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Phnom Penh por quem lá vive: Filipa Anacoreta Correia

Por Filipe Morato Gomes
Viver em Phnom Penh: Filipa Anacoreta Correia
A Filipa Anacoreta Correia em Phnom Penh

Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Phnom Penh, no Camboja, pela mão da Filipa Anacoreta Correia. A Filipa tem 40 anos, é Arquiteta e está a viver em Phnom Penh há dois anos e meio. Desafiei-a a partilhar as suas experiências na capital do Camboja, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Phnom Penh.

É um olhar diferente e mais rico sobre Phnom Penh – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 53º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.

Conteúdos do Artigo

Em Phnom Penh com a Filipa Anacoreta Correia (entrevista)

Define Phnom Penh numa palavra.

Contrastes.

Phnom Penh é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.

Acho que Phnom Penh e uma ótima cidade para expatriados, tanto jovens, como menos jovens, com ou sem família. Quando vim para Phnom Penh em 2014 a minha maior preocupação era o que iria encontrar para a minha filha, desde coisas essenciais para uma criança de 3 anos a brinquedos, escolas e cuidados de saúde. Tenho de dizer que, do ponto de vista de mãe, Phnom Penh me surpreendeu imenso e que, além de se conseguir encontrar quase tudo, há imensas actividades para crianças. Talvez a única coisa que ainda não seja “top” são os cuidados de saúde para coisas mais sérias – felizmente até agora não foi preciso recorrer a nenhum especialista fora do Camboja.

Phnom Penh é uma cidade cheia de vida; todas as semanas há algo cultural a acontecer, desde um espectáculo de música ou de dança, passando por conferências, cinema, workshops, ou seja, há tanta coisa que é preciso fazer escolhas. Há imensos grupos de facebook com toda a informação. É a melhor maneira de saber “what is on”.

Sendo arquiteta de formação, há imensas coisas que me encantam em Phnom Penh, desde templos budistas a casas de influência francesa. E depois há todas as novas construções, que na minha opinião então a destruir a cidade. Mas até essa falta de urbanismo é, de certa forma, interessante de observar. Há uma associação de arquitetos que promove os encantos arquitetónicos que (ainda) existem nesta cidade.

E o que mais te marcou em Phnom Penh?

Viver em Phnom Penh
Phnom Penh

Negativamente, o trânsito e a falta de planeamento urbano, sobretudo as construções de prédios e a escassez de espaços verdes.

Quando cheguei a Phnom Penh, em fins de 2014, um colega cambojano deu uma volta de carro comigo, e disse-me: “aqui, ao conduzir, tens sempre que olhar nas quatro direções: esquerda, direita, de frente, atrás”. Ao fim de três meses a conduzir na cidade, desisti; cheguei a demorar mais de uma hora até ao aeroporto, que está apenas a uns dez quilómetros do meu apartamento, ou até ao meu emprego, que está a uns três quilómetros. Agora ando de tuk tuk ou a pé, e recentemente comprámos uma moto para a família.

Vim pela primeira ao Camboja em 2009, com uma mochila às costas, mas a cidade pacata, sem prédios, com casas coloniais, que conheci nessa altura, já praticamente não existe. Os imóveis em altura estão a crescer como cogumelos, não há praticamente uma rua onde não haja um prédio em construção. Como arquiteta, é triste ver este crescimento tão rápido sem aparentemente nenhum planeamento urbano e perceber que a arquitetura colonial francesa e a local estão a desaparecer. Além disso, há muito poucos passeios para os peões, e quando há, ou são descontínuos, ou têm carros/motas estacionados. Apesar de não ser fácil andar a pé nesta cidade, tento fazer regularmente os três quilómetros do meu emprego até casa caminhando.

Contrariamente a outras cidades no sudeste asiático, quase não há parques públicos nem espaços verdes em Phnom Penh.

Como caracterizas os cambojanos?

Os cambojanos são um povo simpático e, na maioria das vezes, tentam sempre ajudar os estrangeiros. 60% da população tem menos de 30 anos. É um povo muito jovem mas nem por isso muito aberto. Fora das grandes cidades quase ninguém fala inglês.

