Zurique por quem lá vive: Sérgio Martins

Por Filipe Morato Gomes
Rio Limmattal, Zurique
Vista de Zurique a partir de uma das pontes do Rio Limmattal

Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Zurique, na Suíça, pela mão do Sérgio Martins. O Sérgio é empregado fabril e motorista e está a viver em Zurique desde 2009. Convidei-o a partilhar connosco as suas sugestões e dicas com o melhor da “sua” Zurique.

É um olhar diferente e mais rico sobre Zurique – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade suíça, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 27º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.

Conteúdos do Artigo

Em Zurique com o Sérgio Martins (entrevista)

Define Zurique numa palavra.

Organizada.

Zurique é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.

Zurique é uma cidade ótima para viver. Por alguma razão, disputa anualmente o 1º lugar do ranking das cidades com melhor nível de vida do mundo com Viena. Zurique – e a Suíça em geral – tem uma grande preocupação com o bem-estar das pessoas, com a proximidade dos bens essenciais e com o conforto de quem aqui vive. Mesmo para quem vive na periferia da cidade, como é o meu caso, facilmente se encontra um hipermercado, um posto dos correios (que aqui também tem função de banco), escolas, paragem de autocarros e estação de comboios a curta distância.

Os espaços verdes e de lazer também não são deixados por mãos alheias. Existem vários sítios onde se pode fazer exercício físico, sobretudo nas margens do Rio Limmatal, impecavelmente limpas e cuidadas – um local ideal para correr, andar de bicicleta ou simplesmente caminhar. A juntar a isto ainda existe um vasto número de ciclovias para quem pretender fazer da bicicleta o seu meio de transporte preferido.

É óbvio que nem sempre corre tudo a 100%, mas a taxa de situações em que existem falhas é bem pequena.

Quando aqui cheguei, já tinha uma noção do que ia encontrar pois, além de ter família a morar em Zurique, tinha cá estado de férias no ano 2000. Mesmo assim, as expectativas foram superadas. No início confesso que se estranha um pouco, mas depois entranha-se.

E o que mais te marcou em Zurique?

A organização e forma metódica como tudo é feito. Nada parece ser deixado ao acaso. Isso causa alguma estranheza a nós, latinos, mais habituados ao improviso. Mas é das melhores coisas que Zurique tem. Especialmente para mim, que também me considero organizado e metódico – sem renegar as minhas origens latinas e a arte do improviso.

Outro aspeto que me marcou foi ter encontrado aqueles bosques quase mágicos próprios das fábulas que líamos quando éramos miúdos. Algo que não encontramos em Portugal, devido ao clima diferente do centro da Europa e ao tipo de vegetação. Aqui a palavra bosque ganha de facto um novo significado.

A segurança que se sente no ar, a pontualidade quase britânica dos transportes públicos (embora no Inverno essa pontualidade seja um pouco menor quando os invernos são rigorosos), a proximidade de todos os bens essenciais e a quantidade de ciclovias existentes em praticamente todas as ruas foram outras coisas que me marcaram.

Como caracterizas as pessoas de Zurique?

Zurique é uma mescla de vários povos vindos dos quatro cantos do mundo. Com italianos, alemães e portugueses à cabeça, existem ainda grandes comunidades de centro e sul-americanos, asiáticos, europeus do sul ou provenientes dos Balcãs a residir na cidade. Para terem uma ideia, na fábrica onde trabalho são meus colegas quatro eslovacos, quatro kosovares, dois portugueses, três suíços, um croata, um bósnio, um paraguaio, um turco, um alemão, um italiano e um cidadão proveniente do Camboja! Uma grande diversidade de nacionalidades que fazem de Zurique uma das mais multiculturais cidades da Europa.

De resto, penso que os suíços que vivem em Zurique têm uma mente aberta. Nas gerações mais velhas ainda se encontram reticências quanto ao elevado número de estrangeiros que vivem na Suíça, o que os torna, por vezes, mal-encarados e pouco gentis. Tendência que cada vez é menos notada nas gerações jovens, talvez porque desde muito novos estão em convivência nas escolas com estrangeiros.

