Percorrendo as ruas da grande metrópole moscovita – com especial incidência na zona envolvente à Praça Vermelha e ao Kremlin -, descubro o prazer de caminhar acompanhado por recém-amigos locais e observo com prazer algumas maravilhas arquitectónicas de Moscovo. A capital da Rússia é, sem dúvida alguma, uma cidade fascinante.
Olho em redor e não há como escapar à conhecida sensação de incompreensão do mundo que me rodeia. Sinto-me como que um analfabeto envolvido por sarrabiscos absurdos alinhados como letras mas sem significado aparente.
Vale-me, afortunadamente, uma recente experiência em São Petersburgo para não desesperar perante a geométrica elegância do alfabeto cirílico pelo que, evitando facilmente os taxistas e os seus preços exorbitantes, lá encontro espaço numa marshrutka – carrinhas de cerca de quinze lugares que fazem serviço de transporte público em concorrência directa com os tradicionais autocarros – que me levará do aeroporto até à estação de metro mais próxima onde, aqui sim, nas profundezas das belíssimas estações de metro moscovitas, será travada diariamente uma intensa contenda pelo decifrar do caminho a tomar.
Acima, na superfície, fico com a nítida sensação de que para um visitante de curta permanência a cidade se apresenta fortemente centralizada na zona envolvente ao Kremlin, uma área marcada pela grandiosidade dos edifícios, pela cor forte do vermelho ocre de alguns deles e pelo simbolismo da Praça Vermelha. É porventura um contra-senso ter pouco tempo e passá-lo em redor do mesmo lugar mas como recriminar esta previsibilidade se os próprios moscovitas usufruem abundantemente desta bonita área da sua cidade, reunindo-se em pequenos grupos de amigos para dois dedos de prosa, um prolongado namorisco ou o degustar do agradável paladar das cervejas russas em plena praça pública?
É o que acontece, nomeadamente, defronte do Museu da História do Estado, uma zona extraordinariamente bem cuidada paredes-meias com o muro exterior do Kremlin. Em consonância com a área envolvente, uma visita ao complexo onde está instalado o governo russo revela um grande esmero na preservação deste património histórico de elevado bom gosto sendo que, de tudo o que do interior dos muros se oferece observar, será porventura injusto destacar os magníficos frescos que literalmente cobrem os tectos e paredes das três principais igrejas que compõem a denominada Praça da Catedral – Catedral do Arcanjo Miguel, Catedral da Anunciação e Catedral da Assunção – mas foi efectivamente a beleza dessas obras de origem italiana que mais sussurradas exclamações me fez soltar.
Passeando pelas artérias da cidade será também difícil não reparar na beleza das suas gentes e principalmente no extremo cuidado, arrojo, exuberância e sensualidade postos no trajar feminino. A moda tem por estas paragens uma força inquestionável. Ou difícil será ignorar a omnipresença policial nas ruas o que, por si só, poderia ser algo extremamente positivo não se desse o caso do objectivo primordial ser, aparentemente, nas palavras aqui adocicadas de uma recém-amiga moscovita, encontrar eventuais ilegalidades nos passaportes dos transeuntes e resolver a situação a contendo de ambas as partes sem mais infrutíferas diligências. Não tive, felizmente, oportunidade de o confirmar.
Moscovo sairá seguramente derrotada em algumas inevitáveis comparações com a próxima e de algum modo rival São Petersburgo mas, ainda assim, é uma cidade onde, apesar da imensidão que faz com que demorar uma hora de metro até ao destino pretendido seja algo tão natural como inquestionável, é possível encontrar gente simples, aberta, amigável e pronta a receber o visitante da melhor forma que podem e sabem. Como em qualquer lugar do mundo, presumo.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.