Claro que é preciso não esquecer que o pais sofreu um genocídio há relativamente pouco tempo e que ainda persistem muitas marcas na sociedade.

É também um país muito pobre e aqueles que apenas visitam Phnom Penh e Siem Reap provavelmente não se vão aperceber dessa realidade.

Infelizmente, é também um pais muito corrupto em que a economia depende ainda muito da ajuda internacional. São aspetos a ter em conta, sobretudo por aqueles que cá vivem.

Como é um dia “normal” em Phnom Penh?

Como muitas pessoas, tenho a minha própria rotina. Durante a semana, de manhã, depois de deixar a minha filha na escola sigo para o emprego. Isto tudo de tuk tuk.

À hora do almoço aproveito para ir nadar ou ir comer fora. A variedade gastronómica é enorme e tento experimentar algo novo todas as semanas. Com algumas colegas de trabalho resolvemos iniciar o “monday discovery lunch” e assim todas as segundas-feiras vamos experimentar um restaurante diferente. Fora isso, poder ir nadar à hora do almoço é uma ótima oportunidade que tenho e que sabe mesmo bem sobretudo quando estão mais de 40ºC.

Depois do trabalho, costumo voltar para casa a pé; são uns 40 minutos mas sempre dá para fazer algum exercício. Sendo mãe, acabo por não ter muito tempo livre para fazer desporto, por isso tento aproveitar todos os minutos. O percurso é interessante: começo no centro da cidade, onde está o meu escritório, passo pelos “Champs Elysees” de Phnom Penh, atravesso um dos templos mais antigos da cidade, o Wat Lanka, e entro no “meu” bairro.

Tento aproveitar as imensas atividades que Phnom Penh proporciona e recentemente juntei-me a um coro e comecei aulas de Kizomba.

Normalmente começo o fim de semana às sextas-feiras à tarde indo a um café com música ao vivo. É um local child friendly pelo que vai a família toda e acabamos sempre por encontrar outras crianças. Durante o fim de semana costumo ir ao cinema com a minha filha e há quase sempre uma atividade para os mais pequenos. Por tradição, aos domingos à tarde ficamos em casa e cozinhamos biscoitos ou bolos.

Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Phnom Penh sem…”

… dar um passeio de barco ao fim da tarde e ver o pôr do sol no Rio Mekong.

Eu costumo fazer estes passeios com uma pequena companhia que foi fundada por jovens estudantes de turismo, que querem promover o país deles. Já fiz este passeio tantas vezes que já tenho desconto de cliente habitual :)

Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Phnom Penh. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.

Por do sol no Rio Mekong, Phnom Penh
Pôr do sol no Rio Mekong, Phnom Penh

Três dias é o tempo ideal para Phnom Penh, que é uma cidade pequena onde, ao contrário de outras capitais na Ásia, a oferta cultural é mais limitada.

Dia 1: o passado triste do Camboja

Eu costumo propor este dia para a descoberta do passado triste do Camboja. Não podemos dizer que seja um dia “bonito”, mas é enriquecedor a nível de história.

Logo de manhã, antes que esteja muito calor, sugiro a visita aos Killing Fields. Ficam localizados fora do centro da cidade, por isso é preciso ir de táxi ou de tuk tuk, e contar com uma manhã disponível. Para mais informações sugiro alugarem os “guias-áudio”, apesar do custo adicional.

Depois desta visita, proponho o Museu do Genocídio Tuol Sleng para assim terminar o capítulo “Khmer Vermelho”.

Para almoçar e preencher a tarde, sugiro uma volta pelo Russian Market – mercado local ideal para fazer todo o tipo de compras: desde fruta, legumes, peixe ou carne a todas as prendinhas / souvenirs, e roupa! Muita roupa, desde Zara a H&M, GAP e outras marcas. O mercado só está aberto até às 17h.

Há imensos restaurantes nesta zona, dependendo do que se procura. Recentemente fui a um café/restaurante que foi considerado um dos melhores em termos de comida vegan/vegetariana.

