É como entrar num congelador, apesar de o termómetro apontar para temperaturas acima dos 30 graus. E é ver com os olhos de hoje como viviam há 150 anos mineiros, garimpeiros, ferroviários, foras da lei e prostitutas, chineses e puritanos. Bem-vindos a Bodie, a “mais bem preservada cidade-fantasma do oeste americano”.
Ouvi falar de Bodie por acaso, quando estava à procura de um argumento que me mantivesse na Califórnia por mais uns dias. Já me tinha deslumbrado em Yosemite e desfrutado a passagem de Tioga. Já tinha contemplado as incríveis margens do Lago Mono, um dos mais antigos lagos de todo o hemisfério norte, e que é hoje é anfitrião de milhares de aves migratórias. Mas continuava com a certeza de que deveria haver uma razão para ficar mais um dia, antes de seguir caminho para Las Vegas.
Ao olhar para o mapa da “Eastern Sierra”, reparei na cruzinha que apontava para “a maior e mais bem preservada cidade-fantasma do Oeste Americano”. Nunca tinha visto uma. Encontrei ali o argumento que procurava para não seguir de imediato viagem para outro Estado, e continuar por ali, pela Califórnia que tanto me tinha impressionado.
Já estava decidida. Faltava convencer a menina de cinco anos que acompanhava as andanças dos pais. “Vamos ver uma cidade onde já viveu muita gente, mas onde agora não vive ninguém. Foram todos embora, há muitos anos. Mas as casas ficaram, como se ainda lá vivesse alguém. Por isso se chama cidade-fantasma”, dizia eu. “Mas não há lá fantasmas, pois não? Eu não gosto desse nome. Podemos antes chamar-lhe museu?”, retorquiu.
Bodie fica longe de tudo, como qualquer ghost-town que se preze. Já levávamos mais de meia hora de percurso desde que saíramos do asfalto que liga as cidades de Bridgeport a Lee Vining, e continuávamos a percorrer as estradas esburacadas, ou mesmo sem asfalto nenhum, a subir e descer o que a orografia desenhou aos 2500 metros de altitude.
Até que, ao desfazer uma curva, vislumbrámos um aglomerado de casas de madeira a sobressair lá ao fundo, no meio da paisagem inóspita. No sopé de uma pequena montanha, a brilhar ao sol, uma “fábrica com muitas chaminés”. Era a fábrica de mineração, a razão pela qual, afinal, tanta gente tinha ido parar àquele lugar inóspito. “Para trabalharem numa mina, como os anões da Branca de Neve”.
Ainda não tínhamos chegado ao parque de estacionamento e aquela visão já parecia irreal. Estacionado o carro, preparámo-nos para entrar numa máquina do tempo.
Decadência aprisionada na cidade-fantasma de Bodie
Era, então, o início do Outono, e o calor ainda abrasava. O termómetro indicava temperaturas superiores aos 30 graus. Mas pareceu-me que tinha acabado de entrar num congelador. E que há meio século alguém tinha encapsulado Bodie numa máquina do tempo, não para a levar ao futuro nem para regressar ao passado. Apenas para ficar ali, a homenagear o tempo em que as montanhas davam ouro e os “cavalos de ferro”, chamados comboios, ainda estavam a fazer as primeiras viagens.
Foi o ouro que levou os primeiros habitantes àquele lugar perdido no meio do nada. Coloma, onde John Sutter descobriu em 1848 a primeira pepita junto ao Rio da América, fica a menos de 300 quilómetros. Mas foram precisos nove anos para ali chegar o primeiro prospector. Chamava-se William S. Bodey, e o nome desta agora aldeia-fantasma, já está explicado – a diferença ortográfica é um pormenor que ainda ninguém conseguiu. Depois instalaram-se mais minas e mais mineiros. Nos primeiros 25 anos não parou de chegar gente. Em 1879 já seriam dez mil. São as casas de algumas dessas pessoas que temos agora à nossa frente.
“Porque é que todos se foram embora?”, foi a primeira pergunta que colocou a minha filha mal entrou no primeiro edifício – no caso, a Igreja Metodista, a única que se mantém de pé em toda a cidade. A resposta saiu rápida: porque o ouro que havia na montanha acabou, e como era difícil viver ali, tão longe de tudo, as pessoas acabaram por se ir embora. Os últimos habitantes (e já eram pouquíssimos, cabiam nos dedos da mão) saíram por altura da segunda guerra mundial.
