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Vivendo no Subsolo, em Coober Pedy (VM #46)

Por Filipe Morato Gomes

Viagens: Coober Pedy, Austrália - Volta ao Mundo

Vivo temporariamente em Coober Pedy, Austrália, um lugar onde a maioria da população habita no subsolo e de onde é extraída a quase totalidade da produção mundial de opalas. E delicio-me com excelentes tintos Shiraz e Cabernet Sauvignon nas afamadas regiões vitivinícolas a norte de Adelaide.

A viagem pelas inóspitas planícies do centro da Austrália prosseguiu rumo à povoação mineira de Coober Pedy, setecentos quilómetros a sul de Alice Springs. Coober Pedy tem fama de pouco acolhedora. Não há saloons, cowboys nem xerifes, mas o ambiente lembra a agrura do oeste americano de outrora. É um lugar para homens ditos de barba rija, que para lá se dirigiram em busca de fortuna. Apesar da reduzida dimensão, nacionais de quase cinquenta países habitam em Coober Pedy. “É um lugar de doidos; se ficares lá mais do que uma noite, só podes ser maluco”, disse-me, à partida, um habitante de Alice Springs.

Casa subterrânea, Coober Pedy
Pequena biblioteca no interior de uma casa subterrânea, Coober Pedy

Coober Pedy não é, de facto, um lugar hospitaleiro. Num raio de vários quilómetros em redor da povoação, no centro da localidade – em todo o lado -, centenas de buracos e montes de terra separados por poucos metros confirmavam claramente a razão por que tanta gente ali acorreu. A extracção de opalas, uma pedra preciosa apreciada do Oriente às Américas. A Austrália orgulha-se de extrair cerca de 97% da produção de opalas de todo o mundo e Coober Pedy é o expoente máximo dessa abundância.

Mas o que me levou a Coober Pedy foi um outro facto muito mais curioso. Nunca tinha estado noutro lugar onde grande parte do dia-a-dia fosse vivido no subsolo. Admite-se, aliás, que o nome da localidade derive das palavras “kupa piti” que, na linguagem indígena local, significam “homem branco num buraco”. Faz sentido. Em Coober Pedy, a maioria dos habitantes vive debaixo de terra, em habitações escavadas no subsolo. E tal facto não tem nada a ver com minas e mineiros. A razão para tão insólitas construções é puramente climatérica. Lá fora, as noites de Inverno são gélidas e, durante o Verão, os termómetros ultrapassam facilmente os 50°C. Nas casas subterrâneas, ao invés, as temperaturas mantêm-se estáveis e agradáveis – oscilando entre os 20 e os 25°C -, seja qual for a temperatura exterior. Ao contrário do ambiente da cidade, o interior das habitações era acolhedor. As paredes de pedra davam-lhes um ar rústico e o mobiliário era simples mas agradável. Havia museus, lojas de venda de opalas, salas de projecção de filmes, bares com bom vinho australiano, mesas de bilhar e pistas de dança, tudo subterrâneo. Um encanto.

Glendambo, entre Coober Pedy e Adelaide
Placa à entrada da povoação de Glendambo, entre Coober Pedy e Adelaide. O número dois milhões deverá pecar por defeito…

Deliciado com o corpo dos tintos Shiraz australianos bebidos nos bares de Coober Pedy e, anteriormente, em muitos outros países por onde passei, foi precisamente ao encontro dos produtores dessa e de outras populares castas que prossegui viagem em direcção aos vales vitícolas que circundam Adelaide: Barossa, Clare e McLaren. De permeio, tempo apenas para umas breves paragens na minúscula Glendambo e no salgado Lago Hart. À chegada a Glendambo, um caricato letreiro dava as boas-vindas aos visitantes anunciando a população da localidade: “Ovelhas: 22.500; moscas: 2.000.000, aproximadamente; humanos: 30”. Excelente sentido de humor, num local onde muitos dariam tudo por uma máscara de rede para protecção contra os irritantes insectos. O centro da Austrália está pejado de excentricidades como esta.

Quando por fim cheguei à povoação de Clare, era dia de um acontecimento importante. Corria o último dia do fim-de-semana gastronómico local, um evento de periodicidade anual. Os habitantes transportavam um copo pendurado ao pescoço, como um crachá de um qualquer congresso, adquirido a troco de aproximadamente quinze euros. Os vitivinicultores do Vale Clare abriam as portas das suas adegas e aqueles copos permitiam aos seus portadores beber durante todo o dia nas adegas locais. O vinho era o indiscutível rei do fim-de-semana, numa região mundialmente famosa pela qualidade dos néctares ali produzidos. Shiraz, Cabernet Sauvignon (carinhosamente abreviado para cab), um ou outro Merlot, vários vinhos espumantes, reservas e vinhos correntes, de tudo um pouco era possível provar. Os habitantes de Clare andavam eufóricos, de faces rosadas, vestidos impecavelmente como para um importante acontecimento social. Alugavam limusinas ou táxis para serem conduzidos de forma segura, de adega em adega, durante todo o dia.

Por momentos, o meu olhar deteve-se num anúncio publicitário colocado nas traseiras de um desses táxis. Tinha uma garrafa de vinho tinto e a seguinte inscrição: “share a cab with friends”. Fabuloso. Era exactamente isso que faziam os habitantes de Clare, no duplo sentido da expressão.

Livro Alma de ViajanteEsta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

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Comentários sobre “Vivendo no subsolo, em Coober Pedy”

Olá casalito,

Regressada de uns diazitos na Corunha – enfim, não será o Chile mas já não foi mau… -, aproveito para voltar a passar por cá e a parar para desejar mais uma fabulosa lua-de-mel.
Estou na minha época do ano favorita, aquela em que passo mais de metade do dia a pensar em destinos de férias. Aceito sugestões tuas, Filipe, mas aí para uma média de 18 dias (contingências familiares obrigam-me a ter de cancelar as minhas segundas férias de mês inteiro).
Acabei há uns tempos de ler o segundo volume do Milenio Carvalho, do Manuel Vázquez Montalban, e foi uma palermice não ter obrigado a Luísa a levar os dois volumes (se bem que o peso…). É uma volta ao mundo que começa em Espanha e acaba em França, com o Médio Oriente, o Afeganistão, a Índia, a Tailândia, a Malásia, a Indonésia, a Argentina, o Brasil, o Mali e Marrocos pelo meio. A parte que achei mais espectacular foi mesmo a dos glaciares argentinos. Posso pedir um postal? Em troca depois empresto-vos os livros, se estiverem interessados. Abraços grandes.

Enviado por Inês em 09.JUN.2005 – 13:18

Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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