Para acabar o dia, sugiro o tal passeio de barco no Rio Mekong para ver o pôr do sol. Penso que é uma boa maneira de dar um pouco de paz à mente depois das visitas da manhã.

Dia 2: o dia histórico

Logo de manhã proponho visitar o Palácio Real, onde é preciso ter cuidado com o código da indumentária. E também ter a sorte que o palácio esteja aberto, pois às vezes a família real resolve fechar o palácio sem nenhuma razão aparente.

Ao lado do palácio fica o Museu Nacional. Pessoalmente, penso que a exposição do museu nacional em Siem Reap é mais rica, mas alguns amigos gostaram muito da do museu em Phnom Penh. Vale sempre a pena a visita. E neste local há noites em que é possível assistir à atuação de danças Apsara – danças tradicionais da região.

Se não estiver muito calor, sugiro caminhar pela Rua 178 a caminho do restaurante Romdeng. Este restaurante khmer faz parte de uma associação de formação para pessoas vulneráveis, e assim almoça-se por uma boa causa. Apesar de talvez já estar um bocadinho “turístico”, a comida é mesmo boa e há uma pequena piscina, que se pode usar e onde nos podemos refrescar.

Durante a tarde proponho visitar o Central Market cuja arquitetura representa uma flor de lotus. Aquilo que não comprou no Russian Market, de certeza que encontra aqui. Talvez um pouco mais caro.

E já estamos a meio da nossa visita a Phnom Penh, por isso altura ideal para ir visitar o sítio onde Phnom Penh “nasceu”, segundo a lenda: Wat Phnom.

Depois deste longo dia, proponho uma bebida ao fim da tarde, desta vez a assistir ao pôr do sol com Phnom Penh aos pés. Este é o rooftop bar mais alto em Phnom Penh, e daqui conseguimos ver bem as dimensões da cidade e como está a crescer.

Esta paragem é apenas para uma bebida porque a seguir tem de ir ver as danças tradicionais ao Museu Nacional, lembra-se?

Dia 3: Phnom Penh rural

Para o terceiro e último dia, nada como sair do centro e ir conhecer um pouco do outro lado do rio.

Logo de manhã pode atravessar o rio num dos “cacilheiros” locais em direção a Arey Ksa. O objetivo é ir dar uma volta a cavalo através do campo para ficar com uma ideia como é a vida fora da cidade.

Depois deste passeio pode seguir diretamente para a Ilha da Seda, pequena ilha no Rio Mekong localizada a norte de Phnom Penh onde ainda sobrevive uma pequena indústria de produção de seda.

Além de visitar a produção de seda, há vários templos e até praias fluviais na zona. Eu não me aventurei nas praias fluviais mas optei pela piscina de uma pequena guesthouse onde há umas pizzas a não esquecer, chamada Le Kroma Villa.

Este foi um dia longo, e para acabar (para terem uma ideia sobre o que fazem à noite os estrangeiros em Phnom Penh), que tal um jantar em Bassac Lane? É uma zona cheia de vida à noite e frequentada sobretudo por estrangeiros, e um outro mundo dentro de Phnom Penh, fora dos roteiros turísticos.

Já agora, falemos de turismo sexual. Como está a situação atual no Camboja? E que conselhos darias aos viajantes sobre como lidar com esse flagelo.

A situação no Camboja não é tão conhecida como a que se conhece na Tailândia, mas também há bastante turismo sexual. Há zonas que são de evitar se não queremos ver “meninas”, nem red light streets, como toda a zona na Rua 51 para cima da Rua 184.

Outra coisa que é de evitar no Camboja são locais marcados como “KTV”. Teoricamente são Karaoke TV mas na realidade são muito mais do que isso. Estes locais são bastante frequentados por homens cambojanos sozinhos.

Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Phnom Penh?

Negociar um tuk tuk pelo dia para nos levar aos diferentes sítios. Para o percurso que sugeri, os seguintes preços estão corretos: dia 1: 25 USD, dia 2: 20 USD (este dia consegue-se fazer tudo a pé), dia 3: 30 USD. Caso contrário, é raro haver um percurso por menos de 2 USD e é preciso estar sempre a negociar.

