Uma viagem em jeeps todo-o-terreno pelas dunas do Deserto do Sahara, no Sul da Líbia, pode ser uma aventura surpreendente. Isto para não falar na magnífica Medina de Ghadames, agora desabitada, mas que conserva a nobreza digna da classificação de Património da Humanidade, e das gravuras de Wadi Mathkendoush. Um roteiro de viagem ao Sul da Líbia, entre Ghadames e as estrelas do deserto.
Silêncio no Deserto do Sahara
Prepararam-se os jeeps Toyota Land Cruiser de tracção às quatro rodas, espaçosos e praticamente novos, verificou-se uma vez mais todo o equipamento e, por último, carregou-se a pick-up apelidada de kitchen car que viria a acompanhar logisticamente a curta expedição pelo Deserto do Sahara. Primeiro objectivo: as dunas de Murzuq.
Deixámos Shaba pela estrada que a une a Ubari através de um vale transfigurado, viçoso e verdejante. E a razão de tanto verde em tão inóspito local é, na verdade, bem simples de explicar.
Um dos vários projectos megalómanos do governo de Kadhafi consiste em produzir vegetais em pleno deserto, após a descoberta de veios de água a pouca profundidade precisamente no vale entre as localidades de Shaba e Ubari. Ao longo de 200 quilómetros foram construídas e oferecidas grandes quintas a habitantes locais, cada uma com “círculos” de plantio com três a cinco quilómetros de raio, irrigados com a água recém-descoberta.
É uma visão no mínimo surpreendente a de enormes círculos verdejantes adornando o alaranjado desértico da paisagem, mas a verdade é que o projecto resultou e, actualmente, o vale entre Shaba e Ubari é responsável por quase 80% de todos os vegetais produzidos na Líbia. Chamam-lhe, agora, o “Vale da Vida”.
Deixámos o alcatrão em direcção a Sul, seguindo por terrenos áridos à medida que as dunas se iam aproximando, até que, ao final da tarde, já no seio das dunas de Murzuq, os guias escolheram um local tranquilo e agradável para montar o acampamento, o abrigo perfeito para qualquer eventualidade. Tinha começado a época dos ghibli, os ventos malditos que inundam de poeiras os ares do deserto, e por isso havia que prevenir.
“A noite vai ser calma”, asseguraram os guias, habituados ao deserto, esquecendo-se de “avisar” que ia ser inesquecível. Os céus estrelados dessa e da noite seguinte foram, seguramente, dos tesouros mais preciosos que trouxe da Líbia na memória.
Ao segundo dia invertemos marcha para Norte rumo ao “Mar de Areia” de Ubari, tendo como primeiro intuito apreciar as milenares figuras rupestres existentes em Wadi Mathkendoush. Da aridez de um leito de rio ressequido saltam à vista elefantes, zebras, bois, avestruzes, burros e girafas, e ainda alguns humanos – caçadores ou xamãs.
São dezenas de figuras rupestres datadas de 10.000 a 7.000 a.C., esculpidas ao longo dos 12 quilómetros de falésia rochosa que acompanha o rio. As figuras fazem adivinhar uma savana viçosa repleta de vida animal, no que agora é um dos maiores desertos do planeta. Que é como quem diz, dunas, dunas e mais dunas e uma nova noite com céu estrelado.
Para a última etapa da viagem estavam reservados alguns lagos rodeados de palmeiras que se esforçavam por contrariar os tons alaranjados da bela paisagem de areia e dunas. Avistámos o Lago Mefuo, depois o Gabr-Aun, ainda o lago seco Mandara e por fim o belíssimo Umm Al Ma (literalmente “Mãe de Água”), onde parámos demoradamente.
De olhos nas suas águas salgadas e quentes, recordei que durante três dias mantive uma secreta esperança de conhecer alguma família tuaregue que ainda habitasse no deserto, apesar de Abdul ter desde logo deitado por terra qualquer réstea de alento: “Existem apenas duas famílias a viver no deserto, em Akakus”.
Fora da rota da viagem, portanto. Mas consta que Akakus é uma região-fronteira de paisagens belíssimas, entre a Argélia e a Líbia, famosa pelas pinturas rupestres que por lá abundam e que a UNESCO protege desde os anos oitenta. E onde vivem portanto, famílias no deserto. Bons pretextos para voltar à Líbia.
Ghadames, pérola do deserto
Cidade-oásis às portas do Deserto do Sahara, ponto de paragem obrigatório das caravanas de dromedários vindas do Sudão a caminho de Tripoli e da costa mediterrânica, Ghadames é uma das mais interessantes paragens em qualquer viagem pela Líbia.
