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Cruzeiro Azul

Por António Sá e Ana Pedrosa
Cruzeiro Azul, Fethiye
Cruzeiro Azul, Fethiye

Na costa sul da Turquia, chamam-lhe Cruzeiro Azul, devido à cor turquesa das águas onde se navega entre enseadas isoladas e fascinantes ruínas, testemunhas de tempos gloriosos. Relato de três dias a bordo de um veleiro de madeira, vividos por quem tem pavor de grandes espaços oceânicos.

Cruzeiro nas águas da Turquia

O relógio marca seis horas em ponto quando a claridade matinal entra pelas duas vigias, iluminando tenuemente a pequena cabina forrada a madeira. Já sem sono, subo ao convés a tempo de ver o sol espreitar atrás dos montes Tauro, semi-encobertos pela bruma. Do alto dos pinheiros chega o chilrear alegre de avezitas atarefadas, cujo esvoaçar é o único movimento visível: não há sequer uma leve brisa a agitar as folhas mais frágeis e as águas do Mediterrâneo estão imóveis como um espelho.

Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo
Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo

O som familiar de um corpo a mergulhar algumas enseadas adiante avisa-me que já alguém se antecipou aos meus desejos. Desço então pelas escadas exteriores e entro num mar surpreendentemente morno e cristalino, descobrindo que certas realidades ultrapassam largamente os sonhos.

O meu, antigo, realizava-se finalmente: fazer uma viagem num veleiro ao longo da costa sul da Turquia. A navegação possível para quem tem pavor de grandes espaços oceânicos, se mareia à menor ondulação e não imagina passar um dia sequer com centenas de desconhecidos a bordo de um gigantesco love boat.

Aqui não passam cidades flutuantes, apenas bonitos gulets, tradicionais barcos de transporte e pesca originários da região de Bodrum, agora transformados para albergar turistas. O que se perde em glamour e luxo ganha-se em encanto e em tranquilidade incomparável.

Zarpar de Fethiye para um cruzeiro no Mediterrâneo

A viagem tinha começado em Fethiye, uma pequena cidade cujo porto natural dá abrigo a centenas de embarcações de recreio e pesca. Hoje está rendida ao turismo como facilmente se depreende face ao número de esplanadas, hotéis, bancos e agências de viagens.

Embora, em 1958 um terramoto tenha reduzido a maior parte da cidade a escombros, ainda é possível observar algumas das típicas habitações com alpendres em madeira na zona antiga de Paspatur, onde se concentra a maior parte dos restaurantes, de mesas postas à sombra de buganvílias, e lojas de artesanato que expõem, diante das portas escancaradas, uma enorme variedade de tapetes, almofadas e outras coloridas recordações.

A área conserva ainda um certo encanto, acrescido pela natural simpatia dos turcos: a oferta de um Ada Çay (infusão de salva, uma das especialidades locais) é apenas mostra de hospitalidade e não implica que a seguir nos seja exposta toda a variedade de kilims da loja.

Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo
Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo

Felizmente, o sismo não provocou danos irreparáveis nos vários monumentos de diversas épocas que abundam na cidade. A antiga Telmessos era já em 1.500 a.C. um burgo independente, fazendo mais tarde parte da Lícia, antiga região que se estendia ao longo da costa mediterrânica, entre as atuais Köycegiz, a Oeste, e Antalya, a Leste. Da origem dos lícios pouco se sabe a não ser que eram uma sociedade matriarcal e viviam em cidades-estado. Homero foi o primeiro a mencionar a sua existência, na Ilíada. Alvo de constantes ataques e conquistas pelos persas e atenienses, a área foi integrada no reino de Alexandre Magno em 334 a.C. Invadidos depois pelos egípcios ptolomeus, romanos e habitantes de Rodes, os lícios acabam por abandonar a sua língua a favor do grego. No ano 44 da nossa era a União Lícia fica sob o controlo do império romano e nunca mais volta a ser independente.

