
Fazem parte das ilhas britânicas, embora fiquem mais perto de França. Tratam a rainha por our Duke e não por The Queen. Têm manias, vinho, uma gastronomia deliciosa, bom clima, campos verdejantes e praias de areia branca. São as ilhas anglo-normandas, onde as pessoas se dizem felizes. Viagem a Jersey e Guernsey, as Ilhas do Canal.
Apesar do avião estar prestes a aterrar, não sabia bem o que esperar daquele arquipélago, à entrada do Canal da Mancha. Pela pequena janela viam-se campos verdejantes, claros areais e um mar calmo e transparente: nada que se assemelhasse com as costas agrestes e rochosas da Bretanha nem com as terras de Inglaterra, cuja influência eu sabia estender-se a este peculiar território. Era como se tivesse atravessado uma cortina do tempo: embora a poucos minutos de voo de Londres, estava agora num local que tinha muito mais de mediterrânico do que de atlântico.
Jersey, Guernsey, Alderney, Sark, Herm e os ilhéus de Brecqhou e Jethou – as Ilhas do Canal ou Anglo-Normandas, como são também conhecidas – situam-se no meio de uma grande baía formada pelas penínsulas da Bretanha e da Normandia, apenas a 15 quilómetros de solo francês (Alderney) e a cerca de 150 quilómetros do Reino Unido. Devido à sua posição, no extremo da corrente do golfo, beneficiam de cerca de duas mil horas de sol por ano e de um clima relativamente ameno, sobretudo quando comparado com o que acontece nas regiões vizinhas. Na maior delas, em Jersey, produzem-se mesmo vários tipos de vinho e durante o verão são muitos os britânicos que buscam as suas abrigadas praias soalheiras para relaxar a mente e dar um pouco de cor ao corpo.
Não deixa de ser surpreendente que uma tal proximidade geográfica a terras gaulesas seja contrariada por uma marcada influência britânica, manifestada principalmente na cultura e na língua de todas as ilhas do arquipélago mas, como em quase tudo, também aqui existe uma explicação histórica. Após muitos anos de ligação aos franceses, as Ilhas do Canal foram, no final do século X, anexadas por William Longsword, duque da Normandia que, anos mais tarde, viria a subir ao trono inglês. Estas cinco migalhas de terra passavam então a fazer parte do vasto reino anglo-normando e assim continuaram até 1204, ano em que João, rei de Inglaterra, perdia a Normandia para os franceses.
Foi nesse momento decisivo que os habitantes tiveram de escolher: ou ficavam com os normandos, ou permaneciam leais à coroa britânica. A escolha da segunda opção acabaria por vincar a sua identidade cultural e permitir a aquisição de direitos especiais que ainda hoje perduram. Contudo, a delicada posição estratégica deixava antever períodos complicados para os habitantes que passaram de ingleses a franceses e vice-versa, não menos do que seis vezes ao longo dos séculos seguintes.
Ilha de Jersey
Com nomes como Havre des Pas, Route du Fort ou La Motte, as movimentadas ruas e avenidas de St. Helier, capital de Jersey são, para além do próprio nome da cidade, um verdadeiro testemunho dessa irregular mas inevitável presença francesa. Durante muito tempo também um dialeto local derivado do francês da Normandia – o jerriais – foi falado pela maioria da população, embora se encontre agora praticamente esquecido, ouvindo-se apenas nas conversas de pub, nas freguesias mais rurais.
Bem distante do seu passado de pesca, agricultura e lanifícios, St. Helier é hoje uma cidade moderna e agitada que vive principalmente do setor financeiro. A abolição, em 1962, de uma lei que restringia as taxas de juro foi o sinal de partida para inúmeras instituições bancárias e milhares de empresas de todo o mundo que, em poucos anos, aqui se instalaram criando um dos mais bem sucedidos mercados de capitais da Europa.
Um pouco por todo o centro da cidade, multiplicam-se os indisfarçáveis sinais de riqueza e consumo que denunciam o paraíso fiscal da ilha. A isenção de IVA, por exemplo, deu azo à proliferação de montras repletas de joias, equipamentos eletrónicos, perfumes e bebidas alcoólicas, que fazem as delícias dos potenciais compradores que percorrem King Street. Na marina, ligeiramente a sul, há veleiros e iates de luxo, cujos proprietários – estrelas de cinema, pilotos de Fórmula 1 e outros milionários – são dos poucos estrangeiros a quem as leis locais permitem a imigração, desde que acompanhados pela sua fortuna pessoal.