A cidade foi declarada Parque Histórico do Estado em 1962, e a fórmula aplicada para a manutenção da cidade revelou-se apropriada: não melhorar nada, mas também não deixar que as coisas piorem. Chamam-lhe “arrested decay”, uma espécie de decadência aprisionada.
Mal saímos da igreja metodista, apeteceu-nos logo fazer um desvio dessa artéria principal. Havia, logo ali, Fuller Street acima, muitas casas e quintais a pedir a nossa visita: de Charlie Donnely, talhante, de Henry Metzger, mineiro, da família Dolan, que deu dois xerifes à cidade. Os pregos que andavam à solta, o arame farpado no meio dos quintais, os vidros partidos, os sinais da destruição provocada pelos incêndios e as evidências do desgaste das estruturas pelo peso dos violentos nevões continuam lá, visíveis.
Percebemos, então, que a fórmula funciona mesmo! E que a “decadência aprisionada” só aumenta a sensação de que chegamos a Bodie poucas semanas depois do último habitante ter ido embora. E que, a todo o momento, alguém vai regressar a uma daquelas casas ainda fechadas à chave para recuperar a roupa, os binóculos, os livros e outros haveres que continuam ali, do lado de dentro do vidro da janela.
Essa sensação aumenta em casa de Tom Miller, uma das poucas em toda a cidade que tem as portas abertas aos visitantes. A casa mantém a mobília e, até, alguma louça nos armários e em cima do balcão. “Deixaram isto desarrumado”, reparou a petiza, que já tinha concluído que deveria ser uma família grande porque a casa tinha “muitas camas”. Continuamos a viagem até à Main Street, a espreitar às janelas. E, a cada cabeça encostada num vidro e a cada frincha devassada, vão surgindo os pormenores que nos ajudam a recuar no tempo.
Nas duas montras daquele que foi um dos maiores estabelecimentos comerciais da cidade – a Boone Store & Wharehouse – as prateleiras ainda cheia de latas de conserva, e muitos outros víveres e objetos revelam algumas marcas que perduram nos dias de hoje. Reparamos na “Kellogg’s Tasteless Castor Oil” e no “Colgate medicated powder”.
É nesta descoberta que não há criança que não se entusiasme e não recuse a fadiga, mesmo debaixo de calor. Numa casa, uma velha máquina de costura, as malas de viagem encostadas a um canto, os lavatórios de ferro junto à cabeceira da cama. Noutra, os binóculos; noutra ainda, duas espingardas. O casaco numa sala, a camisa e o roupão numa outra casa. As camas de ferro e os colchões de palha. Os papéis de parede floridos sobrepostos, denunciados pela passagem do tempo e pelos humores decorativos de quem lá morou. Os buracos no chão. As malas de viagem e as arcas de roupa – “Aquilo é uma arca de tesouro, mãe?”.
Foi numa das escolas da cidade que se mantém de pé que demorámos mais tempo coladas à janela. A reparar no globo-mundo cheio de lama encostado a uma janela de vidro partido. Há muito pó, mas ainda se vêem os livros. E um compasso. As carteiras de trabalho estão alinhadas, as cadeiras estão encostadas à espera que cheguem as crianças para se sentar.
No edifício onde funcionou o Wheaton & Hollis Hotel (o mais bem preservado de todos os congéneres) sobressai o salão de jogos com a mesa de bilhar tapada por um pano amarelecido; a mesa corrida do restaurante, onde parece que a todo momento vai chegar alguém para se sentar; as garrafas vazias em cima do balcão; a cozinha, minúscula, nas traseiras.
Há muitas frinchas a espreitar. São cerca de 200 edifícios ainda em pé, apesar do abandono, dos incêndios, do vandalismo e do saque que, inevitavelmente, passaram por ali antes de a cidade se tornar um museu. Bodie foi uma cidade grande, teve as comodidades “normais” da época: um banco, posto dos correios, quatro quartéis de bombeiros, uma estação de caminhos-de-ferro, uma banda de metais, várias igrejas, três cemitérios e um necrotério, meia dúzia de jornais, uma hidroelétrica, e até uma chinatown.
