Portugal de lés a lés, com atenção ao detalhe
Às vezes, partimos em busca de destinos longínquos ou exóticos e esquecemo-nos de que o raro e o belo podem estar mesmo aqui ao lado. Sobretudo quando se trata de literatura ou de jornalismo de viagens, parece mais fácil apanhar um avião para o outro lado do Atlântico do que o autocarro da Rodoviária para Sagres e a partir daí caminhar Portugal acima.
Foi ao que se propôs Nuno Ferreira, antigo jornalista do Público que, após ficar desempregado, decidiu percorrer Portugal a pé. A premissa era clara: passamos demasiado tempo sentados, em frente ao computador, agarrados ao telefone, e, sobretudo nas redações, demasiado tempo longe da realidade e fixados numa ideia de país que não ouve as pessoas e não lhes conhece as histórias.
O projeto de Nuno Ferreira – que primeiro publicou Portugal a pé (Vertimag, 2011) e agora, numa versão mais condensada, Portugal de perto (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014) – é, a todos os níveis, notável. E tem uma deliciosa atenção ao detalhe, demonstrando com um olhar arguto e ponderado, as diferenças sociais, económicas, geográficas entre um Portugal que imaginamos e os portugueses que nele vivem.
Começa em Sagres e percorre o Algarve a pé. Vai por aí acima até à Beira Alta; interrompe o projeto durante cerca de um ano, e regressa à estrada em Trás-os-Montes e Minho, acabando no ponto mais a Norte: Cevide. Os cafés, monumento-nacional à localidade urbana ou rural, são sempre o seu porto de abrigo, mesmo quando incomodado pelo ladrar desconfiado dos cães. E o que vemos pelos olhos de Ferreira é um país pobre e esquecido, que entrelaça vozes com a história da terra, cidades e vilas que souberam reinventar-se no século XXI, cidades e vilas escondidas num silêncio de breu, mergulhadas num abandono. Portugal: um país a muitas velocidades, atravessado por auto-estradas e por caminhos de cabras que não levam a lado nenhum.
E Nuno Ferreira, que parte da capital, urbana, Lisboa, para conhecer portugueses, partilha connosco a estupefação simples de quem viaja: porque há portugueses que não o querem conhecer. A desconfiança, o medo, o “anda por aí tanta ladroagem”, o isolamento, mostram a realidade de um país dividido entre o progresso (e todos os seus significados) e uma ideia de autenticidade. São esses encontros a essência de Portugal de Perto; por vezes partilhamos o desespero de Ferreira em encontrar alma humana que o acolha (falamos a mesma língua, estamos no mesmo país, e no entanto, parecemos tão distantes); por vezes, conhecemos gente que nos enche o dia e, da conversa, nasce a pequena história.
Como aqui: “Deixei-me ficar por ali, na esperança de poder ficar mais tempo junto da comunidade, mas o velho acabou com os meus sonhos quando veio ter comigo e explicou que era tempo de eu partir. Esse dia acabou por ser surpreendente. Ali por perto, só encontrei dormida numa enorme e luxuosa herdade. A mesma pessoa que horas antes estava deitada numa lona num acampamento de ciganos terminou o dia rodeada por javalis empalhados num vasto salão em abóbada, sentada num cadeirão de couro.”
Portugal observado na lentidão da caminhada de Ferreira, passo a passo, pé ante pé, é belíssimo e cheio de contrastes. E mostra, como antes dele, Viagem a Portugal de José Saramago, e na esteira de Pescadores de Raul Brandão, ou das Viagens de Garrett, que há todo um coro de vozes portuguesas por ouvir e tantas histórias por contar.
- Título: Portugal de perto
- Autor: Nuno Ferreira
- Editor: Fundação Francisco Manuel dos Santos
- Ano: 2015
- Páginas: 500