Para a posterioridade, e nosso deleite, deixaram inúmeros sarcófagos de pedra e túmulos espantosos escavados na colina calcária que domina a parte antiga. O mais importante, cuja fachada lembra a de um templo, data de 450 a.C. e é dedicado ao príncipe Amyntas.

Mas a riqueza monumental de Fethiye não se queda por aqui: junto ao porto, recentes escavações arqueológicas puseram a descoberto um anfiteatro romano e ainda subsistem ruínas de uma fortaleza do tempo das Cruzadas, construída sobre antigas fortificações gregas, romanas e bizantinas.

O preço combinado para o cruzeiro de três dias incluía tudo exceto bebidas, e o nosso dia começou nos corredores de um supermercado em busca de água mineral, alguns sumos e cervejas. Em breve estávamos dentro do “Pinar 3” a arrumar as mochilas no armário da cabina. Apesar de exígua tinha o necessário para uma estadia confortável: casa de banho com duche de água quente, uma cama larga e um armário embutido. De resto, além das imprescindíveis horas de sono, seria muito pouco o tempo aí passado.

Logo que a embarcação abandona a marina repleta de gulets, mais ou menos luxuosos mas igualmente encantadores, Seyhan, o capitão, faz uma pequena reunião no convés para mostrar no mapa náutico a rota que vamos seguir. Connosco estão outros dezasseis viajantes, todos de língua inglesa – australianos, neozelandeses, ingleses, canadianos e um sul-africano -, e mais dois tripulantes além do capitão e da sua mulher, que trata das refeições.

Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo
Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo

Apesar dos dois mastros, as velas estão recolhidas porque a ausência de vento não permite velejar; e assim deslizamos suavemente, com a ajuda do motor, ao longo de uma península com casas enfeitadas por buganvílias, encaixadas no meio de um pinhal.

Cada um reserva para si o espaço onde possa observar melhor a costa que se afasta, deixando para trás povoações brancas e montanhas distantes com os cumes ainda cobertos de neve.

A baía de Fethiye tem doze ilhas e várias penínsulas recortadas por uma miríade de enseadas, que atuam como um gigantesco tapa-vento natural. A ondulação praticamente inexistente e o horizonte de colinas arborizadas dão a sensação de navegarmos numa imensa lagoa de águas azul-turquesa.

A primeira paragem faz-se em Yassicalar (Ilha Plana, nome que a descreve na perfeição) junto a uma praia de areia castanha. A maioria nem sequer espera pela colocação das escadas para se lançar em mar tão convidativo. Ouvem-se gritos de satisfação e comentários sobre a tepidez da água.

Vida a bordo de um veleiro

Após um almoço leve voltámos a levantar âncora. O calor da tarde, o suave balançar do barco e uma música agradável convidam a uma ligeira sesta sob o toldo da popa. Mas há quem não queira perder pitada do sol e se deite nas almofadas, cadeiras ou redes da proa, para levar para casa um bronzeado de fazer inveja aos amigos.

A embarcação, não sendo grande, tem espaço suficiente para que cada um tenha a sua paz. Além das 10 cabinas para os viajantes e as da tripulação, há uma pequena cozinha e uma salinha com livros, revistas e uma coleção de fotos enviadas por quem aqui passou bons momentos. O pessoal de bordo é de uma gentileza discreta mas solícita, atendendo prontamente aos pedidos de café dos que preferem manter-se acordados para saborear a paisagem.

Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo
Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo

As ilhas estão cobertas por pinheiros e vegetação tipicamente mediterrânica mas junto à margem há alguns olivais, cuidados por pescadores que chegam aqui em barcos coloridos. São deles também as cabras empoleiradas no alto das falésias em poses de acrobata.

Ao fim da tarde parámos em Sarsala Koyu, uma baía lindíssima onde passaremos a primeira noite. Novamente tenho a impressão de estar cercada por um imenso anel verde, tal a quantidade de ilhas e braços de península que nos rodeiam. Desta vez levo para dentro de água a máscara e as barbatanas para poder ver de perto os cardumes de peixes prateados, as estrelas-do-mar e os corais de várias cores. Os mais afoitos escalam a parede rochosa para poder saltar cada vez mais alto e há até quem tente a sorte na pesca. O dia acaba quase sem darmos por isso, acendendo no céu uma lua gigantesca.