Em Bodie, chineses para um lado, prostitutas para o outro
A comunidade chinesa era grande, mas não teve uma integração fácil. São conhecidas várias ondas xenófobas contra esta comunidade. Acabaram a viver numa espécie de enclave, numa cidade dentro da cidade. Não deveria ser fácil viver em Bodie. A má fama perseguia a cidade pelas piores razões, como o mau clima, o mau whisky ou a excessiva violência.
Diz-se que se todos os saloons de Bodie estivessem alinhados ao longo da rua principal, ocupariam uma frente de um quilómetro. Seriam 65 edifícios, porta-sim, porta-sim. Muitos deles eram também bordéis, onde viveram prostitutas que ficaram depois famosas.
Como Lottie Johl, que conseguiu sair do Red Light Distritc por se ter casado com o dono de um talho, e ganhou algum reconhecimento enquanto pintora. Mas ela foi a excepção. A regra era discriminar as prostitutas, mesmo aquelas que ajudaram a salvar muitos mineiros doentes, como Rosa May que além de prostituta seria, também, uma espécie de enfermeira. Mas, quando morreu, acabou enterrada do “lado de fora” dos limites da cidade.
Por razões de segurança, também nós fomos obrigados a ficar do lado de fora da Standard Mine, a mina onde tudo começou. Mas já tínhamos visto muito. Percebemos que foi por ela que muitos homens e mulheres vieram parar àquele “fim do mundo”. Outros viriam, apenas, para aumentar ainda mais a má fama da cidade, que, escrevia-se nos jornais, era passagem frequente de todo o tipo de bandidos e ladrões.
Segundo as informações oficiais organizadas pela Fundação Bodie, a má fama da cidade era bem justificada. Os assassinatos decorriam “com uma regularidade monótona”. Em 1881 o reverendo Warrington dizia que Bodie era um “mar de pecado, açoitado pelas tempestades da luxúria e da paixão”. As crianças ficavam assustadas com a notícia de que iriam viver naquela cidade: “Adeus Deus, que vou para Bodie“, escreveu uma menina no seu diário quando soube pelos pais que se iria mudar para a “terra maldita’.
A criança que me acompanhava não ficou assustada com coisa nenhuma. Antes se empenhava com aquela “caça ao tesouro” que mais não era, afinal, do que descobrir o que nos revelava o interior das casas. E até já nem se importava de falar em fantasmas. Ao reparar nas teias de aranha acumuladas na janela do que foi um dos principais salões da cidade – o Salão do Sindicato de Mineiros – lembrou-se que aquele era o cenário ideal para lhe aparecer alguém tapado com um lençol branco. “Podemos brincar aos fantasmas?”, pediu.
E tirou o casaco que a protegia mais do sol do que do frio, para o colocar na cabeça e garantir que a sombra que se projectava na parede da casa era mais parecida com os fantasmas que idealizava.
A cidade-museu pode voltar a ser cidade-fantasma.
Turismo na Califórnia
Este é um guia prático para viagens a Bodie, a cidade-fantasma da Califórnia, nos Estados Unidos da América, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades de turismo em Bodie.
Quando visitar Bodie
O Parque Histórico Estadual de Bodie está aberto todo o ano, mas adequa os seus horários às variações climatéricas. Entre o dia 15 de Maio até ao dia 31 de Outubro o parque está por norma aberto entre as 9h00 e as 18h00. Desde o dia 1 de Novembro até 15 de Maio, o horário encurta, e o encerramento é feito às 15h00.
A melhor altura para visitar o parque é, como o horário indica, nos meses de verão, e isto não é só porque há mais tempo para fazer a visita. A razão principal é a de que, nos meses de inverno, o parque fica por vezes inacessível – as temperaturas descem para terrenos negativos, e a camada de neve atinge vários metros. No verão conte com a inclemência do sol e com ventos súbitos por vezes desagradáveis.
