
Suaves e discretas, são os adjectivos que melhor assentam às paisagens protegidas pelo Parque Natural do Tejo Internacional. Partilhado com Espanha, o rio serpenteia entre colinas cuja fauna e flora merecem protecção especial.
Tejo Internacional, paisagens do Sul
A cobra recalcitrante retorcia-se entre as minhas mãos, num esforço escorregadio para se libertar. É estranho sentir que uma coisa fria tem vida – e muita; não demorou mais de um minuto a conseguir fugir, afastando-se aos “esses” por entre as ervas húmidas do vale. Vulgares rãs, guarda-rios e cotovias-de-poupa convivem com espécies mais raras, como a cegonha-preta e a águia-de-Bonelli. Os javalis deixam rastos de terra lavrada e de manhã cedo é possível avistar o ocasional veado. Quase todos os bichos são pardos como a paisagem, que só se enche de cor durante a Primavera, pintada de cores diferentes consoante as colinas – e as flores -, do branco perfumado das estevas ao rosa antigo da rosa-albardeira.
Apesar da aparente simplicidade da paisagem de montado, um misto de vegetação baixa de onde se levantam, sobretudo, azinheiras e sobreiros, esta pacatez tem segredos que só se revelam a quem gosta de andar a pé. Um dos exemplos é a magnífica queda de água na ribeira das Varetas. Ninguém pode adivinhar que uma torrente baixa que a Primavera enfeitou de pequenas flores brancas, um rio estreito que aqui e ali atravessamos saltando sobre seixos que saem da água, se transforme naquela cascata alta e ruidosa. Acontece após um agradável passeio ao longo das suas margens, ora relvadas ora rochosas, que percorremos acompanhados pelas cantorias dos pássaros, das rãs e das cigarras. E de repente o chão afunda-se; isto é, o leito do rio parte-se num “degrau” com dezenas de metros. Visto de cima, é um precipício, visto de baixo é uma estreita cauda de cavalo de água branca que escorrega pela rocha num jorro abundante, cavando um poço no fundo. O ruído avisou-nos da sua presença, mas o resto da paisagem continua inalterável, com os seus montes cobertos de vegetação mediterrânica ensombrados por azinhos e carrascos, o perfume quente da urze e do rosmaninho, até se abrir a terra aos nossos pés; e aí as margens alteram-se e revoltam-se em escarpas de pedra, formando uma garganta inesperada.
Situada na Beira Baixa, nos concelhos de Castelo Branco e Idanha-a-Nova, esta é uma zona de extremos climáticos, obrigando a terra a ser modesta nas suas produções e as gentes a buscarem outras maneiras de ganhar a vida. A humidade é quase nula, com geadas frequentes de Inverno e igualmente frequentes subidas do termómetro acima dos 40 graus, durante o Verão. O Parque abrange uma área de cerca de quarenta quilómetros ao longo do Tejo, servindo o rio de fronteira com Espanha. A população é esparsa e a pobre agricultura alia-se à pastorícia, ao fabrico de queijo e de mel – sobretudo de rosmaninho – e algum azeite. Mas a actividade a que mais frequentemente se assiste – para lá da passagem dos rebanhos – é ao crochetar das rendas brancas que ocupam as mulheres, sentadas à sombra pelas ruelas das aldeias nas tardes de calor. A vida corre calmamente e as cegonhas continuam a fazer ninho no cimo das torres das igrejas que, tal como as casas, são cada vez menos feitas de xisto ou granito, conforme a região. O verdadeiro tesouro está na natureza que envolve estas aldeias sossegadas, na riqueza e diversidade de paisagens e espécies vegetais e animais ocultas nesta calma tão sulista.
Caminhadas a partir do Cento de Estudos da Natureza dos Alares
Todos os percursos que fiz tinham início no Centro de Estudos da Natureza dos Alares, a uma dúzia de quilómetros da aldeia do Rosmaninhal, cedido temporariamente à Quercus pelo Instituto de Conservação da Natureza (ICN). Primeiro de automóvel e depois a pé, penetramos profundamente nos montes de pendentes suaves, em direcção ao Tejo, do qual não se adivinha a existência até chegarmos bem perto. A aldeia do Rosmaninhal ainda possui um casario típico, com as filas de casas maioritariamente brancas bem encostadas umas às outras e os campos e hortas dispostos em redor da povoação, como é habitual na zona. Foi sede de concelho até ao século XIX, e a Igreja Matriz foi construída no seu ponto mais alto, no local onde antes existia uma fortaleza mais antiga. Daqui temos uma panorâmica da região que abrange o extenso montado de azinho, cereais e matagal mediterrânico que cobrem uma área antigamente dedicada aos cereais, e que lhe valia o nome de “celeiro da Beira Baixa”.