Apesar dos seus escassos 116 quilómetros quadrados, em Jersey cabem muitas outras realidades, difíceis de imaginar para quem apenas se deixa hipnotizar pelo brilho da cidade. No interior subsiste ainda uma vasta paisagem rural, de pastos verdejantes – onde se passeiam saudáveis exemplares de uma raça bovina autóctone -, e férteis terrenos agrícolas, dos quais se extrai um dos produtos mais famosos da ilha: a batata. Os que ainda trabalham a terra, vivem em pequenas casas, agrupadas em povoações limpas e organizadas, que se desenham como aldeias Lego ao longo da estrada. A escola, o pub e a igreja são peças comuns a todas elas, por mais pequenas que sejam, mas também não faltam as ocasionais mansões milionárias cujos contornos se vislumbram entre os bosques primaveris e as sebes vivas que limitam as enormes propriedades.
É neste cenário campestre que encontramos uma outra instituição que internacionalizou o nome da ilha: o Zoo de Jersey. Fundado pelo naturalista Gerald Durrell em 1959, este espaço nunca foi uma mera montra de animais exóticos. Em todo o período da sua existência, Durrell e a sua equipa de colaboradores prepararam aqui ambiciosos programas de recuperação de espécies ameaçadas que, regra geral, culminaram com a sua reintrodução nos habitats de origem. Desde orangotangos do sudeste asiático, até aos lémures de Madagáscar, passando por coloridos anfíbios, répteis e aves da América do Sul, os visitantes podem contemplar e até adotar uma infinidade de animais que aguardam nesta ilha a sua vez de voltar à liberdade total.
Não é só pelo zoo que a palavra liberdade faz sentido quando aplicada a Jersey. Durante a II Grande Guerra, as Ilhas do Canal foram a única parte do território britânico a ser ocupada pelos alemães. Os vestígios e as memórias dessa época estão espalhados por toda a ilha, mas nada é tão evidente e impressionante como o Hospital Subterrâneo Alemão, apenas dois quilómetros a norte da baía de St. Aubin onde, a 9 de maio de 1945, os militares germânicos finalmente se entregaram aos Aliados.
Trata-se de uma engenhosa rede de túneis, construída com seis mil toneladas de cimento integralmente à custa de mão de obra escrava, que os estrategas nazis planearam inicialmente como um paiol à prova de bombardeamento, mas que acabariam por reconverter em hospital militar. Hoje encontra-se aberto ao público e as numerosas fotografias, armas, munições e demais equipamento alemão no seu interior, bem como a singularidade da própria estrutura, tornaram-no num dos mais populares museus da ilha.
Ilha de Guernsey
Guernsey, separada de Jersey por cerca de 40 quilómetros de mar não é, seguramente, tão visitada. Talvez por isso, todos aqueles que pisam o seu solo estejam de acordo com a afirmação de que esta ilha tem um encanto especial.
Em muitos aspetos é semelhante a Jersey: vive principalmente do setor financeiro e do turismo, tem sistema de administração local, assembleia legislativa e tribunais próprios e é responsável pela gestão de todos os assuntos domésticos, incluindo a política de impostos. O governo de Londres apenas interfere nos negócios estrangeiros, representando a ilha. Já no caso da coroa, os habitantes de Guernsey e das restantes ilhas estão ao lado do resto da população britânica, considerando-se súbditos da rainha a quem, no entanto, tratam por “our Duke” e não “the Queen“, numa clara alusão às suas raízes históricas, quando o monarca era William, duque da Normandia.
Mas as diferenças em relação ao Reino Unido e, de forma mais militante, a Jersey são encaradas pelo governo de Guernsey, como mais do que uma simples curiosidade turística – é uma questão de honra e orgulho inabaláveis. As notas e moedas, apesar de possuírem a mesma cotação da libra esterlina, são graficamente diferentes das de Jersey – por sua vez, também diferentes das que circulam na Grã-Bretanha. E, se quisermos continuar a reparar nos detalhes, descobrimos que os selos, os marcos de correio e as próprias cabines telefónicas são, como fará questão de sublinhar qualquer habitante, realmente exclusivas desta pequena terra.
Numa volta pela ilha, apercebemo-nos rapidamente da diversidade de locais a explorar, sobretudo quando espreitamos do alto das falésias da costa sul, e descobrimos dezenas de pequenas praias abrigadas do vento e das multidões, acessíveis só após uma boa caminhada. A poente o relevo é mais suave e as amplas praias e baías estendem-se ao longo de vários quilómetros, interrompidas apenas por línguas rochosas, com o granito a emprestar um tom ocre à paisagem.
