Costa da Morte, a costa do Norte

Por António Sá e Ana Pedrosa
Enseada de Sardineiro, Costa da Morte
Enseada de Sardineiro, Costa da Morte

Apesar do trágico nome, a Costa da Morte é um dos pedaços de litoral mais bonitos de toda a Península Ibérica. Da agreste Malpica ao porto de abrigo de Muros, na Galiza, o relato de um percurso estival com algum sabor a inverno.

Malpica e o bonito litoral da Galiza

O vento varria as ruelas acanhadas com uma violência inesperada. Parecia perseguir-nos, dobrando as esquinas, insinuando-se nas vielas, contrariando-nos os passos enquanto descíamos por uma escadaria à procura de abrigo.

O primeiro sítio que encontrámos, um cafezito virado ao porto, foi recebido com uma alegria desmedida. Não era especialmente acolhedor mas através das largas janelas via-se o mar agitado e os barcos de pesca resguardados atrás do molhe, sobrevoados por uma nuvem inquieta de gaivotas. E ali estávamos a salvo da ventania.

Santiago de Traba, em Laxe, Corunha
Praia de Santiago de Traba, em Laxe, Corunha

No interior, a atmosfera condizia na perfeição com a paisagem, revelando, através do espesso fumo de cigarros, velhos lobos do mar de caras curtidas e morenas, a jogar cartas com a indiferença de quem já passou por muito pior, e sabe que na terra onde nasceu o tempo ameno é visitante ocasional.

Início de agosto no noroeste da Galiza e um clima de Novembro, a anunciar o inverno. E eu que ouvira relatos de praias fantásticas e desertas onde seria possível usufruir em sossego o litoral mais selvagem de toda a Península Ibérica.

A verdade é que Malpica de Bergantiños fazia jus ao seu lugar de fronteira da Costa da Morte, que se estende por mais de 100 quilómetros de um litoral que ora se prolonga por cabos e penínsulas abertos à fúria do Atlântico, ora se abriga em rias mansas recortadas por uma miríade de enseadas.

Na rota de navegação entre o Mediterrâneo e os países do Norte europeu, este troço rochoso e agreste acabou por ser testemunha de inúmeros naufrágios cujos trágicos sinais são visíveis em toda a região, seja na forma de cruzes de granito plantadas no alto das falésias ou em lugares como o Cemitério dos Ingleses, junto ao Cabo Vilán, onde descansam os corpos dos 172 tripulantes do navio “Serpent”, naufragado em 1896.

Praia de Leis, Costa da morte
Praia de Leis, Costa da Morte

Deixámos Malpica entregue ao vento, aos surfistas da Praia Maior e aos milhares de aves marinhas que nidificam nas três ilhas Sisargas, e partimos para sul por estradas secundárias rente ao mar. Acabámos por desaguar junto a um parque de campismo com bungalows para alugar e uma magnífica praia de uso quase exclusivo.

Abrigada na ria de Camariñas, Leis esconde-se atrás de um pequeno bosque de pinheiros cujos ramos acabam muitas vezes por servir de improvisado guarda-sol. É um belo pedaço de natureza com águas azul-turquesa, fina areia branca, um mar pacífico e glacial, que afugenta a maior parte dos turistas. Fosse outra a temperatura e a Galiza estaria a rivalizar com costas mais cálidas, mas muito menos aliciantes.

Assim, enquanto as multidões se acotovelam na borda de oceanos mornos, temos a garantia de ter estes lugares praticamente só para nós. Ainda por cima, nuestros hermanos têm horários tão diferentes dos nossos que quando chegam, ao final da manhã, já estamos de partida. Assim não há testemunhas dos meus esforços patéticos para molhar o corpo: minutos intermináveis a ganhar coragem para um único mergulho, numa espécie de sacrifício kamikaze.

