Por terras de Barroso, uma casa deve ser assim: robusta e resistente aos calores e frios intensos; grande, para abrigar com privacidade famílias alargadas e visitas; e com história para contar à lareira – outra coisa que nunca falta numa cozinha barrosã que se preze. Visita à unidade de turismo rural Casa de São Cristóvão, em Boticas.
Casa de São Cristóvão
Era mais modesta, a casa agrícola que aqui se encontrava, como testemunha uma antiga imagem que nos mostra José Moura, atual proprietário da Casa de São Cristóvão: uma casa branca com um palheiro ao lado, sem reboco nem pintura, baixo e de pedra nua como todos os palheiros da zona. Hoje vemos um edifício bastante maior, de fachada debruada por uma varanda onde despontam flores garridas.
Os campos à volta também faziam parte do património da família de Maria da Conceição, mas o casal viu-os serem expropriados para darem lugar ao jardim municipal e parque de lazer, atravessado pelo ribeiro de Fontão, que é agora um espelho de água serpenteante quebrado por pequenos açudes. “Não há problema – a casa também usufrui do espaço público, que até ficou melhor”, diz-nos José Moura. Aproveitou-se um espigueiro que já existia no campo, um curioso moinho com telhado feito de lajes de granito viajou de outra aldeia, grupos de pedregulhos aparecem como “tufos” ajardinados, abrigando plantas em ilha sobre a relva que ladeia a água. E é aqui mesmo, no meio do ribeiro, que fica a imagem de São Cristóvão durante a semana de festejos que culminam no terceiro fim de semana de agosto.
O santo deu nome ao largo que já foi eira, onde dois palheiros restaurados pela Câmara Municipal albergam uma loja de artesanato e o posto de turismo – e deu também nome à Casa de São Cristóvão, que fica no mesmo largo e que sempre abrigou este “santo de roca” – uma espécie de armação que só tem cara, braços e pernas – que é vestido todos os anos antes de ser colocado no rio. Agora está instalado no museu, mas antes “dormia na nossa adega, em cima dos tonéis de vinho”, conta Maria da Conceição, que nasceu aqui e se lembra bem da casa. “Em cima era a habitação, com cinco quartos, duas salas, uma cozinha, uma casa de banho e um terraço. Em baixo era a adega, três lagares, loja de animais, forno e pátio”. Produziam o famoso Vinho dos Mortos, agora ameaçado de extinção porque grande parte da população emigrou, descontente com uma vida de magra subsistência.
A casa data de fins do século XVIII e esteve quase sempre ocupada pela família; houve apenas um pequeno interregno, entre o falecimento dos avós de Maria da Conceição e o regresso do “Ultramar” de uma família amiga, que chegou sem posses nem abrigo; e ali ficaram, na casa então devoluta, por mais de dez anos, até se mudarem para outro lugar. Entretanto a casa foi-se degradando, até chegar ao ponto de ter pouco conserto. E em lugar tão central desta vila calma, rodeada por montanhas bem arborizadas, “havia necessidade absoluta de revitalizar este espaço nobre com uma atividade que não o estragasse”. A ideia foi imediatamente a do Turismo Rural – e até hoje só há mais três casas TER (Turismo em Espaço Rural) no concelho. O processo de proposta e aprovação do projecto pela DGT decorreu durante dois anos, entre 1995 e 1997. As obras terminaram em 1999 e no mesmo ano já recebiam os primeiros turistas. Pelo caminho ficaram esperas e adiamentos, e uma colaboração de 48% da DGT “dentro dos limites elegíveis”, terminando com uma despesa efetiva de cerca de cento e vinte mil euros.
O que foi feito? Antes de mais, demolir e aproveitar materiais: pedra de granito, que continua a ser a matéria-prima das paredes, tábuas de madeira que forram agora a varanda, duas portas, um oratório do século XVI, também de granito, em destaque numa das salas – “antes estava num quarto interior, que estas coisas não eram para se ver”, diz José Moura. As pias dos porcos aparecem agora nas paredes, transformadas em nichos, a enorme masseira serve de arca para as toalhas. Na recepção, o balcão é de granito e por trás vê-se a antiga prensa do lagar, feita em pedra e madeira. O segundo recurso foi a “prata da casa”: as restantes portas e o soalho do primeiro andar foram feitos com madeira de castanho dos soutos da família. Cortados antecipadamente e secos dentro de água para largarem a seiva, os castanheiros fazem agora parte integrante da casa.
