Entro num mundo de tradições, misticismo, crenças fortes e muita espiritualidade. E, vestido a rigor, participo numa cerimónia religiosa que acontece a cada duzentos e dez dias. Em Ubud, expoente máximo de uma outra Bali.
Quão redutor pode ser o retrato pintado nas agências de viagem, de uma ilha tropical com palmeiras, sol, praias com boas ondas e corpos bronzeados. E quão injusto pode ser para um povo, aperceber-se que quem os visita sai sem nada levar da cultura que os acolhe. Em Bali, parece ser isso que acontece. Muitos turistas não se aventuram para lá da azáfama de Kuta, a mais turística e comercial de todas as povoações da ilha. Mas a essência de Bali, o que a torna um destino tão atractivo e fascinante, reside na vibrante cultura e nas tradições do povo que a habita. Sair de Kuta é entrar num mundo à parte e Ubud, a poucos quilómetros de distância, é um dos expoentes máximos desse outro universo.
Vindo de Kuta, a chegada a Ubud foi uma lufada de ar fresco. Dava para perceber que a cidade possuía algo de místico e cativante. Um passeio pelas ruas da povoação revelou instantaneamente um mundo de tradições, crenças fortes, espiritualidade e uma forma de vida onde a união da família é um valor essencial. A arquitectura local era rica, bonita, diferente de tudo o que havia já visto noutros lugares.
As famílias viviam em complexos habitacionais de traços excepcionalmente belos. Vários edifícios coexistiam, com funções distintas, em redor de um pátio ou bem arranjado jardim central. Uma pequena casa possuía quartos para as gerações intermédias e respectivos descendentes. Uma outra, uns centímetros elevados do solo – num nível acima de todas as outras casas -, era porto de abrigo para os mais velhos da família. O respeito devido aos mais idosos, sábios e experientes é algo fundamental numa sociedade onde aqueles nunca são abandonados ou colocados em centros de terceira idade. E, numa localização precisa, do lado das montanhas, um templo.
Todos os dias, as mulheres preparavam oferendas contendo flores, incensos e arroz cozinhado no início da manhã, tudo colocado sobre pedaços quadrangulares de folha de bananeira. “A comida é para alimentar os diabos maus; as flores para os espíritos bondosos”, afiançava um habitante local. Espalhavam as oferendas por todo o complexo e salpicavam água, supostamente abençoada, pelo chão. Um ritual repetido todos os dias, sem excepção, pelas casas e ruas de Ubud.
E Ubud estava repleta de todo o tipo de rituais e cerimónias. Havia espectáculos de danças tradicionais todas as noites e muitos cerimoniais de carácter religioso. Certa noite, quase toda a população começava a dirigir-se para um templo na zona oeste da cidade. Uma cerimónia que acontecia a cada duzentos e dez dias estava prestes a ter início. “Quando começa?”, indaguei. “Agora mesmo”, respondeu-me um transeunte. “Mas só pode entrar no templo se tiver um sarong”, avisou. Segui para o templo, expectante.
À porta, antes de entrar, foram-me colocados um sarong verde-escuro, em volta da cintura, e uma espécie de lenço branco, na cabeça. E entrei.
O que me foi dado a presenciar era um espectáculo intenso e fascinante. Mulheres carregavam à cabeça tabuleiros circulares com oferendas enormes para os espíritos. Consistiam em vários níveis com frutas, doces de várias qualidades e outros alimentos que não consegui descortinar. Tudo muito colorido e bem decorado, formando belos e harmoniosos tabuleiros. As mulheres introduziam as oferendas no interior do templo e efectuavam, em simultâneo com os elementos masculinos, as suas orações. Depois, recebiam água sagrada com a qual lavavam simbolicamente as mãos, o cabelo e a cara, antes de colocarem grãos de arroz na testa. “Símbolo de prosperidade”, explicou um participante na cerimónia. As oferendas eram igualmente “purificadas” com “água sagrada” e, uma vez terminada o ritual, eram levadas para fora do templo. As mulheres levavam de novo os tabuleiros à cabeça com destino a casa onde, na companhia da família, haveriam de deleitar-se com os sabores dos alimentos “purificados”.
Estava escuro, e a chuva que caía dava um toque extra de misticismo às filas de mulheres carregando as oferendas pelas ruas da cidade. Nessa noite, os espíritos andavam à solta nas ruas de Ubud.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Ola Filipe!
Daqui escreve o Miguel (que morou em Riga). Agora mudei-me em trabalho para Dili, TImor
Estou a planear uma ida a Yogyakarta. Mas depois descobri Borobudur.
Tendo apenas 2 dias (depois das viagens de e para Bali) vale mais a pena investir em ficar os 2 dias em Yogy ou ir 1 dia a Yogy e no seguinte a Borobudur?
Yogy tem o mesmo estilo de templos e daquelas construcoes tipo “sinos” invertidos que Borobudur?
Abraco!