Pelas experiências que já tive, os habitantes de Zurique são cultos, fluentes em duas ou mais línguas (o alemão, que é a língua oficial desta zona, e o inglês, pelo menos) e com muita influência germânica no caráter (frios, calculistas e rigorosos). Contudo, na altura da diversão, adoram a influência latina, principalmente a sul-americana, que cá existe.

Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Zurique sem…”

… dar uma volta de barco no Zuriquesee (Lago de Zurique).

Em Zurique existe uma grande comunidade portuguesa. Isso foi de alguma forma positivo na tua integração?

Essa é uma questão bastante ambígua e que sei de antemão que a minha resposta não será igual à de muitos portugueses que moram em Zurique.

De facto, existe uma grande comunidade de portugueses a viver em Zurique e quando cá chegamos esse é um aspeto bastante positivo, sobretudo por causa da língua. Contudo, na minha humilde opinião, esse acaba por ser mais tarde um entrave à integração, pois não sentes tanta necessidade de o fazer. Ou seja, sentes-te de certa forma protegido e acabas por viver quase num país dentro de outro. O maior exemplo está na aprendizagem da língua, que é bastante difícil para nós. Acaba, geralmente, por ser mais fácil aprender italiano, uma língua mais parecida com o português, do que propriamente alemão, a língua oficial falada em Zurique.

Isto também porque a comunidade italiana é a maior e muito facilmente se encontra algum italiano onde quer que vamos. Hoje em dia, os tempos também são outros e as mentalidades diferentes, mas ainda assim penso que o facto de existirem tantos portugueses cá acaba mesmo por ser um entrave à melhor integração no ritmo e modo de vida suíços.

Casario de Zurique nas margens do rio Limmattal
Casario de Zurique nas margens do Rio Limmattal

Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Zurique. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.

Em primeiro lugar, devo dizer que Zurique é uma cidade que vale pelo seu todo. Não se vem a Zurique para se ver algum grande monumento ou atração. Apesar disso, é uma cidade que merece ser visitada, pois é muito bonita pelo seu conjunto. Depois, elaborar um roteiro também não é tarefa fácil pois depende muito dos interesses que de cada um, mas vou tentar resumir o essencial e deixar escolhas em aberto para cada um decidir.

Dia 1. Visitar o Landesmuseum, o museu nacional, com a mais completa coleção sobre Zurique e a Suíça e que fica mesmo ao lado da Hauptbahnhof (estação central). Visita em conta, já que custa cerca de 7€-8€ por pessoa. Costuma ter exposições temporárias a decorrer no museu.

Depois, percorrer a pé uma das marginais do Rio Limmattal até ao Lago de Zurique. Ambas as marginais são muito bonitas e com várias atrações – o ideal é descer por uma delas e subir pela outra. Do lado direito, para quem desce desde a Hauptbahnhof, existem duas igrejas de telhados pontiagudos bastante interessantes e várias ruelas e travessas que parecem saídas de outros tempos. Uma delas é a Augustinergasse, que sai mesmo na Bahnhofstrasse, a mais conhecida rua da cidade pelos seus muitos bancos (onde se encontram algumas pequenas fortunas e lojas de renome internacional).

Depois de chegar ao lago, enveredar pela margem esquerda que tem sempre gente e muita animação. Especialmente no verão, os relvados adiante estão repletos de pessoas que tomam banhos de sol enquanto se refrescam nas águas do lago. Nesse sentido fica ainda o Chinagarten Zurique (Jardim Chinês), que pode ser também uma opção de visita.

Depois, regressar até ao ponto onde o lago dá lugar ao Rio Limmattal e enveredar pela marginal oposta. Se subirem pela margem direita no sentido do lago para a Hauptbahnhof, ter em conta o mosteiro Grossmunster Felix und Regula, que é enorme e com uma vista deslumbrante sobre a cidade a partir das suas duas torres. A Niderdorfstrasse é uma das mais conhecidas ruas da cidade e fica na mesma zona. Lá podem encontrar um sem número de cafés, restaurantes e lojas, além de muitas outras ruelas e travessas que também merecem visita.