As modificações prenderam-se, antes de mais, com a intenção deliberada de “manter a tradição dando conforto a quem a utiliza”: a parte de cima é o lugar dos hóspedes, com cinco quartos com casa de banho, e mais um reservado para a família. O telhado é constituído por duas placas cobertas por telhas de cano, as paredes levaram um forro em tijolo com isolamento de permeio. Rebocadas e pintadas de branco, decoradas com desenhos e pequenos oratórios de madeira, pelos cantos e corredores enquadram uma arca forrada a pele, um lavatório de louça com jarro, uma grafonola e outros objetos de aspeto antigo. A escada que faz ligação com o rés-do-chão é iluminada por uma claraboia – invenção nova depois de hesitações e desconstruções do que ia sendo feito.
No piso de baixo, o chão de terra foi coberto a tijoleira e as paredes têm o granito à vista. Aqui, para além de uma grande lareira sobre um fundo recoberto a cobre, há uma série de objetos decorativos oferecidos por “hóspedes que se tornam amigos”: cerâmicas, cabaças pintadas, desenhos – e fotografias de um belíssimo moinho integrado numa paisagem agreste e húmida, que se transformou no novo projeto de recuperação de José Moura, já em fase de acabamento. As duas cozinhas, que ficam na parte de trás da casa, não podiam ser mais diferentes. A de serviço agrada, com toda a certeza, à ASAE; a regional nem por isso, com os troncos de lenha para a lareira empilhados debaixo do escano, o caldeirão de cobre encaixado por baixo da chaminé, os seus assadores de metal e a louça antiga – colecionada com afinco por Maria da Conceição – exposta no louceiro de desenho arcaico, cópia de um que se desfez com o tempo. Na primeira trabalha-se, na segunda desenrola-se o serviço de refeições por marcações, os banquetes, as reuniões profissionais, de família ou, muito simplesmente, serve-se o pequeno-almoço aos hóspedes. Desfilam compotas caseiras, marmelada, mel. A casa produz os seus próprios produtos da horta e de fumeiro, como o presunto. De vez em quando coze-se pão, infinitamente mais saboroso e duradouro que as infames bolas de trigo insuflado que correm pelo país. A combinação das duas cozinhas revela os valores apontados como favoritos pelo proprietário: a funcionalidade e o conforto, a combinação do moderno com o tradicional.
Visualmente, o exterior sofreu duas grandes modificações, sendo uma delas a varanda que corre ao longo da parte superior da fachada, oferecendo aos hóspedes uma vista soberba sobre os montes e o espelho de água. A segunda modificação importante é o pequeno palheiro, que não só foi integrado na casa, crescendo em altura e volume, como teve a sua frontaria transformada em porta principal, com um alpendre e uma parede de vidro lateral invisível, que não fecha a vista sobre a eira e palheiros recuperados do turismo, mas protege de alguma brisa incómoda.
Apesar da beleza rústica da casa, da sua cozinha tradicional acolhedora e quartos confortáveis, a taxa de ocupação deixa muito a desejar, como confessa o proprietário, acrescentando que “este tipo de coisas não se faz só para ganhar dinheiro”. Talvez a razão me tenha sido dada por ele mesmo, ainda antes de ir a Boticas: “Isto não é uma terra numa estrada de passagem; a Boticas só se vem de propósito”. E a verdade é que vale mesmo a pena, mas poucos sabem disso.
Reservar Casa de São Cristóvão
Guia prático
Este é um pequeno guia com informação prática para planear a sua estadia na casa de turismo rural Casa de São Cristóvão.
Como chegar a Boticas
A Casa de São Cristóvão está localizada na vila de Boticas, distrito de Vila Real, em Trás-os-Montes. Vindo do Porto, Coimbra ou Lisboa, acabará por tomar a autoestrada A3, depois a A7 no sentido Guimarães / Vila Pouca de Aguiar e, finalmente, a A24 em direção a Chaves até à saída para a EN 103, onde deverá prosseguir rumo a Boticas.
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