Do Rosmaninhal sai uma estrada estreita que passa na Ermida de Sta. Madalena. O caminho atravessa uma área onde predomina o rosmaninho que não deixa o nome da aldeia mentir. A estrada é debruada a estevas e pela janela do carro entram os odores quentes do matagal. Junto à ermida, um conjunto de misteriosos túmulos escavados na pedra, que se diz serem medievais, é mais um dos ténues traços que testemunham a antiguidade da presença humana na zona; para além destes existem várias mamoas pré-históricas espalhadas pela área do Parque, pequenas e tímidas marcas da história que passam despercebidas a quem não for avisado da sua localização. Uma estrada de terra aparece mais adiante e leva-nos por entre campos, casas de pastores espalhadas por colinas atapetadas de flores, rebanhos que pastam. Os conhecedores poderão identificar a pega-azul, o guarda-rios, poupas e cotovias. As aves de maior porte e também mais raras, como a águia-imperial, o grifo ou o abutre-do-Egito, preferem as escarpas fluviais em pontos mais inacessíveis, junto às margens do Tejo e do Erges.
Um dos locais mais adequados para observar alguns destes pássaros imponentes é o Observatório, que não fica longe do Centro de Estudos da Natureza dos Alares, neste momento inactivo. Estas casas brancas rodeadas por alguns eucaliptos constituíam o antigo Posto da Guarda Fiscal, nos tempos em que a região era percorrida por contrabandistas que faziam em Espanha o seu negócio, atravessando a fronteira natural do rio pela calada da noite. A partir daqui é obrigatório avançar a pé; finalmente estamos em pleno Parque e tudo o que nos rodeia justificou a sua criação como área protegida. Para atingir o Observatório descemos pelo estradão de terra que passa do lado direito do portão e da placa identificativa do Centro de Estudos, tomando depois um carreiro que surge do lado esquerdo, em direcção ao Tejo. Atentos a todas as cores que despontam do chão, aos cantos dos pássaros e aos vultos furtivos dos muitos mamíferos que por aqui vivem, esperamos sempre ter a sorte de ver um veado, uma águia, encontrar um tufo de rosa-albardeira. Tudo depende da época do ano e da capacidade de observação.
Um dos lugares mais fascinantes do Parque são as ruínas da antiga aldeia do Alares, abandonada em 1925, data em que os seus habitantes foram expulsos pela população do Rosmaninhal, na sequência de uma questão de posse de terrenos. Não são monumentais; apenas casebres de xisto, muros, fornos e outras estruturas, quase todas sem telhado, espalhadas numa área mais baixa, que se avista de longe; mas o silêncio e o abandono estão personificados em cada pedra, tornando o lugar dramático. O passeio até lá, também a partir do Centro de Estudos da Natureza, revela-nos algumas das mais belas paisagens do Parque. Começamos por entre rosmaninho e azinheiras, passamos por uma charca onde os animais vêm matar a sede e um azinhal onde muitos javalis, raposas e veados se abrigam. Atravessamos um ribeiro, encontramos um forno antigo de xisto, abrem-se novas panorâmicas de cada vez que subimos a uma colina. E nos Alares, apercebemo-nos de que o êxodo rural tem o seu lado bom: a natureza vai ocupando o que já foi seu, os arbustos começam a crescer no que já foi uma cozinha, os javalis passam onde já foi um galinheiro. Aos poucos o matagal mediterrânico estender-se-á, prolongando o habitat das espécies em risco que aqui têm procurado abrigo.
A rosa de península
Rosa-albardeira, rosa-de-lobo, erva-casta, erva-de-santa-Rosa, são alguns dos nomes por que é conhecida. O nome albardeira chega-nos do árabe al ward – à letra, “a rosa” – e é essa a sensação que temos quando a vemos pela primeira vez: esta é “A” rosa por excelência, a rosa original em todo o seu esplendor selvagem. Tem dois ou três palmos de altura, as pétalas são redondas e regulares, passando os botões, com o tempo e a exposição ao sol, de um rosa avermelhado ao rosa claro. O perfume é doce e subtil. Trata-se de uma peónia selvagem, mas, ao contrário das outras quatro espécies, não aparece em toda a Europa.
Começou por se chamar Paeonia lusitanica (Miller), mas foi rebaptizada Paeonia broteroi (Boissier & Reuter) por se tratar de uma espécie endémica da Península Ibérica, onde aparece, com parcimónia, a Oeste e a Sul. Prefere lugares de estrato arbóreo esparso, menos expostos ao sol e perto de cursos de água. Floresce, brevemente, entre Março e Junho.