Como chegar a Bodie, Califórnia
A viagem em viatura própria é a única alternativa. Não há transportes públicos – haverá, no máximo, excursões organizadas por algum hotel da região, mas o melhor é não contar muito com isso. Há quem faça a viagem de bicicleta, mas essa empreitada é só para os corpos treinados, que aguentem subidas e descidas no meio da montanha, em troços de estrada quase sempre em muito mau estado.
A melhor estrada de acesso é a partir da Highway 395 – a estrada que atravessa a Califórnia central. Depois de passar Lee Vining (caso venha do sul) ou depois de passar Bridgeport (caso venha do norte), fique atento ao desvio para a State Highway 270. Aí esperam-no cerca de 16 quilómetros de estrada pavimentada mas, à data em que visitámos o parque, com muitos buracos e solavancos. Depois desse troço, conte ainda com mais de cinco quilómetros num percurso de terra batida, a subir e a descer. Este é o melhor dos três acessos possíveis à cidade de Bodie. E para fazer este conte com uma viagem de mais de uma hora para lá chegar e outro tanto para o regresso.
No caso de ter disponível um veículo todo o terreno (de outra maneira, nem vale a pena pensar nisso!), é recomendado o acesso pelas “traseiras” da cidade, a partir de Bridgeport. É um trajecto off-road, de 45 quilómetros, mas que passa por vários pontos cénicos, como as minas de Chemung e Masonic. O percurso demora cerca de meio dia e tem alguns desafios considerados aliciantes para os apaixonados do todo-o-terreno.
Onde ficar
Não há onde pernoitar em Bodie. Nem sequer onde acampar. A cidade mais próxima é Lee Vining, que vive unicamente do turismo (capitalizando o facto de ser uma porta de entrada para o Parque Nacional de Yosemite, e pela proximidade do Mono Lake) e que oferece várias alternativas de alojamento. Entre as várias sugestões de hotéis e motéis, uma das mais bem referenciadas pelos visitantes é o Lake View Lodge com preços por quarto duplo a partir dos 70 dólares norte-americanos (aproximadamente 55 Euros).
Na cidade de Bridgeport há ainda mais opções, e não tão dispendiosas. Um dos mais populares é o Annett’s Mono Village, que oferece alojamento para todos os gostos: lugares para montar uma tenda a partir de 18 dólares (14), para estacionar uma autocaravana por 29 dólares (23), quartos de motel a partir dos 70 dólares (53) e cabines rústicas a partir dos 80 dólares (61).
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Entrada no Parque de Bodie
O bilhete de entrada é obrigatório (sete dólares por adulto, cinco dólares crianças entre os 5 e os 16 anos) e nos meses de verão inclui visitas ao parque guiadas pelos rangers, mas para tal deve fazer reserva mal entre no recinto do parque. Uma das mais populares e recomendadas é a que leva os visitantes até perto da mina. É a melhor forma de apreciar toda a maquinaria. Há visitas a sair para vários roteiros no parque praticamente a todas as horas.
O parque está preparado para receber a visita de portadores de deficiência motora, e garante assistência na visita. Para tal é apenas necessário contactar o parque antes da chegada – pelo telefone (760) 647 6445. Este mesmo número poderá ser útil para confirmar se a estrada de acesso está aberta por causa do mau tempo ou neve, nos meses de inverno.
O que levar
Sapatos confortáveis, um agasalho para o frio (vai notar uma grande diferença se ficar, como se recomenda, para o pôr do sol – é a altura em que a fotogenia de Bodie grita para a lente), muita água e um protector solar.
Assegure-se que leva o depósito de combustível abastecido, A cidade mais próxima de Bodie em que o pode fazer é em Lee Vining, uma cidade que vive exclusivamente dos turistas e que abusa um bocadinho dos preços. Considere-a uma espécie de loja de conveniência, para adquirir o que se esqueceu ou não teve oportunidade de comprar em estabelecimentos mais amigos da carteira dos clientes. E isso pode acontecer no caso dos mantimentos que deve levar para Bodie. É provável que acabe por ficar mais tempo na cidade do que pensava inicialmente, e na Loja do Museu, o único comércio que existe em Bodie, não encontra nada para enganar o estômago. Leve consigo alguns snacks. Vai precisar deles.
Informações
Visite a página oficial do Parque Histórico Estadual de Bodie para mais informações sobre Bodie.
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