Chego a Cuzco, Peru, na época mais agitada do calendário local. Celebrava-se o Inti Raymi, uma alegre homenagem ao criador de todas as coisas para a civilização Inca: o Sol. Visito ainda as impressionantes ruínas de Machu Picchu, um local sagrado e um dos últimos refúgios Inca. Uma semana memorável.
Uma semana de desfiles contínuos até ao dia da grandiosa encenação. Uma cidade inteira nas ruas, em festa permanente. Um povo orgulhoso da sua identidade. E, no final, uma teatralização com centenas de figurantes envergando vestes esplendorosas, copiadas do período Inca. Eis os condimentos para o Inti Raymi, a maior celebração popular da cidade peruana de Cuzco.
Cheguei a Cuzco nos primeiros dias das festividades. Respirava-se alegria nas ruas da cidade, como em dia de Cortejo numa Queima das Fitas portuguesa. O ponto fulcral dos desfiles ficava situado na Hauqaypata, a belíssima praça central de Cuzco agora conhecida por Praça das Armas. Era o local onde as diversas delegações apresentavam as suas coreografias, perante uma plateia de ilustres personalidades, que todos cumprimentavam com reverência. Dançavam ao som de músicas populares. Cantavam e tocavam. Ou apresentavam curtas cenas teatrais. Com recurso a carros alegóricos ou simplesmente caminhando. Uns, visivelmente ensaiados. Outros, em animados improvisos. Tudo era muito colorido, com enorme bom gosto. Dava prazer sentar na berma do passeio e, simplesmente, apreciar.
Viam-se delegações de todos os tamanhos e estratos sociais. Enormes grupos provenientes dos diferentes cursos universitários, jovens de colégios e agremiações infantis. Representantes da Unicef e escolas de dança. Pequenas delegações ministeriais e trabalhadores de empresas de transportes, telecomunicações e demais ramos de actividade. Todos os sectores da comunidade desfilavam pelas ruas empedradas da cidade. Era impressionante ver a mobilização colectiva da população cusqueña.
Entre a multidão, viam-se também muitos turistas estrangeiros, mas não creio que estivessem ali pelo Inti Raymi. Cuzco é um dos lugares mais visitados de toda América do Sul e esse facto tem uma justificação muito simples. É a partir de lá que se organizam as incursões à majestosa “cidade perdida” da civilização Inca, Machu Picchu.
Para chegar ao solo sagrado de Machu Picchu, há quem efectue caminhadas incrivelmente duras pelas trilhas deixadas pelo Império Inca. “Pensei que ia morrer”, comentou um viajante, com algum exagero, a propósito da caminhada. São três dias de grande esforço, quase sempre a subir. Mas há também quem se deixe levar por um comboio até Aguas Calientes e daí ascenda a Machu Picchu de autocarro.
Indaguei as hipóteses. Não havia lugar para a famosa trilha Inca e, em todo o caso, não queria perder o clímax do Inti Raymi, marcado para daí a três dias. “Se quiser voltar a tempo só temos bilhetes em primeira classe”, informaram-me na apinhada estação de caminho-de-ferro. Resignado, paguei o preço de um bilhete de luxo. Iria a Machu Picchu da forma menos emocionante, mas voltaria a tempo de assistir ao auge das celebrações.
As imagens das ruínas de uma cidade Inca rodeada por pináculos esguios, num misto de verde e cinza, vegetação e pedra, são por demais conhecidas de todos. Por tudo ser tão familiar, estava preparado para a desilusão. Enganei-me. A entrada era feita por um local onde, após uns quantos degraus, se avistava Machu Picchu de um ponto de vista superior. Dei por mim completamente rendido, imóvel, perante a magnificência do que os meus olhos observavam. Machu Picchu é um lugar arrebatador, mágico, impressionante. Com um senão, apenas: a média diária de visitantes é assustadora. Consta, aliás, que o monte onde Machu Picchu foi erigida corre o risco de um colapso. E não creio que a massiva presença de turistas ajude a evitar o que parece ser inevitável. Talvez em breve deixe de ser possível visitar tão inolvidável local.
Regressei a Cuzco – a cidade que os Incas construíram com a forma de um puma – a tempo da celebração final do Inti Raymi. Fotografava o desfile na Praça das Armas ao lado de Tadeu, um fotógrafo profissional de origem brasileira, quando ele me informou: “Já cá estive noutra ocasião. Temos que ir para Saqsaywaman o quanto antes. Dentro em breve será quase impossível lá chegar.” Assim fizemos. Saqsaywaman são ruínas do período Inca representando a cabeça do tal puma. Era o local onde iria ter lugar o apogeu de toda a semana, daí a um par de horas. Um táxi a preços inflacionados levou-nos até lá.