Porém, de quando em vez há dias excecionais em que a natureza se compadece, desviando para aqui uma corrente mais quente. São dias assim que nos devolvem a garantia de não haver, tão perto de casa, sítio melhor para passar férias estivais.

Até porque há sempre uma esplanada pronta a servir uma refeição ligeira. Pede-se uma simples salada mista e ela surge acompanhada com espargos, atum, ovos cozidos, azeitonas. Experimentam-se os saborosos pimentos de Padrón (unos picán, otros nón) acompanhados por uma cerveja fresca e pedaços de polvo regados com azeite. Tudo isto em português, que os galegos levam a mal se nos expressarmos em castelhano.

Fisterra, Galiza
Finisterra, Galiza

Embora nem sempre seja agradável descobrir a semelhança entre os países ibéricos. Às vezes têm-se uma sensação de triste dejá-vu quando se passam as aldeias desfiguradas pela mesma arquitetura hiperbólica, com detalhes pensados por quem andou por fora e importou ideias desadequadas a estas latitudes.

Salvam-se as estradas rurais para nos resgatar a alegria de reconhecer o Minho a prolongar-se em terra alheia: muros baixos a dividir campos viçosos, videiras prenhes de cachos, vacas em ruminares preguiçosos, numa pacatez sem pátria.

Prosseguimos rumo ao antigo fim do mundo. Considerado durante muito tempo o ponto mais ocidental da Europa, o Cabo Finisterra, enredado em brumas constantes, foi palco de lendas e mitos, visitado por fenícios que ali ergueram o Aras Soli – altar onde se rendia culto ao Sol – e morada dos celtas Nerios. Um farol centenário coroa esta longa península agreste, batida pelos ventos e por vagas assanhadas, que é, ainda hoje, o destino final de muitos que percorrem o Caminho de Santiago.

Ria de Corcubión e praia de Carnota

A partir daqui a geografia adoça. As baías banhadas pelas águas mansas da Ria de Corcubión são sonhos feitos à medida de cada um. Ali uma praia de acesso íngreme, acolá uma larga enseada polvilhada de botes coloridos, ao lado uma linda calheta com rochedos onde as tardes são passadas à procura de ouriços ou estrelas-do-mar.

Ria de Corcubión, Costa da Morte
Ria de Corcubión, Costa da Morte

A praia de Carnota, então, é irresistível – um longo arco, com oito quilómetros de extensão, de areia imaculada e águas pouco profundas rodeado por dunas de delicada vegetação. Na extremidade norte, junto a Caldebarcos, há velhos armazéns de pescadores e a foz de um ribeiro cristalino, lugar predileto de famílias com crianças.

Ao final da tarde descobrimos em Carnota, a aldeia, o enorme espigueiro construído na horta da igreja paroquial. Declarado Monumento Nacional, o célebre cabazo do século XVIII com 34 metros de comprido está assente sobre 11 pares de colunas. Em toda a Galiza, onde estes canastros graníticos são comuns, só o de Araño lhe leva a palma como o maior da província.

Prosseguimos pelo litoral, acompanhados pelas encostas do Monte Pindo que vêm morrer nos pinhais junto ao mar, até descortinar a Punta Carreiro, término oficial da Costa da Morte.

Logo depois Muros recebe-nos com o seu ambiente alegre, esplanadas à beira-ria desfrutando do clima mais suave da região, e a azáfama do porto onde chegam barcos de pesca e embarcações de recreio.

Praia Carnota, na Costa da morte
Praia Carnota, na Costa da Morte

Ao longo da estrada marginal ficam as moradias assentes sobre arcadas – restos da antiga povoação muralhada que lhe deu o nome – com varandas envidraçadas, típicas da região, que ao fim da tarde refletem as cores do sol posto.

Debaixo desses arcos abrigam-se os cafés mais bonitos e as montras de pastelarias a exibir manjares de fazer crescer água na boca. Atrás ficam as vielas sombrias de traçado medieval que se abrem para praças onde há sempre uma igreja ou uma capela: dos treze edifícios de interesse que levaram à catalogação de Muros como conjunto histórico-artístico, doze são construções religiosas.