O abundante pequeno-almoço era a segunda melhor forma de começar o dia, depois dos mergulhos matinais. O tempo de navegação não excedia as quatro horas diárias e dali a nada estávamos ancorados de novo, junto aos Kleopatra Hamam, famosos por alegadamente terem sido erguidos na altura de uma visita à região da última rainha do Egito, amante de banhos requintados. Da fonte termal ali existente brotam águas de excelentes propriedades para a beleza da pele. Na realidade a construção é bizantina – logo, muito posterior à dona do mais célebre nariz da História – mas os locais gostam de manter a lenda viva e, na verdade, o cenário é digno de lendas. Além das ruínas, hoje imersas, há um cafezito de ar abandonado de onde parte um cais de tábuas instáveis, ramos a pender languidamente sobre um azul inclassificável e um pequeno pomar habitado por estranhos lagartos.

Para os amantes de emoções fortes havia ainda outra surpresa reservada: a possibilidade de fazer esqui aquático. Apesar das quedas e algumas contusões provocadas nos iniciados, quase todos experimentaram o desporto, antes de sairmos para mar aberto à descoberta de mais um pedaço do litoral.

Lagoas e lugares históricos

Entretanto deixámos o abrigo da baía e seguimos para mar aberto, rumo a outras paisagens. No litoral tortuoso escondem-se angras isoladas e os destroços do Mosteiro de Af Kule, alcandorado numa arriba escarpada.

Mais adiante a ilha de S. Nicolau testemunha a importância histórica do Mediterrâneo, navegado desde a Antiguidade por mercadores e romeiros. Outrora foi um grande complexo religioso com quatro igrejas, necrópoles e centros de receção dos peregrinos em viagem rumo à Terra Santa, vindos de Itália e de outros países do ocidente mediterrânico. Aya Nikola Gemiler tornou-se numa área residencial durante o início do período bizantino e algumas fontes medievais afirmam que o santo protetor das crianças passou por lá, ou ali viveu durante algum tempo, o que explicaria a sua importância na época.

Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo
Cruzeiro Azul, a partir de Fethiye, no Mediterrâneo

Abandonado há cerca de treze séculos, o conjunto não passa hoje de um amontoado de destroços, habitados por cabras, cobras, plantas trepadeiras e velhas oliveiras, mas ainda hoje é possível imaginar o antigo esplendor, patente nos frescos das paredes intactas da basílica, nos mosaicos do chão, no extenso corredor abobadado que liga duas igrejas, nos destroços de habitações e cais de pedra que ocupam um território com menos de um quilómetro quadrado.

Nessa noite ficámos num estreito canal entre a ilha e a costa, abrigados do vento entretanto levantado. Do restaurante da praia em frente chegavam vozes melancólicas e ligeiramente ébrias misturadas com os acordes de uma baglama. As canções, acompanhadas ou não pelo tradicional instrumento de cordas, são um acontecimento usual quando um grupo de turcos se junta para jantar, depois de vários copos de raki – uma bebida alcoólica levemente anisada muito popular entre os que não seguem estritamente as regras do Islão.

Na manhã seguinte aguardava-nos Olüdeniz e a sua idílica lagoa natural, separada do mar por uma extensa língua de areia. Diz quem conheceu o lugar há vinte anos, que era o paraíso na terra. A beleza da praia continua intacta apesar das dezenas de hotéis que cresceram no vale acanhado e o transformaram numa das mais conhecidas estâncias turísticas do país.

Felizmente não foram erguidas torres e alguns resorts até conseguem passar despercebidos no meio do arvoredo. A mansa laguna que dá o nome ao local (Olüdeniz significa Mar Morto) é também alvo de proteção especial, sendo proibida a entrada de qualquer tipo de embarcação. Assim, limitamo-nos a passear sobre os seixos brancos olhando o céu de vez em quando, para admirar as acrobacias dos ases do parapente. Lançam-se da montanha de Badadag, 1.700 metros de rocha que se erguem junto à costa, e ficam a pairar no ar como arco-íris.

