A caminho de Ulan Bator, capital da Mongólia, percorrendo as míticas linhas de caminho-de-ferro transiberiana e transmongol, conheci Fran e Ricardo, um casal chileno que viajava de mochila às costas durante a sua lua-de-mel. A confirmação de que, para muita gente por esse mundo fora, o casamento não implica o fim das aventuras de viagem. Hasta la vista, amigos!
O amor é bonito quando acontece. No compartimento ao lado daquele que me foi atribuído acabo por conhecer Fran e Ricardo e logo um aconchego me invade a alma. Viajam juntos desde há várias semanas por países como a Tailândia ou o Vietname, agora a Rússia, depois a China e o que mais vier. Poderiam ter optado por oito dias numa ilha paradisíaca com requintados prazeres, muito marisco e revigorante vista para o mar algures nas Caraíbas ou no Pacífico.
Mas ei-los aqui, no desconforto de um comboio onde têm de dormir e comer e ainda amar, carregando como qualquer viajante independente as suas mochilas às costas – qual casa onde nada cabe e tudo pesa – numa fase da vida em que normalmente pouco mais do que os dois conta, denominada lua-de-mel. Admiro-os imensamente. Conversámos bastante, colocam com a naturalidade de um sorriso o seu futuro lar em Santiago do Chile à minha disposição, tornámo-nos amigos – se é que a uma forte empatia entre temporários companheiros de viagem pode chamar-se amizade.
Paredes-meias com o do casal chileno divido o meu compartimento com Christian, amistoso canadiano a leccionar inglês numa escola privada em Irkutsk. Conta-me que não sabia sequer a localização geográfica dessa tal povoação de nome estranho quando lhe propuseram o dito emprego. “Procurei num mapa e aceitei de imediato o lugar” – diz, encolhendo os ombros. Partiu.
Encontrou uma cidade que não considera particularmente encantadora ou interessante. Mesmo assim, ficou. Compreendo. Eu próprio, enquanto em Irkutsk, procurei sem sucesso motivos para o “Paris da Sibéria” com que em tempos foi carinhosamente apelidada. Retenho no olhar, ainda assim, a originalidade dos inúmeros edifícios de madeira em pleno centro da cidade, sóbrios e elegantes. Reparo nas suas janelas à altura do passeio – algo muito comum na arquitectura local -, num ou noutro espaço público bem cuidado e, obviamente, na imagem cartaz da cidade que é o grande Teatro Drama, edifício belíssimo de cores suaves e agradáveis. Mas, acima de tudo, não esqueço a hospitalidade e amabilidade das pessoas sempre que solicitadas a ajudar qualquer desorientado visitante. Reconfortante.
Deixei Irkutsk, subindo para este comboio, satisfeito por ter conhecido o principal aglomerado urbano desta região siberiana, e mais ainda por levar na memória imagens inesquecíveis desse lago que domina o pensamento de todos os que por aqui passam – o mítico Baikal.
Consta, a propósito, que perdemos magníficas visões das suas margens a caminho de Ulan-Ude, quando a linha-férrea serpenteia as curvas do lago sem dele se afastar. Infelizmente, passámos de noite neste troço do trajecto que nos levará calmamente a Ulan Bator, capital da Mongólia, onde haveremos de chegar na madrugada de um novo dia.
Para mim, é agora tempo de desvendar um pouco da magia deste inóspito país que piso pela primeira vez. Quanto a Fran e Ricardo, prosseguem a sua lua de invulgar mel algures em território chinês. Haverei de os visitar um dia, se e quando este périplo pelo mundo me fizer parar em Santiago do Chile, com a convicção de os encontrar juntos e felizes. Até lá, companheiros!
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Os meus parabéns para o seu trabalho fabuloso.