Um recinto rectangular aguardava os intervenientes na cerimónia final. Havia bancadas em redor, cujos lugares eram vendidos a preços exorbitantes a europeus e americanos. Os peruanos, esses, há muito que se tinham deslocado para a colina exactamente em frente ao recinto. Não se via o solo da colina, apenas corpos, cabeças, um batalhão de gente anónima que procurava um lugar para assistir à cerimónia sem custos. Em redor, enquanto aguardavam, famílias inteiras construíam no solo fornos de terra – como se de toupeiras se tratassem – para assar batatas. Era o que comiam, enquanto outros jogavam futebol, vendiam artesanato, conversavam. Parecia um misto de feira e Festival de Verão. Algo muito social, popular, despretensioso. Não fora os preços da entrada e seria uma autêntica festa do povo, para o povo.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Comentários sobre “Inti Raymi, tributo Inca ao astro-rei”
Machu Picchu é um lugar mítico que tenho o desejo de visitar desde puto… Fico contente por teres ido até lá, deve ser realmente fantástico!
Espero não morrer sem ver esse lugar misterioso onde veneravam o Sol que aparece por detrás das montanhas… espero que não “colapse” antes de eu o visitar :)
Um grande abraço my friend!
Comentário enviado por Daniel (Cristo) em 31.JUL.2005 – 16:55
Ora viva Filipe,
Meu caro, não imaginas as saudades que me deu ver estas tuas imagens e ler a tua crónica. O Imperio Inca é daquelas coisas que nos sufoca pela sua dimensão, pela sua beleza e pela sua exactidão, deixanos a pensar. Julgo que não passarás por Arequipa, adorei essa cidade não pelos monumentos mas sim pelas suas gentes.
Um grande abraço
Comentário enviado por Rui Lucas em 04.AGO.2005 – 09:11
Caro Sr. Lucas, desde quando é que alguma os Incas foram um império?
Cumprimentos
Comentário enviado por Hipólito em 05.AGO.2005 – 09:16
Os Incas? Admiração por bárbaros que arrancavam corações a crianças e prisioneiros? Havia era de ser com vocês a ver se ainda arregalavam os olhos, de pasmo acrítico, perante essas pedras na selva…
Comentário enviado por Carlinhos Verdade em 12.AGO.2005 – 18:46
Embora respeitando todas as opiniões aqui expressas, não creio que a crítica de “pasmo acrítico” seja justa para comigo.
Grande abraço.
Comentário enviado por Filipe Morato Gomes em 20.AGO.2005 – 20:03
Sou um rapaz de 16 anos que estive no Inti Raymi, ao mesmo tempo que o Filipe. Participei numa expedição chamada de Ruta Quetzal BBVA. Uma expedição que há 20 anos pecorre países ibero-americanos. A expedição este ano decorreu no Peru e em Espanha, durante 40 dias, participaram 320 jovens de 52 países de todo o mundo. Estivemos também em Machu Picchu. Foi uma experiência maravilhosa. Este festival é uma festa enorme numa paisagem linda, e Cuzco também é uma cidade maravilhosa.
Um abraço
Comentário enviado por Miguel em 22.AGO.2005 – 21:18
Faço das tuas palavras as nossas, Machu Picchu é isso mesmo e muito mais. É o sonho de criança realizado numa manhã chuvosa, onde não só a chuva molhou o nosso rosto.
Abraço e continuação de boa viagem.
Helder & Pinta
Comentário enviado por Hélder e Pinta em 25.AGO.2005 – 23:21
Só queria dar uma pequena dica ao Sr. Carlos Verdade…
Se estiveres com esse grande espírito sempre cegamente crítico (como te deves intitular a ti mesmo) nunca vais poder viver da mesma maneira, nem olhar para nada da mesma maneira…
Em Portugal, os lucros da escravidão…
Em Espanha, a dizimação “desses póvos bárbaros”…
A “Santa” Inquisição, por toda a Europa, dos teus e meus antepassados e os horrores de torturas a quem pensava diferente…
A Alemanha Názi e o holocausto.
Os japoneses e a forma como matavam chineses como se de cães se tratassem…
As pirâmides do Egito construídas por escravos…
A forma como tribos africanas se dizimam umas às outras…
Queres mais?
Quando vês um monumento, ou vais disfrutar de um sítio numa dessas culturas, tens que perceber que o mundo é tudo menos cor-de-rosa e nem sempre justo ou digno de um lugar no céu…
O lugar não deixa de ser mítico pelas razões que enumeraste, os Incas não deixam de ser um povo também mítico, inteligente e fascinante…
Pasmar acriticamente também é o que tu fizeste em relação ao que mencionaste!
Comentário enviado por Daniel (Cristo) em 30.AGO.2005 – 20:15
Só posso dizer que diante das críticas e falas boquiabertas, lamento viver em sonho desejando ver o imaginável e compartilhar deste presente que a vida reservou a alguns e que através de belos relatos deixam às claras as belezas da doce terra onde meus pés jamais poderão tocar.
Comentário enviado por Euclides Castro em 02.OUT.2005 – 07:42
Hola Sr. Tadeu Bianconi:
Soy tu amigo de Cusco y de tu amigo de Cerapio, me alegra mucho al ver su trabajo y le felicito. Espero que este de vuelta a Peru, para poder estar mas tiempo, y tambien saludos a su esposa y a toda su familia.
Estaremos en contacto por que yo trabajo mucho con Brasileros.
Comentário enviado por Nicolas Soto em 16.DEZ.2005 – 13:09