abriga uma infinidade de restaurantes e hospedarias que revivem, através da decoração e da cozinha local, a época dourada da cidade, entre os séculos XI e XIII. A basílica de Saint-Nazaire, construída nessa altura, atrai visitantes de todos os credos para o seu recinto escuro, que convida ao recolhimento, iluminado por magníficos vitrais. O encontro do românico com o gótico dá-se aqui de uma forma harmoniosa, justificando o nome de “jóia da fortaleza”, com que os folhetos turísticos a mimoseiam. O seu órgão é um dos mais importantes e antigos do sul de França, e de junho a setembro há concertos diários – “Les Estivales d’Orgue” – que enchem a cidadela de sonoridades quentes e arcaicas.
Pelas suas praças, onde ainda resistem alguns poços de pedra que abasteciam de água a população, distribuem-se agora esplanadas muito concorridas, com espectáculos diários de música ao vivo, bem distinta da dos trovadores Ramon de Miraval ou Peire Vidal, que aqui viveram durante algum tempo. Raymond-Roger Trencavel, visconde de Albi e último senhor da fortaleza, certamente não reconheceria a sua cidade. É certo que qualquer loja de souvenirs vende conjuntos de capacete e espada, e mesmo armaduras completas.
Também é fácil encontrar relógios de sol e saquinhos de pano com ervas cheirosas, das que perfumavam as roupas das damas da época. Mas a animação é sempre pacífica, e a magnífica iluminação nocturna não dá paz aos fantasmas, impedindo o seu turismo nocturno e doloroso; durante os meses de verão, Carcassonne é uma cidade profusamente habitada e muito viva.
Para reconstituir ainda melhor o ambiente medieval, em agosto organizam-se torneios de cavalaria e falcoaria, com participantes vestidos a rigor, como no tempo dos cruzados. As velhas pedras da cidade não devem apreciar particularmente a lembrança, uma vez que foram estes que, em 1209, ditaram o seu fim: o visconde de Trencavel teve a ousadia de oferecer abrigo e protecção aos cátaros, dissidentes de um catolicismo que se afundava na decadência moral.
O seu pecado era defenderem a pureza dos costumes cristãos e não respeitarem a hierarquia eclesiástica.
Carcassonne foi das primeiras cidades a sofrer o embate da Guerra Santa declarada pelo Papa Inocêncio III. Cercada, perdeu o acesso crucial ao Rio Aude e, numa manobra pouco “cavaleiresca”, o visconde de Trencavel foi feito prisioneiro ao sair do castelo para negociar.
A partir daí, começou o declínio. Simon de Monfort, o comandante da cruzada, administrou a cidade até à sua morte, mas o seu filho foi incapaz de manter o território conquistado, e entregou-o à autoridade directa do rei. Quando o filho do visconde de Trencavel tentou reaver as terras do pai, Luís VIII dá ordens para arrasar a fortaleza e exilar os seus habitantes; só sete anos mais tarde conseguem obter autorização real para se instalarem de novo na zona – mas do outro lado do rio.
Carcassonne, a cidade de duas cidadelas
O turismo anuncia Carcassonne como “la ville aux deux cités”, a cidade das duas cidadelas: a antiga fortaleza, no cimo da colina, e o novo burgo que nasceu no século XIII, aos pés da primeira, na margem esquerda do Rio Aude. Desde sempre as duas zonas tiveram existências distintas, com toda a actividade comercial e social a desenrolar-se em baixo, enquanto a cidade-alta abrigava uma guarnição de mais de mil soldados.
A tendência manteve-se até hoje: só cerca de cento e vinte, dos seus quarenta e cinco mil habitantes permanentes, habitam a cidade antiga. Mas apesar da actividade evidente nas suas ruas e praças arborizadas, que substituíram as muralhas e estão agora semeadas de cafezinhos acolhedores, a atracção será sempre a “cité”, marco milenar da história da região do Languedoc. Para além das comodidades e serviços turísticos de que dispõe, a Bastide Saint-Louis, como é conhecida a cidade-baixa, serve apenas para compor a magnífica vista que nos oferecem as torres altas da fortaleza – e do cimo desta sentinela de pedra, não se consegue evitar a sensação de fragilidade que vem do casario baixo e pálido da Bastide.
Nada é regular ou simétrico nesta obra-prima da arquitectura militar, o que se explica pela longa história de reconstruções, modificações e acrescentos, que já dura há séculos e ainda não acabou. Mesmo depois da expulsão dos seus habitantes, a fortaleza foi modificada e aperfeiçoada, de modo a tornar-se um eficaz posto militar avançado.
Ao mesmo tempo que se reforçou o sistema defensivo com a construção de uma segunda muralha exterior, também a austera Catedral de Saint-Nazaire foi aumentada e melhorada. O castelo do conde foi rodeado por um fosso, transformando-se numa fortaleza dentro da fortaleza. São cerca de três quilómetros de fortificação, por onde se distribuem cinquenta e duas torres para todos os gostos: há torres quadradas e redondas, de envergadura e tamanho diferentes; umas têm seteiras, outras janelas e algumas são, aparentemente, fechadas.