Apesar da Medina estar hoje totalmente deserta – desde uma intervenção governamental de Muammar al-Khadafi que ofereceu apartamentos aos seus habitantes, deslocando-os para bairros novos da metrópole -, as suas ruelas estreitas e labirínticas, as suas casas construídas em tijolos de lama e impecavelmente caiadas, as portas decoradas com motivos florais anunciando com orgulho que o seu proprietário já efectuou uma peregrinação a Meca, o interior das próprias casas decoradas de forma extravagante por jovens mulheres recém-casadas valem bem um passeio lento e demorado.
Se possível, faça-o com um guia local e informado – pelo menos na primeira vez -, que tornará qualquer visita muito mais rica em pormenores e explicações, e auxiliará na compreensão da vida citadina de há décadas. Fique a saber, por exemplo, que Ghadames era uma cidade dividida entre duas tribos – os Beni Uazit, a Sul, e os Beni Ualit, a Norte – e que as casas eram identificadas pelos nomes das famílias e não por número de porta.
Conheça o sistema de controlo do lençol de água para uso na irrigação dos campos de cultivo, o Al Kadus. E perceba as razões da brutal diferença de temperatura entre as ruas da cidade velha e as do exterior. Na cidade velha o ar circula pelas ruelas e as casas de lama fazem com que a temperatura seja fresca no Verão e quente no Inverno.
Também por isso, apetece ficar mais tempo na velha Ghadames.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens ao Deserto do Sahara, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades no sul da Líbia.
Localização geográfica da Líbia
A Líbia está localizada no Norte de África e faz fronteira com seis países: Tunísia e Argélia a Oeste, Níger e Chade a Sul, e Egito e Sudão a Este. O Mar Mediterrâneo delimita o país a Norte.
Quando ir
Para uma viagem à Líbia aconselha-se, regra geral, a época invernal que decorre sensivelmente entre meados de Novembro e Abril. Em Abril começa a fazer-se sentir o ghibli, desagradável vento quente e seco oriundo do deserto que transporta grandes quantidades de poeiras e que ocorre mais frequentemente durante a Primavera/Verão. Já o Verão, principalmente no Centro e Sul do país, é pouco menos que “insuportável” – para usar uma expressão de um guia turístico de Ghadames, a propósito do excessivo calor e dos ventos que varrem o país nessa época do ano.
Como chegar ao sul da Líbia
A Royal Air Maroc liga Lisboa a Tripoli, via Casablanca, com preços a rondar os 600 euros por pessoa, mas é necessário dormir uma noite em Casablanca. Para voos internos a partir de Tripoli, a Buraq Air e a Libyan Airlines são duas transportadoras recomendáveis.
Onde ficar em Ghadames
Regra geral, não se deve esperar o tipo de serviço habitualmente existente nas grandes cadeias de hotéis internacionais mas, ainda assim, a oferta hoteleira da Líbia é suficiente para uma viagem de qualidade.
Em Ghadames, a escolha recai sobre o novíssimo Dar Ghadames, de quatro estrelas, enquanto que nas incursões pelo deserto pode optar por pernoitar em tendas montadas nas dunas ou dormir nos bungalows existentes em campos turísticos, como é o caso do Tekerkiba Tourist Camp, às portas das dunas de Ubari. Aconselhamos vivamente as dormidas em acampamentos nas dunas do deserto.
Dinheiro
A moeda oficial da Líbia é o Dinar (LYD), e um Euro equivale a 1,83 dinares. O custo de vida na Líbia é inferior ao português, embora a hotelaria não possa ser considerada barata. A título exemplificativo, uma refeição completa com sopa, salada, prato principal, bebida, sobremesa e chá custa entre 5 e 8 euros em restaurantes de bom nível. Uma garrafa de 1,5 litros de água fica por 0,30 a 0,60 euros. Surpresa agradável para quem viaja em veículo próprio, um litro de gasóleo ou gasolina custa 0,08 euros.
Vistos de turismo
Os cidadãos portugueses necessitam de visto para visitarem a Líbia, e o mesmo não pode ser obtido à chegada. Na Embaixada da Líbia em Portugal o processo custa 120€ (60€ pela tradução dos dados do passaporte para árabe, mais 60€ pelo visto) e demora cerca de uma semana a ser emitido. Alternativamente, as agências de viagem podem conseguir que o visto seja emitido na Líbia a um preço bastante inferior ao praticado em Portugal. Passageiros que tentem viajar sem visto serão impedidos de embarcar no voo com destino a Tripoli.
Viagens independentes na Líbia
Refira-se que, mesmo não sendo impossível, não é fácil viajar de forma 100% independente na Líbia, até porque por lei os turistas devem ser acompanhados por um guia local credenciado. Para grupos acima de cinco elementos é inclusive obrigatório o acompanhamento de um ou mais membros da denominada Polícia Turística.
Seguro de viagem
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