Para lá do deslumbre pela arquitetura das estações, o encanto pelas paisagens que o comboio percorre faz valer qualquer viagem. Vi estações colossais e percorri pontes e túneis em linhas sinuosas pelas mais belas montanhas da Ucrânia.
Há uma passagem superior que cruza todas as linhas em direção ao átrio da estação de Kiev, desembocando nele num nível superior de onde se tem uma perspetiva maravilhosa sobre todo o espaço.
Os devaneios monumentais de Estaline são absolutamente fantásticos e as estações da Ucrânia são um bom exemplo disso. Se alguma vez a arquitetura foi utilizada como meio de opressão, afirmando o poder do estado sobre os cidadãos, então ela foi magnificamente conseguida aqui. O hall da estação é um espaço amplo e de pé direito incrivelmente alto; o nível inferior é completamente revestido a mármore de onde arrancam colunas que intervalam as janelas no nível intermédio e sustentam o teto abobadado e magnificamente coroado com enormes candelabros. Exteriormente são edifícios enormes, compridos, de estilo clássico, assemelhando-se muitas vezes a templos gregos, com entradas marcadas por conjuntos de colunas e coroadas por frontões e grandes esculturas no cimo. São tão imponentes que é impossível não nos sentirmos diminuídos perante tamanha grandiosidade…
São impressionantes as estações de Kharkiv – a antiga capital do país, Odessa ou Lviv, onde as influências ocidentais são mais visíveis, com a sua gare coberta, bem ao estilo da arquitetura do ferro resultante da revolução industrial, fazendo lembrar algumas das mais belas estações francesas.
Mas não são somente as estações a fazer valer a pena as viagens de comboio na Ucrânia. Na última semana, viajo pela parte ocidental do país. Depois de Odessa e Kamyanets Podilsky, desço a Uzhgorod, uma pequena povoação nos calcanhares das montanhas dos Cárpatos e o centro administrativo da região dos vinhos transcárpatos.
Volto a embarcar em classe Kupe. Apanho o comboio perto das 03:00 numa estação intermédia, e rapidamente adormeço. Quando amanhece, ainda deitado, corro ligeiramente a cortina e espreito pela janela. Tenho a sensação de ter voltado atrás e estar novamente na Noruega; montanhas e pinheiros altos, nevoeiros persistentes e uma linha sinuosa que serpenteia as encostas da montanha. Há infindáveis pontes e túneis guardados por um “sentinela” armado e riachos que correm a par da linha, pontuando os vales com aldeias minúsculas, igrejas de cúpulas azuis, prateadas ou douradas, pequenas estações e picos nevados no horizonte.
O silvo do comboio parece o de uma locomotiva a vapor. No caminho inverso em direção a Lviv, e apesar do escuro da noite, vislumbro os primeiros sinais de neve – que mais não parecem do que farrapos velhos espalhados pelo chão – e a certeza de que o Inverno se aproxima a passos largos.
Para finalizar a minha estadia na Ucrânia, descubro com a ajuda do meu anfitrião de CouchSurfing em Lviv os comboios regionais – que não aparecem em nenhum dos sites que habitualmente utilizo para procurar horários de comboios por toda a Europa. Encontro-os numa secção específica do site dos caminhos-de-ferro da Ucrânia e apenas em ucraniano, obrigando-me a descodificar do cirílico o nome das estações, de forma a perceber que trajeto tenho de fazer para chegar a Rakhiv, percorrendo uma das mais belas linhas de montanha do país.
O comboio deixa Kolomea um pouco atrasado. Esteve a ser carregado a ombros com sacos de batatas, fazendo lembrar outros tempos. Pelo caminho vai parando em apeadeiros perdidos e estações abandonadas. Circula a uma velocidade extremamente baixa, não passando seguramente dos 35 km por hora. Cruza campos e pequenas aldeias num cenário completamente rural. O sol espreita por entre as nuvens iluminando as encostas da montanha. Há vendedores ambulantes que correm as três carruagens procurando vender luvas e meias, outros vendem uma espécie de rissol de carne enorme e, uns lugares adiante, há mesmo uma pequena banca de roupa montada num dos bancos de madeira do comboio. Para matar o tempo, joga-se às cartas.
Na sua lentidão, o comboio serpenteia ao longo da linha procurando contornar as encostas da montanha até se resignar a tamanho esforço, perfurando-as por fim numa sucessão de túneis e pontes. Os primeiros farrapos de neve voltam a surgir pintando de branco um cenário que mais parece um presépio. Ao avançar para o interior das montanhas, o comboio vai correndo a par do rio e o manto branco intensifica-se, cobrindo completamente os telhados de casas construídas nas encostas da montanha onde só se acede por carreiros íngremes.
Chego a Rakhiv perto do meio-dia. O meu destino final é Budapeste, para visitar um amigo que lá mora. Não estando muito longe da fronteira, julgo ser possível lá chegar ainda hoje. Dirijo-me à central de autocarros e pergunto por um que me leve a Chop – a localidade fronteiriça. Dizem-me que só é possível trocando de autocarro em Mukachevo. Assinto! De qualquer forma, a distância não é muita e ficarei suficientemente perto de Chop para poder fazer o resto do trajeto de marchutka – os mini-autocarros locais da Ucrânia – e conseguir apanhar um comboio que me leve então até ao outro lado da fronteira.
O autocarro vai enchendo gradualmente à medida que avança ao longo do rio que faz a fronteira natural com a Roménia. Pára a cada 500 metros para deixar entrar mais alguém e a velocidade é tão baixa que consegue ser ultrapassado por camiões TIR. Após uma hora, o motorista pára e diz-me que só voltaremos a partir em 40 minutos. Olho o mapa e percebo que estava completamente enganado! A esta velocidade e com as sucessivas paragens – para 20 minutos a cada 30 km! – na melhor das hipóteses chegarei a Chop apenas ao final da tarde.
São 17:20 quando chego a Mukachevo. Indicam-me a marchutka para Chop, mas o motorista pergunta-me pelo bilhete e perante a minha resposta negativa diz-me que tenho de o ir comprar primeiro – como se não fosse habitual venderem no autocarro. Quando volto com o bilhete já ele partiu e só mais de uma hora depois estou por fim a caminho de Chop.
A marchutka deixa-me na estação pouco depois das 19:30. Há um comboio para Zahoni – do outro lado da fronteira – daqui a duas horas, mas a vendedora na bilheteira alerta-me para o facto de já não haver qualquer ligação a Budapeste e a estação encerrar durante a noite. Resta-me então esperar deste lado pelo comboio das 6:00 da manhã. Tenho umas 10 horas de espera, mas o que vale é que aqui as estações nunca encerram. Até as bilheteiras se encontram abertas durante toda a noite, sendo bastante cómodo para quem tem de fazer transbordos ou simplesmente quer poupar o dinheiro de uma estadia de poucas horas.
Às 6:00 da manhã, e depois dos procedimentos fronteiriços estou, finalmente numa carruagem húngara com destino a Budapeste.
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
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