O vento de Malpica há muito tinha sido esquecido. Depois da viagem rumo a sul, dele restava apenas uma leve brisa marítima a acariciar os cabelos, um tom mais moreno na pele e a certeza de que esta, sim, são as minhas praias.

Guia de viagens à Costa da Morte

Este é um guia prático para viagens pela Costa da Morte, na Galiza, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.

Como ir

A partir de Valença siga pela AP-9, passando por Vigo e Santiago de Compostela até perto da Corunha. Tome a saída 16 em direção a Arteixo e depois prossiga para Carballo/Malpica. A partir daí há várias estradas que seguem junto à costa.

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Onde ficar

Quem gosta de acampar encontra uma vasta oferta ao longo de todo o litoral, do parque de campismo Barreira Leis, em Muxia, ao Ancoradoiro, a 4 kms de Muros. Não faltam também as pequenas pensões, de preços acessíveis, como o Prouso, em Carnota.

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Gastronomia

Naturalmente, o pescado está presente na maior parte das ementas, seja na forma de sopas, peixes grelhados, caldeiradas condimentadas ou, na barra dos mésons, em tapas que variam entre os carapaus de escabeche e diversos tipos de mariscos, como os lagostins, navalheiras e santolas. As populares percebas acompanhadas por uma cerveja fresquinha são um dos petiscos mais apreciados para finalizar uma bela tarde estival em qualquer esplanada junto à praia. Prove também o polvo à galega, servido com um molho de azeite e colorau, as empanadas com diversos recheios e os pimentos de Padrón.

Património no Caminho de Santiago

Catedral de Santa Maria
Obra românica e gótica dos séculos XVI – XVII, foi construída de acordo com o modelo de Compostela e, embora muito mais pequena, consegue ser igualmente imponente, com as suas torres acasteladas. Na Praça de San Fernando, em Tui.

Santuário da Virgem Peregrina
Original igreja barroca em forma de vieira com altares neoclássicos, bem no centro da cidade antiga, a curta distância da bela Praza do Teucro. Em Pontevedra, na Praça de A Peregrina.

Pontes Romanas e Medievais
São várias durante todo o caminho. Duas das mais fáceis de alcançar são a Ponte das Febres, ou de San Telmo, a dois passos de Tui (seguir as vieiras) e a pontella, à saída de A Ponte Nova. Ambas ficam dentro de bosques sombrios e agradáveis e são testemunho da antiguidade da peregrinação.

Artesanato

Em Buño, perto de Malpica, procure nas diversas olarias e lojas de artesanato as bonitas peças de cerâmica, elaboradas segundo técnicas muito antigas que tornaram famosos os artífices locais. De Camariñas traga as delicadas rendas de Bilros, atividade a que se dedica grande parte das mulheres da vila.

Sugestão: terminar o Caminho de Santiago

Desde os finais da Idade Média que muitos peregrinos, uma vez chegados a Santiago de Compostela, continuam até ao antigo fim do mundo, aproveitando para venerar as relíquias de S. Guillermo e outros lugares de culto. O caminho até Finis Terrae cruza em linha oblíqua as terras interiores até atingir a ria de Corcubión, primeiro encontro com o mar.

Na vila de Finisterra, é obrigatória a visita à igreja de Santa Maria das Areas e o adjacente cruzeiro gótico (século XV), de onde se alcança um excelente panorama sobre a praia e o porto. Depois não perca o pôr-do-sol no promontório, um magnífico espetáculo que impressionava os antigos. Em Muxía vale a pena ver o Santuário da Senhora da Barca, construído junto ao mar. O regresso a Santiago faz-se por Muros e Noia, vilas que antigamente estavam dependentes da Mitra Compostelana.

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António Sá e Ana Pedrosa

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