Encontro em Olkhon, pequena ilha do Lago Baikal, na Rússia, a primeira grande paixão desta viagem à volta do mundo. Uma daquelas histórias de amor à primeira vista, em território siberiano.
A luz que me alumia brota de uma pequena vela pousada neste tampo de madeira velho e tosco, a água com que me lavo encontra-se armazenada em barris lembrando os de petróleo, a casa de banho que utilizo é o eufemismo de um buraco rectangular num chão de alinhadas tábuas de um pestilento cubículo da mesma madeira, não há supérfluas comodidades nem pequenos luxos como um chuveiro, uma ventoinha ou iluminação nas ruas e, no entanto, posso sem hesitações afirmar que este lugar é a minha primeira grande paixão desta viagem.
Sinto-me bem, muito bem aqui. Encontro-me pois em Khuzhir, povoação principal da Ilha de Olkhon, este pedaço de terra banhado pelas águas do lago classificado Património Mundial pela UNESCO de seu nome Baikal.
Vou observando embevecido o lago que nos rodeia, as planícies, as pequenas florestas, a paisagem em mutação, vou reparando nos pequenos parques de campismo selvagem onde os russos saboreiam as férias de Verão, tomo o primeiro contacto com o xamanismo – essa vivência religiosa baseada na crença dos espíritos, no culto da natureza e que utiliza práticas como o transe ou o êxtase – ao me deparar pelo caminho com lugares de alguma forma sagrados, pedalo e pedalo como já não me recordava até as forças suplicarem por um polegar pedindo – com sucesso – boleia de volta a Khuzhir onde um tardio pôr-do-sol por detrás das escarpas montanhosas haveria de confirmar quão bem se está nesta terra simples que mais não tem para oferecer do que essa natural simplicidade. Ilha de Olkhon, um lugar definitivamente para reter na memória.
De permeio, passei ainda por Listvyanka, povoação localizada na parte mais a sul do lago, muito próxima de Irkutsk e, por isso mesmo, muito concorrida durante o dia. Fenómeno curioso acontece pelo fim da tarde quando se evaporam os turistas e a povoação retoma a pacatez do Inverno e, aí sim, numa acolhedora casa familiar, é possível retemperar energias deleitando-me sem pressas com uma banya – nome dado à sauna russa -, naquilo que se revelaria uma magnífica experiência de integração no meio e também uma muito útil actividade num lugar onde, tal como em Olkhon, os banhos de água quente e corrente são uma miragem.
Parto desta região profundamente deliciado embora com uma sensação de alguma insatisfação. Porque adorei, porque me identifiquei com estes espaços naturais, porque me senti incrivelmente bem, apetece ficar aqui prolongadamente, circunscrever o lago na sua totalidade e conhecê-lo de lés-a-lés, sem pressas.
Mas acabo por decidir prosseguir para sul, dias depois, sem tomar contacto com partes importantes do enorme lago, ponto cardeal onde seguramente outras e diferentes paisagens e experiências me seduzirão com pelo menos igual intensidade.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
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