Dia 2. No segundo dia devemos tomar a direção do lago novamente até Burkliplatz e embarcar numa das viagens de barco possíveis: pequeno percurso pelo Rio Limmattal, barco médio com duração de cerca de 1h30 e que alcança cerca de metade do lago; ou viagem completa no barco maior que percorre todo o lago até à outra ponta, numa duração de cerca de 4 horas, ida e volta.

Do outro lado do lago fica Rapperswil, uma pequena cidade que pode ser alvo de visita se assim desejarem. Eu aconselho a viagem no barco médio, para ficarem com mais tempo para visitar outras coisas. Depois da volta de barco, visitem a margem do lago oposta à do dia anterior, e dirijam-se depois para a Bahnhof Enge, umas das estações mais emblemáticas da cidade devido à sua fachada. Sigam depois rumo a Kirche (igreja) Enge bastante bonita e imponente, para finalizarem no Rietberg Museum. É um museu com uma vasta coleção de arte oriental, que está incorporado num excelente espaço verde onde se pode relaxar e desfrutar de algum silêncio, além de uma vista magnífica sobre o lago.

Dia 3. Eu aconselho no terceiro dia uma escapadela para fora da cidade com o objetivo de conhecerem melhor os verdadeiros pontos turísticos da Suíça: as montanhas! Para isso, recomendo seguirem em direção à cidade de Lucerna para depois tomarem a direção da montanha Pilatus. Terão de subir de teleférico até ao topo, mas a vista vale muito a pena – é possível ver o Vierwaldstattersee (Lago dos Quatro Cantões). Quando descerem, não podem vir embora sem visitar o centro de Lucerna e as suas duas pontes pedonais medievais, cartão-de-visita da cidade.

São estas as minhas sugestões, mas nelas podem ainda incluir uma visita ao Jardim Botânico de Zurique, o Zoológico ou uma pequena visita à cidade de Rapperswil, do outro lado do lago, caso também decidam pela viagem mais longa de barco. Visitar Waid, uma parte alta de Zurique, também pode ser uma boa opção a ter em conta em algum dos dias.

Tens dicas para se poupar dinheiro em Zurique?

De facto, Zurique tem uma grande qualidade de vida mas também é uma das cidades mais caras do planeta. Quem gosta de ter em atenção as despesas deve, por exemplo, procurar as promoções que se encontram nos hipermercados. Existem dezenas delas todos os dias. Principalmente ao final do dia, em que os hipermercados aproveitam para reduzir os preços de produtos frescos.

Podem também, por exemplo, ir a cadeias de supermercados tradicionalmente mais baratas como o Aldi ou o Lidl, ou comprar todos os tipos de bebidas na cadeia de supermercados Denner, já que são mais baratos que na restante concorrência.

As cadeias de hipermercados também têm por norma um excelente serviço de take away e/ou restaurantes próprios com preços muito em conta. Pode ser uma opção rápida e pouco dispendiosa para quem está de passagem e quer evitar os preços de Zurique.

Outra técnica, mais para quem vive cá do que quem vem de férias, é dirigirem-se até à Alemanha que fica a cerca de 40 km de distância (fronteira mais próxima) e comprarem ai vários produtos mais baratos do que na Suíça. É apenas preciso ter em atenção que nem tudo pode passar na fronteira.

Para finalizar, um bom jantar em casa, com amigos ou familiares sai bem mais em conta, uma vez que uma ida ao restaurante facilmente chega aos 70€-80€ por pessoa (em restaurantes portugueses sai um pouco mais em conta, rodando um média de 30€-40€).

Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?

Não podemos falar num estilo próprio de gastronomia, já que Zurique, e a Suíça, é um local com muitas influências dos países que a rodeiam. Aliás, é muito frequente encontrarmos na descrição de um restaurante a palavra “fusão” para descrever o seu tipo de comida. E sem dúvida que a gastronomia italiana e asiática levam vantagem sobre as outras em termos quantitativos.

Apesar disso, podemos sempre falar no Fondue de Queijo, prato muito apreciado aqui, apesar de ser um prato mais sazonal (inverno). Raclette também é muito apreciado, mas o prato mais típico será o Rosti com entrecôte. Cervelat e Brastwurst são petiscos que encontramos facilmente à venda nas ruas de Zurique. Os Kebabs são também muito presentes no dia-a-dia de Zurique.

Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?

Existem muitos e bons restaurantes em Zurique. Pessoalmente, gosto muito do Pulcino, na Diederdorfstrass, com excelente comida italiana; o Quai 61 é um restaurante de fusão, que tem a particularidade de ficar praticamente em cima do Lago de Zurique; o Yooji’s com excelente comida japonesa.

O Papa Joe’s, Spaghetti Factory ou Santa Lucia são restaurantes mais em conta com comida americana, mexicana e italiana, respetivamente. Por fim, entre os restaurantes portugueses o Oceano e o Fabiana têm a minha preferência.

Sérgio em Weid, com Zurique ao fundo
O Sérgio em Waid, com Zurique em pano de fundo

E se um viajante estiver mesmo, mesmo com saudades de Portugal, por onde deve passar? (onde é que tu matas saudades?)

Matar saudades de Portugal é muito simples em Zurique. Além de existirem vários restaurantes e cafés portugueses é, hoje em dia, muito fácil ter acesso a produtos vindos diretamente de Portugal – logo as saudades são mais facilmente apagadas.

Eu gosto bastante de almoçar ou jantar nos restaurantes Oceano e Fabiana, que curiosamente ficam bem perto um do outro. Mas existe mais de uma dezena de bons sítios para ir, como o Centro Lusitano de Zurique (o centro português mais antigo da cidade), a Casa do Benfica de Zurique, entre muitos outros. Todos eles têm comida típica de Portugal.

Zurique não é propriamente conhecida pela sua movida, mas o que sugeres a quem queira sair à noite?

É verdade que não é por isso que é mais conhecida, mas em Zurique não faltam bons locais para sair à noite. Eu adoro um barzinho chamado 4 AKT, situado na zona com mais opções de saída noturna na cidade: Escherwissplatz.

Nessa zona, gosto de começar a noite no 4 AKT, um bar com boa música onde quase todos ficam de pé, tanto no interior como no exterior, e onde, por norma, as pessoas se encontram para iniciar a noite. Depois podemos seguir para a discoteca em frente, a Escherwiss Club, ou percorrer alguns metros e entrar no Hard One, no 3º andar de um prédio ali existente. Esse bar/discoteca tem um ambiente bastante selecionado e fica mesmo em frente ao Aya bar, um café com uma esplanada excelente a qualquer hora ou dia. Podemos também optar pelo Hive com música mais eletrónica/progressiva.

Noutras zonas da cidade também se encontram locais de diversão noturna bem agradáveis, como o Pur Pur em Stadelhoffen, com entrada grátis e ambiente mais latino, e o Palavrion Bar também com entrada livre – são ambos boas opções.

Escolhe um café e um museu.

Para museu, elejo o Landesmuseum (museu nacional). Um café, sem dúvidas também, o Starbucks. É um franchising americano bastante enraizado na cidade de Zurique mas do qual eu gosto muito. Existem muitos espalhados pela cidade.

Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Zurique?

Eu aconselho a ficarem um pouco mais afastados do centro da cidade, pois aí os preços são mais em conta e, como os transportes em Zurique funcionam bem, facilmente se deslocam até ao centro.

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A Suíça não é só chocolates, canivetes e relógios. Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras em Zurique?

Esta é a pergunta mais difícil de responder, pois muito sinceramente penso que essas três coisas são as mais emblemáticas e pouco mais se poderá acrescentar. Chocolates do melhor, relógios estupendos e um sempre útil canivete Suíço são já excelentes aquisições, não?

Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Zurique; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.

Bem algo que seja mesmo a minha cara é o já referido 4 AKT. Lá é possível conversar agradavelmente e conhecer novas pessoas ao som de boa música e bom ambiente.

Um local? Aquele que está retratado na foto, no topo duma colina com Zurique e o seu esplendoroso lago aos seus pés. Simplesmente deslumbrante!

Obrigado, Sérgio. Encontramo-nos numa próxima viagem a Zurique.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.