Ha vários locais na rua que vendem sumos de fruta/ batidos/ café. Das comidas de rua eu sugiro tudo o que seja cozinhado, nada de saladas.

Muitos restaurantes ocidentais têm ótimos menus de almoço, deste modo, se quiser poupar numa refeição talvez seja mais fácil poupar ao jantar e aproveitar os excelentes “business lunches menus” existentes.

Outra opção é obviamente tomar um pequeno almoço tarde, tipo brunch.

Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Phnom Penh?

Há algo que eu nunca provei mas que sugiro a todos os que me vêm visitar: tarântulas. No dia em que me for embora experimento.

De pratos típicos eu gosto muito de bife Lok Lak, que é acompanhado por um molho feito de lima e pimenta moída, algo super simples e simplesmente fantástico. Para aqueles que preferem peixe, sugiro fish amok, peixe preparado com leite de coco. E para os vegetarianos, umas beringelas fumadas.

Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?

Sem dúvida nenhuma, ao Mok Mony, um restaurante com duas coisas muito interessantes:

  • se não gostar do que pediu, o prato volta para a cozinha e podemos pedir outro prato;
  • as comidas que sobram do dia são oferecidas a pessoas da comunidade local, nada se perde.

Outro clássico de Phnom Penh é o Boat Noodles Restaurant.

Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Phnom Penh?

Rio Mekong, Phnom Penh, Camboja
Rio Mekong, Phnom Penh

O turismo tem-se desenvolvido imenso nos últimos anos e, com isso, há imensas guesthouses e boutique hotels a abrirem. No centro da cidade, recomendo dois por menos de 30 USD onde amigos meus já ficaram:

Junto ao Monumento da Independência, mas sem piscina, sugiro estes dois hotéis:

Um pouco mais caro mas com piscina, recomendo o Villa Borann Boutique Hotel.

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Escolhe um café e um museu.

Não tanto pelo café mas pelos bolos, o Bloom Café. Também é uma escola de formação para mulheres que vêm de meios mais pobres. Para um bom café, acompanhado por um ótimo chocolate, escolho o The Shop.

Há muitos cafés na rua, e há uma boa iniciativa de um “café de rua” junto ao mercado da rua: entrega-se uma garrafa de plástico e tem-se desconto no café. Além de que se apoia uma associação.

Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Phnom Penh?

Phnom Penh é uma cidade onde todas as noites há algo a acontecer. Como sugeri no percurso de 3 dias, a zona do Bassac Lane é muito frequentada pela comunidade internacional. Especialmente às quintas-feiras pois a destilaria Samai, onde se produz um rum local, está aberta.

Também há alguns bares engraçados junto ao Monumento da Independência, nas ruas 278 e 284, onde se juntam estrangeiros e locais.

Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Phnom Penh? O que comprar?

Eu costumo sugerir fazer compras nas lojas que apoiam pequenas comunidades e/ou projectos sociais. É sempre bom fazer compras e, simultaneamente, apoiar uma boa causa. Nessas lojas há de tudo. Uma das coisas que vale a pena comprar, estando na Ásia, são as sedas.

Há algo que é único no Camboja: é a pimenta de Kampot. É uma variedade de pimenta que só há no Camboja e que quase desapareceu durante o tempo dos Khmer Vermelhos.

Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Phnom Penh; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.

Vou partilhar dois segredos:

  1. Happy hour no Elephant Bar, localizado num dos hotéis mais chiques de Phnom Penh, o Raffles Hotel. Trata-se da happy hour mais longa da cidade (das 16:00 às 21:00); a não perder o famoso cocktail Femme Fatale, inventado para Jacqueline Kennedy há 50 anos, ou um gin tónico.
  2. Piscina num rooftop de um dos hotéis de Phnom Penh, como a piscina do Aquarius. É preciso pagar uma taxa de direito de acesso, mas é uma experiência a não perder

Obrigado, Filipa. Vemo-nos quando eu regressar a Phnom Penh.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.