Com voos a preços incrivelmente baixos, mudo de rota e sigo em direcção ao Bornéu, região onde ainda existe uma abundante vida selvagem. Avisto os engraçados macacos proboscis e delicio-me com a inteligência dos mais famosos habitantes da ilha: orangotangos, os homens da selva do Bornéu.
Visitar o Bornéu não fazia parte dos planos desta viagem. Mas, o apelo da abundante vida selvagem muitos metros acima do solo e outros tantos abaixo da linha de água, fizeram com que embarcasse a bordo de um avião da Air Asia em direcção à capital da região administrativa de Sabah. Um desvio de rota que se revelou fascinante.
À chegada a Kota Kinabalu, situada no noroeste da ilha do Bornéu, a partilha de um táxi desde o aeroporto permitiu-me conhecer Iestyn, um amistoso inglês de férias pela Ásia. Juntos, percorremos as ruas da cidade o tempo suficiente para organizar a estadia na província, visitando um par de agências de viagem e centros de mergulho. Com ofertas de alojamento tão reduzidas nalguns dos principais pontos de interesse de Sabah, planear com alguma antecedência revelou-se uma actividade incontornável. Uma mudança de hábitos para qualquer viajante acostumado a guiar-se por decisões impulsivas. Subir ao monte Kinabalu, encontrar os ameaçados homens da selva e submergir nas águas envolventes à mundialmente famosa ilha de Sipadan eram os primordiais objectivos delineados para o Bornéu.
Ascender ao topo de Kinabalu é a principal atracção turística de Sabah e consta ser uma experiência exigente mas memorável. Mas, com o alojamento na montanha totalmente reservado durante semanas, ver o raiar do dia no cume do monte Kinabalu estava fora de questão. Não sendo possível, seguimos para o sul da província na expectativa de vislumbrar os engraçados macacos proboscis em habitat selvagem.
Magotes de turistas, principalmente japoneses, seguiam em pequenos barcos pelos canais de um rio barrento, de pescoço curvado e máquinas fotográficas a postos. De tempos a tempos, grupos de macacos eram avistados no topo das árvores. Um macho possante e dominador estava quase sempre acompanhado por várias pequenas e mais graciosas fêmeas. De árvore em árvore, alimentando-se ou catando parasitas entre si, os macacos de nariz comprido e arredondado presenteavam os turistas com cenas do seu próprio quotidiano em ambiente selvagem. Ou, quando incomodados com a presença humana – ainda que distante -, refugiavam-se no solo longe dos olhares dos intrusos. Não fora o facto de haver mais turistas que proboscis e teria sido uma experiência marcante. Mas foi como que um suave aperitivo para o ansiado encontro com os inteligentes homens da selva, os mais famosos residentes do Bornéu. Possuindo 96.4% da composição genética do ser humano, não admira que assim sejam denominados os orangotangos que ainda povoam as selvas do Bornéu.
E foi no Centro de Reabilitação de Orangotangos de Sepilok que pude observar as espertas criaturas. Calcula-se que existam apenas quinze mil orangotangos em todo o mundo, e o risco de extinção a curto prazo é real. O trabalho desenvolvido em locais como Sepilok – existem apenas quatro centros do género no planeta – adquire assim importância redobrada. A captura ilegal de orangotangos, muitos dos quais acabando como animais de estimação em casas de habitantes desinformados, deixa muitos jovens orangotangos órfãos de mãe. E, em ambiente selvagem e na ausência da progenitora – com quem um jovem pode chegar a partilhar os primeiros nove anos de vida -, aprender tarefas básicas como subir às árvores ou procurar alimentos é empreitada praticamente impossível. Sobreviver sozinho é muito difícil para um jovem órfão. Em Sepilok, esses jovens orangotangos são capturados e trazidos até ao centro. Passam depois por um programa de reabilitação que dura vários anos de aprendizagem, num processo lento e progressivo. Recebem os ensinamentos básicos de que necessitam e suporte emocional e, gradualmente, vão-se tornando mais independentes e confiantes. São encorajados a explorar áreas da selva cada vez mais distantes das instalações do Centro. Até um dia a partir do qual, idealmente, nunca mais terão contacto com um ser humano.
No dia em que visitei Sepilok, apenas três orangotangos apareceram nas plataformas de alimentação em busca de leite e bananas, suplemento nutricional àquilo que encontram pelos seus próprios meios na selva. O desgosto dos turistas era proporcional ao contentamento dos profissionais de Sepilok.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
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