A vila de S. Vicente fica na costa norte da Madeira, num daqueles locais que sem serem raros na ilha, não deixam de assombrar quem chega pela beleza natural da sua localização, na boca de um vale estreito e verde que termina no mar. E pela hospitalidade, se ficarmos na Casa da Piedade, uma típica casa madeirense com vista para os picos que delimitam a paisagem e para as casinhas brancas das povoações.
Casa da Piedade
Conta a família que a casa data do século XVIII e tem o nome da última proprietária, mas em 1995, data da sua recuperação, já pouco mais sobrava que as paredes com janelas, alguma cantaria, um velho forno e a lareira, que hoje ainda aquece a sala do piso de baixo. O desenho é simples: um paralelepípedo que imita as casinhas desenhadas por crianças, uma escadinha lateral que leva a um átrio fechado por janelas, que deixam ver o abundante verde cá fora. Alguns degraus sobem para uma sala comum e para a cozinha; um lanço de escadas desce para outra sala e mais quartos.
Em cima é o lugar dos espaços iluminados, que convidam a leituras e reúnem os hóspedes em pequenos-almoços tranquilos, ou em jantares mais animados, já que a cozinha está aberta a todos. Em baixo, os quartos abrem as portadas para o jardim, e a sala comum oferece uma lareira para as noites frias junto à televisão, ou para o aconchego de uma conversa. Não que se passe muito frio na Madeira (embora cada vez que eu referisse isso durante a minha estadia, todos me apontassem com ar sério que chega a nevar!), mas aqui no norte a meteorologia é menos fiável e menos beneficiada pelas temperaturas amenas do Funchal e arredores, onde os extensos bananais me fazem sorrir ao pensar em neve.
Seja como for, mesmo dentro de casa se vê que a Madeira é um jardim. E nada melhor para o provar que este vale de S. Vicente, sempre verde e com água à vista, seja a da ribeira que corre no vale, seja a do mar. Penhascos envolvidos pela floresta laurissilva desenham um relevo dramático no céu, que é azul durante o dia, para ficar coberto por nuvens de algodão ao fim da tarde.
Nos pequenos campos junto à casa, a caminho do centro da vila de S. Vicente, a vindima terminou. São minúsculos os “poios”, ou socalcos, onde se consegue plantar um pouco de tudo, incluindo algumas espécies que lembram os trópicos, como o inhame. No jardim da casa há palmeiras e fetos arbóreos, altos e protetores, como guarda-sóis gigantes, mas também hibiscos e estrelícias. O relvado convida a passear descalço – e como a ilha, apesar de húmida e frondosa, é desprovida de cobras, não há perigos escondidos. Mesas, cadeiras e chaises longues proporcionam um poiso para as tardes mais preguiçosas, com vista para os montes e para freguesias que podem ter nomes apetitosos, como a de Ginjas. Para os dias mais ativos, estamos a dois passos de algumas levadas que nos podem ocupar num belo dia de sol, e que prometem um mergulho mais profundo no verde.
A Casa da Piedade fica escondida junto a uma pequena estrada lateral que sabe bem descer a pé até à vila, passando pelas Grutas e Centro de Vulcanismo onde se explica – e verifica – o nascimento da ilha, percorrendo a pé antigos tubos de lava dentro da montanha.
A vila de S. Vicente fica lá no fundo, já bem perto do mar, e está abrigada numa escarpa coberta de vegetação, com o casario centrado em redor da bela igreja flanqueada por uma fila de palmeiras. De chão empedrado e casinhas brancas, santinhos nas janelas e mercearias à moda antiga mas bem recheadas, é um verdadeiro exemplo de recuperação. Sem ser museu, manteve as linhas adaptando-se ao turismo: não faltam cafezinhos e esplanadas para descansar os pés e a vista, protegidos do vento do mar. Não se espere, porém, uma praia digna desse nome; apenas uma enseada de calhaus que enchem o ar com um som de marulhar pedregoso a cada retirada das ondas. Mas esta é o tipo de costa que apetece aos surfistas ou aos apreciadores de oceanos, que podem gozar a vista numa das esplanadas de cafezinhos e restaurantes alinhados em fila do outro lado da estrada, que percorre a costa norte entre Porto Moniz e São Jorge.
Do alto de um monte sobranceiro à Casa da Piedade fica a Capela de Nossa Senhora de Fátima, mais torre que capela, mas com um panorama impressionante. Dali abrange-se o vale inteiro, socalcos e casario da Encumeada até ao mar, que aparece lá ao fundo, apertado entre montanhas e espreitando por uma fenda larga. A casa, com paredes cor de salmão e janelas de ripinhas pintadas de verde-escuro, é mais para ver do que para ser vista, já que é difícil descortiná-la a partir da estrada ou do monte. Do seu jardim o mar é apenas um sentimento, tão embrenhados estamos entre montes, floresta e campos cultivados, vigiados de perto pelos cubos brancos das casas espalhadas pelas encostas. Mas de qualquer um dos sete quartos podemos avistar esta paisagem fabulosa, que vai mudando com as horas do dia.
A única ferida na paisagem é a estrada que percorre o fundo do vale até ao mar, uma larga tira de asfalto que o corta em dois, mas une mais do que separa: por esta estrada, menos panorâmica que antiga, é certo, mas bem mais segura que as velhas serpentinas que antes serviam de vias de comunicação, pode-se agora chegar ao Funchal em cerca de quarenta e cinco minutos, sem pressas.
No interior, as mobílias antigas de alguns quartos e os objetos espalhados pela casa, de velhos santos a arcas antigas, são arcaísmos no conforto da casa, que tem tanto de abrigo como de casa de uma tia afastada, recriando o ambiente de um solar de família. E vê-se que foi reinventada com carinho, embora a intenção direta não fosse a habitação própria, mas a adaptação ao turismo. Foi o mesmo carinho que levou a proprietária a adquirir a parte distribuída por outros herdeiros e seguir, com a ajuda da filha, a obra começada pelo marido. Neste momento estão planeadas algumas remodelações, e em breve poderemos, quem sabe, apreciar a paisagem de dentro de uma piscina…
Guia prático
Este é um pequeno guia com informação prática para planear a sua estadia na casa de turismo rural Casa da Piedade.
Como chegar a S. Vicente
S. Vicente fica na costa norte da Ilha da Madeira e é facilmente acessível por estrada, com veículo próprio ou de transporte público a partir do Funchal: a empresa Rodoeste sai da Avenida do Mar, em direção a S. Vicente, várias vezes por dia.
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