No regresso aguarda-nos ainda uma paragem já perto do porto, junto a uma baía onde famílias locais fazem piqueniques e há um barco animado por quatro jovens turcas dançando o hit do momento. Últimas braçadas, apanhar as nossas coisas espalhadas pelo convés, trocar endereços e deixar no diário de bordo uma promessa. Um regresso, agora que o balanço marítimo já não me assusta.

Guia de viagens no Cruzeiro Azul, Turquia

Este é um guia prático para viagens no Cruzeiro Azul, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região de Fethiye, no litoral sul da Turquia.

Clima

A costa sul da Turquia goza de uma média de 300 dias de sol por ano. Para combinar um clima agradável e uma relativa afluência de turistas os melhores meses para empreender esta viagem são junho e setembro. Julho e agosto são, naturalmente, os meses mais quentes e frequentados. Em maio e outubro as temperaturas são ainda amenas e dificilmente terá de partilhar as praias e enseadas.

Como chegar a Fethiye

A partir de Istambul pode voar para o aeroporto de Dalaman, a 50 quilómetros de Fethiye. Aí poderá apanhar um táxi ou os autocarros frequentes que ligam as duas cidades. Para reduzir os custos tem ainda a opção de viajar de autocarro entre Istambul e Fethiye, num percurso de 980 quilómetros que dura cerca de 12 horas. Os autocarros são confortáveis, têm serviço de bordo e fazem várias paragens durante o percurso. Recomendam-se as empresas Kamil Koç ou Pamukkale.

Onde ficar em Fethiye

Antes ou depois do cruzeiro, é natural que precise de alojamento e, nesse caso, Fethiye é a melhor opção. Dispõe de uma infinidade de possibilidades de alojamento, de guesthouses para mochieiros a hotéis de luxo. Pesquise abaixo alguns dos mais recomendados hotéis de Fethiye.

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Cruzeiros no Mediterrâneo

Na costa sul da Turquia, dificilmente alguém deixará de encontrar cruzeiros à sua medida. As opções são alargadas e variam entre o número de dias (de curtas viagens de um dia até extensos percursos de duas semanas) e os diversos portos de saída, sendo os mais conhecidos Bodrum, Marmaris, Göcek, Fethiye, Kas, Kemer, Olympos e Antalya. Nesta escolha convém ter presente os interesses de cada um. Pelo equilíbrio entre as paragens em baías recatas e visitas a locais históricos, recomendam-se os cruzeiros que partem de Fethiye, Marmaris e o circuito Bodrum – Golfo de Gökova – Bodrum, este último uma rota muito popular. As partidas de Antalya são sobretudo aconselháveis aos amantes de História e vestígios antigos, já que nessa região a costa não é tão recortada.

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Mais informações

É importante não esquecer que em muitas rotas de cruzeiro, uma vez saído do porto, não voltará a ter oportunidade de se reabastecer. Assim, ao fazer a mala, não se esqueça do chapéu, óculos de sol, calçado desportivo, para as visitas entre as ruínas, e de um protetor solar de índice elevado – nos meses de verão as temperaturas sobem frequentemente acima dos 40º. Como vestuário leve o mínimo indispensável. Entretanto, certifique-se se no preço estão ou não incluídas as bebidas, o uso de máscaras e barbatanas de mergulho e demais equipamento de desportos náuticos.

É necessário visto para entrar na Turquia. Pode obtê-lo na Embaixada da Turquia em Lisboa (Av. das Descobertas 22; Tel.: 213 003 110) ou à chegada, nos aeroportos ou fronteiras terrestres.

O portal oficial do Turismo da Turquia oferece informação atualizada sobre os principais pontos turísticos do país, incluindo, naturalmente, sobre os cruzeiros no Mediterrâneo.

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António Sá e Ana Pedrosa