A família das peónias figurou em antigas farmacopeias como indicada no tratamento de epilepsia, convulsões e dores de cabeça, o que não é de todo impossível, já que foi identificada a presença de um alcalóide capaz de contrair os vasos sanguíneos. Para outros, também teria o poder de afugentar as tempestades e os espíritos malignos – para nós, a Paeonia broteroi é mais um exemplo da beleza e diversidade botânica que é possível encontrar no Parque Natural do Tejo Internacional, um excelente lugar para a procurar – mesmo que não se encontre, nunca será uma perda de tempo.
Nota: As visitas ao Parque Natural do Tejo Internacional devem ser acompanhadas por alguém que conheça a zona, uma vez que os percursos não estão marcados ou não são evidentes.
Guia de viagens ao Tejo Internacional
Este é um guia prático para viagens ao Tejo Internacional, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.
Como chegar
De Castelo Branco, sair no IP2 para a EN233 e tomar a EN240 em direcção a Espanha, até ao cruzamento com a EN353 que conduz ao Rosmaninhal. De Castelo Branco também há autocarros diários para o Rosmaninhal, que dista uns 280 quilómetros do Porto e 240 de Lisboa.
Onde ficar
Casa da Quercus. É o único lugar para dormir no Rosmaninhal. Trata-se de uma antiga casa tradicional de xisto, transformada de modo a acomodar dez pessoas em cinco quartos. Tem uma cozinha equipada à disposição e uma salamandra para os dias mais frios (levar lenha). Fica no Largo do Espírito Santo 13, 6060-422 Rosmaninhal. É preciso fazer reservas de antemão por telefone (272 324 272) ou email (castelobranco@quercus.pt).
Hotel Estrela da Idanha. Em Idanha-a-Nova, numa casa acolhedora e central, com SPA, piscina e jardim.
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Sabores
Café Pelourinho
Dificilmente pode ser apelidado de restaurante, mas resolve o problema a quem não quer ou não gosta de cozinhar, com pratos simples que é preciso encomendar com umas horas de antecedência. Fica no Largo do Pelourinho, Rosmaninhal.
Pizzaria Helanabar
Muito mais do que uma pizzaria, este acolhedor restaurante também tem alguns pratos regionais, como ensopado de borrego. As migas de peixe são servidas aqui (e em outros restaurantes), a pedido do cliente.
Cooperativa dos Queijos
É o primeiro edifício da Zona Industrial de Idanha-a-Nova. Para provar (e comprar) os excelentes queijos regionais.
Património
Forno Comunitário e Lagar de Azeite
Duas das estruturas indispensáveis em qualquer aldeia raiana estão abertas ao público para visita, e do forno ainda saem os típicos bolos de leite, broas de mel e borrachões. Para informações sobre funcionamento e visitas, contactar o Centro Cultural Raiano, Zona Nova de Expansão, 6060 Idanha-a-Nova. Telefone: 277202900.
Contactos e informações úteis
Centro Cultural Raiano
Este centro cultural tem duas exposições permanentes sobre olaria e apicultura que vale a pena visitar. É também aqui que se organiza visitas ao tradicional lagar e forno comunitário. Em Idanha-a-Nova. Tel. 277202900.
Ruínas dos Alares
É a não perder, este lugar particularmente dramático do Parque, enquadrado por belíssimas paisagens de montado. O caminho até lá é o melhor cartão de visita desta área protegida, com possibilidade de avistar alguns dos seus habitantes mais silvestres, e as ruínas são o local ideal para um piquenique abrigado do vento. A sua localização só se atinge com alguém que conheça ou seguindo o percurso indicado no Guia de Percursos (ver Ajudas).
Quercus no Rosmaninhal e Sede do Parque Natural do Tejo Internacional
Rua Sra. da Piedade, Lt. 4-A, Escr.3
6000-279 Castelo Branco
Guia de Percursos do Tejo Internacional
Absolutamente indispensável para conhecer os lugares essenciais do Parque, pelo menos até que o ICN produza um outro ou organize percursos guiados. À venda na Casa da Quercus (12,5 Euros). Mais informações sobre o Tejo Internacional nos sites do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Gostei da narrativa.
Saliento apenas que atualmente existem várias ofertas de dormidas no Rosmaninhal, turismo rural e também existe pelo menos um restaurante, Sabores da Raia, pelo que sugiro que atualizem essa informação.
Obrigada.
Obrigado pela mensagem. Esta reportagem sobre o Tejo Internacional é muito antiga, as dicas práticas precisam de atualização.