Tal como em Jersey, durante a maré baixa a superfície destes areais quase duplica, devido às fortes correntes de maré que se fazem sentir nesta parte do oceano; é então que podemos atravessar calmamente a pé o leito marinho, até ao ilhéu de Lihou, ou aventurarmo-nos na apanha de alguns dos bivalves que caracterizam a apetitosa cozinha local.
No interior, protegidas do vento por densos bosques de pinheiros, encontram-se as estufas onde é cultivada grande parte das flores que abastecem os mercados da Grã-Bretanha, e os campos onde crescem as vacas de Guernsey que, dizem, produzem um dos melhores leites conhecidos.
De todos os locais da ilha é, sem dúvida, a cidade de St. Peter Port – a mais antiga das Ilhas do Canal – que tem a preferência de todos quantos visitam Guernsey. Foi aqui que Victor Hugo viveu um exílio de 14 anos, parte dos quais a escrever “Os Miseráveis”, e que Renoir desembarcou para pintar algumas das suas famosas telas impressionistas.
Os edifícios e o desenho das ruas junto ao porto, ainda nos transportam até épocas bem distantes, quando estas vielas eram atravessadas por marinheiros destemidos e corsários perigosos que aqui descarregavam barris de brandy roubados aos porões dos barcos franceses.
É uma terra colorida pelas incontáveis fachadas esguias, pelos milhares de bandeiras a agitarem-se nos mastros dos veleiros e pelos próprios habitantes, que espelham orgulhosamente a diversidade cultural que lhes deu origem.
Talvez pelo clima ameno, pelas águas transparentes e praias sossegadas ou, simplesmente, porque aqui sentem as mesmas forças que inspiraram Renoir e Victor Hugo, os habitantes de Guernsey dizem-se hoje, à boa maneira da ilha, as pessoas mais felizes do Mundo.
Guia de viagens ao Canal da Mancha
Este é um guia prático para viagens às ilhas britânicas de Jersey e Guernsey, no Canal da Mancha, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar e sugestões de actividades nas ilhas.
Como ir
De avião, as melhores ligações para Jersey ou Guernsey fazem-se via Londres. As Ilhas do Canal têm também ótimas ligações a partir de França, particularmente da Bretanha e da Normandia. Existem ferries frequentes a partir de St. Malo e catamarans rápidos (só para passageiros) de Granville, Carteret e Diélette. Entre as duas ilhas as ligações são muito frequentes, tanto de barco, como de avião, com a companhia Blue Islands.
Quando ir
Todas as Ilhas do Canal desfrutam de um clima extremamente ameno, com temperaturas médias à volta dos 20°C, durante os meses de verão. As melhores alturas para uma visita são o final da primavera/princípio do verão e o final do verão. Desta forma há a certeza de poder gozar em sossego todas as virtudes das ilhas, incluindo as praias. Independentemente da época escolhida, é conveniente levar um casaco impermeável e alguma roupa quente, só para o caso de haver surpresas.
Alojamento em Jersey e Guernsey
A oferta hoteleira em quase todas as ilhas do Canal da Mancha é mais do que suficiente. No entanto, durante algumas épocas do ano, especialmente no verão, é imprescindível que se reserve alojamento com antecedência. Uma das melhores opções são os Bed & Breakfast, que possibilitam um ambiente bem mais descontraído e são, normalmente, mais económicos que os hotéis. Abaixo encontra uma lista dos melhores disponíveis.
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Gastronomia
Apesar de fazerem parte das Ilhas Britânicas, nem Jersey, nem Guernsey partilham da fama da cozinha desinteressante a que os britânicos são normalmente associados. As influências francesas estão bem presentes neste capítulo. Recomenda-se os peixes: sobretudo robalo, solha ou linguado, preparados de qualquer forma – aqui são sempre frescos. Para quem apreciar, as ostras são um prato relativamente comum, servido a um preço que não causa indigestão, e as vieiras (scalops) são preparadas de uma forma que nem o paladar mais esquisito vai resistir. Nas carnes, o destaque vai para os pratos de borrego e frango, assados ou fritos. As especialidades típicas de Jersey incluem Bean Crock – uma feijoada, com carnes de porco; sopa de congro (um peixe muito característico nestas águas); Boudelots – maçãs assadas numa massa picante; e Mervelles – bolos fritos, tipo donuts.
Generalidades
Apesar de Jersey e Guernsey terem as suas próprias notas e moedas, elas têm precisamente a mesma cotação da libra inglesa. O dinheiro britânico é aceite correntemente em qualquer das ilhas, mas não o contrário. Para entrar no território e para os cidadãos da União Europeia, bastará a apresentação do cartão de cidadão.
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