Toda a cidade parece estar cheia de armadilhas: cotovelos estreitos para que só passe um inimigo de cada vez, degraus gigantescos, fossos dissimulados, enfim, todo o mostruário do engenho militar que veio sendo aperfeiçoado desde os romanos, destinado a guerras de cerco, tão comuns nos tempos medievais. Só a mudança das técnicas de guerra, nomeadamente a utilização generalizada da artilharia a pólvora, nos séculos XV e XVI, a tornou definitivamente obsoleta.
Apesar de tudo, é impressionante o seu aspecto exterior de castelo, ao mesmo tempo irreal e inexpugnável. Contorná-la por entre as suas duas muralhas, espreitando pelas janelas e varandins para a paisagem verde de vinhas e campos cultivados, é um convite para uma viagem no tempo, que continua quando atravessamos a ponte levadiça.
As ruas estreitas de pedra cinzenta, sombrias no verão e protegidas dos ventos frios no inverno, transformam-se num labirinto, e nunca sabemos se terminam nas muralhas, na basílica ou na praça principal. Pouco importa. Os passos ecoam de longe, e a cada esquina esperamos ver aparecer alguém de cota de malha e elmo reluzente.
As carroças que conduzem os turistas em visitas guiadas reforçam a esperança, com o ruído dos cascos e o soprar dos cavalos a ressoarem nas paredes de pedra. Para continuar o recuo no tempo, é possível visitar o castelo do visconde, que dá acesso exclusivo a certas partes da muralha. E para terminar a viagem, nada melhor que uma visita ao Museu Medieval e ao da Inquisição, que nos proporcionam pormenores nem sempre agradáveis da história da cidade. Outro museu ao gosto da época é o da Tortura, que exibe sádicos e requintados instrumentos, concebidos em noites de insónia, destinados a punir sabe-se lá que crimes medievais…
Dizem os seus apreciadores mais sinceros que a cidade não se visita de verão: há demasiada agitação e pouca privacidade para percorrer a velha Carcassonne, e a viagem no tempo, que deve ser feita na solidão, é constantemente interrompida por grupos de turistas ruidosos. Das esplanadas sai música durante o dia inteiro e os restaurantes abarrotam de gente.
A fama da “donzela do Languedoc’ ultrapassou já a do destino turístico de eleição: já são cerca de setenta os filmes rodados neste cenário de contos de fadas; um dos últimos foi o Robin dos Bosques, de Kevin Kostner. Dificilmente se encontra uma obra arquitectónica desta envergadura tão bem preservada, das torres de telhados pontiagudos, em telha vermelha ou lousa negra, às pontes levadiças que permitem ultrapassar os fossos das muralhas. Os seus críticos dizem que – imagine-se! – é demasiado bela, demasiado perfeita. Mas nem sempre foi assim.
O século XVII trouxe-lhe um golpe fatal: a Paz dos Pirenéus, que consolida de vez a anexação pela França da zona do Roussillon, afastando para longe dali os problemas da fronteira espanhola. Quase desabitada, a cidade vai caindo na ruína, enquanto a parte de baixo prospera e cresce, às vezes à custa das pedras da Cité. No início do século XIX, a bela catedral de Saint-Nazaire perde o título a favor de Saint-Michel, na cidade-baixa.
A velha Carcassonne vai-se transformando na pedreira da região, e o ministério da guerra chega mesmo a autorizar a demolição e aproveitamento das muralhas. Merimée, escritor parisiense e inspector dos monumentos históricos, conhece a cidade e interfere a seu favor.
Ao arquitecto Viollet-le-Duc, especialista na restauração de monumentos medievais, é entregue o trabalho da sua reconstrução que lhe vai levar cerca de trinta e cinco anos. Cerca de trinta por cento da cidade vai sofrer intervenção e restauro durante esta época, mas os seus habitantes continuam a decrescer em número, preferindo os confortos da Bastide. Em 1955, só cerca de oitocentas pessoas habitam intramuros e hoje, parte da centena de “resistentes” que aí se fixaram é estrangeira.
O destino de Carcassonne está traçado: será para sempre uma obra de arte inegável, e uma das maiores atracções turísticas do país. A reconstrução fixou-a para sempre na Idade Média, apesar da cidade ter atravessado muitas outras épocas. E é, talvez, esta operação de “congelamento” temporal o que lhe empresta toda a magia de cenário perfeito, que nos faz mergulhar profundamente num passado distante.
Guia de viagens a Carcassonne
Este é um guia prático para viagens a Carcassonne, em França, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar e sugestões de actividades na região.
Localização geográfica
Carcassonne situa-se no sul de França, a curta distância da cidade de Bézier, não sendo necessário pernoitar no local.
Como chegar
Compare preços de voos para o sul de França abaixo.
Onde ficar
Pode escolher, entre outros, o Hotel Mercure Carcassonne, a dois passos da cidade e com uma vista extraordinária sobre a mesma, com quartos a parir de 85 euros. Ou, por exemplo, o Residhotel Le Clos de la Cité, com quartos desde 50 euros.
Pesquisar hotéis em Carcassonne
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.