Cinco casas genuínas numa aldeia genuína, em pleno Parque Natural de Montesinho. Para quem não procura uma ruralidade absolutamente solitária, mas um encontro com a natureza em meio rural – e em terra de contrabandistas. Visita às unidades de turismo de aldeia Casas de Casares.
Casas de Casares
Na parede de um dos quartos há um ninho, abandonado pelos seus habitantes na altura das obras de reconstrução. Entalado entre uma das traves de outra casa ficou mais um, palhas tecidas em redondo, aconchego de ovos e pássaros neste clima agreste da Serra de Montesinho, onde a geada se pode alongar quase até ao verão. Abundância de água: só nesta aldeia dos Casares há dez minas de água pura que nasce das rochas. O inverno deixa a paisagem queimada, as árvores despidas e os carvalhos cinzentos de frio, mas rente ao chão há sempre um toque de verde.
A uma dúzia de quilómetros de Vinhais, cinquenta de Bragança e pouco mais de vinte de Rio de Onor, a aldeia é um aglomerado tradicional no seu verdadeiro sentido: como manda a tradição está quase abandonada, a última taberna fechou, e já se perpetraram dois ou três crimes arquitectónicos.
Valha-nos projetos como este, de Turismo de Aldeia, que pedem um mínimo de cinco casas na mesma localidade – o que numa aldeia tão pequena é um número que pode fazer a diferença. Este é o único projeto desse tipo no Norte do país, e bem podia servir de exemplo. Como a maior parte dos empreendimentos deste género, surge pelo interesse na zona e depois transforma-se numa partilha – que exige as compensações que lhe dão “pernas para andar” – e numa paixão. Para Fernando Costa, o interesse começou numas casas que os Serviços Florestais puseram à venda na zona. “Fui ver, porque pensei que podia ficar com uma para recuperar e fazer uma casa de fim de semana para a família”. Por várias razões, o negócio não se concluiu, mas Fernando ficou a conhecer melhor a região.
Residente em Bragança, ainda não conhecia Casares quando, num seminário do ICN sobre natureza, um dos oradores, daí natural, respondeu a perguntas sobre a aldeia e um castro ali próximo. Palavra puxa ação, Fernando foi posto na pista de possíveis casas à venda na localidade. Gostou logo da terra e da Casa do Medronheiro, situada num alto, bem exposta e ainda com algumas paredes bem conservadas. Também gostou da dos Picotinhos, sobranceira à aldeia e com vistas desimpedidas sobre os “montesinhos” que se estendem Espanha adentro; estas foram as primeiras casas a serem adquiridas, dois palheiros que tratou de erguer aproveitando as paredes e subindo o pé direito. O projeto delineou-se e tomou força. Seguiram-se as casas situadas no centro da povoação, e que eram antigas habitações: a Casa da Mina, a da Figueira – e a Casa d’Afonte, que “chegou a ser residência de antepassados do poeta Ary dos Santos!” Todas tomaram nomes relativos à sua localização: junto a uma fonte, a uma mina de água, a uma árvore – e o termo “picotinhos” refere-se aos sucessivos picos (altos) do lugar.
São cinco, pois, as casas abertas aos hóspedes, e um pequeno palheiro ao lado da Casa d’Afonte, próxima da entrada da aldeia, funciona como receção. Com paredes de xisto rematadas por telha regional, estão perfeitamente integradas no pequeno aglomerado de casas rodeadas por campos, com vista sobre mais campos e outras casas, tudo sob um céu azul-pálido partilhado com Espanha, que começa já aqui. Como muitas aldeias da raia, Casares sempre foi terra de contrabandistas. Complementava-se com risco de vida o pouco que a terra dava, com incursões em aldeias tão pobres como estas mas que ofereciam outros produtos, conforme a procura. Hoje ainda se pode percorrer o Trilho dos Moinhos – “e do contrabando, que continuava depois do rio”, acrescenta Fernando – revivendo aqueles tempos. Depois foi a época da emigração para a Europa rica, de onde poucos regressavam. Agora o futuro é este: agricultura de subsistência e turismo. Agosto é o mês de maior ocupação, e as nacionalidades mais assíduas são a espanhola e a portuguesa. Às vezes juntam-se grupos de amigos, que se distribuem pelas casas e fazem os seus serões na do Medronheiro, que tem a sala maior. Em volta da lareira provam-se os produtos agrícolas locais, legumes, ovos e mel comprados a um vizinho de ocasião. Já a Casa dos Picotinhos, apenas com um quarto de casal, é o ninho preferido pelos pares em lua-de-mel…
Mas para aqui chegar foi preciso muito trabalho: durante três anos, Fernando viajou quase diariamente com os operários que tinha de trazer de Bragança, juntamente com a maior parte do material necessário; aos materiais locais, como a pedra, a madeira de castanho e de carvalho, às sólidas vigas e soleiras de pedra que restavam nos escombros, juntou-se a telha regional, a subtelha ondulina e lã de rocha, para o aconchego dos telhados. Para os interiores, escolheu-se a madeira para forros de tecto e para as escadarias que unem as salas do rés-do-chão com os quartos no primeiro andar, e tijoleira para o chão; só a Casa do Medronheiro tem chão de basalto. Talvez por ser aquela em que mais vive a rocha: a sala foi literalmente conquistada à pedra, à força de martelo; metade da sua área foi escavada num enorme penedo de xisto – a lareira e a parede onde foi esculpida são prova disso. Nos dias de vendaval, a água insiste em descer num fio delicado pela pedra, ao lado do fogo – e um pequeno rego no chão trata de a fazer desaparecer sem deixar marcas. A casa de banho de serviço fica mesmo ao lado: uma pequena cabina de madeira entre os penedos das paredes, onde o lavatório aparece igualmente cravado em lajes de xisto.
Em 2004, a obra foi dada como concluída: trezentos mil euros de investimento subsidiados pelo PRIME, 50% não-reembolsável. Para além dos seus ninhos de anteriores ocupantes, todas oferecem uma cozinha e uma sala com lareira, dois quartos (à exceção da dos Picotinhos) com uma decoração tão simples que se confundem entre si: as mobílias são de castanho antigo, as traves grossas ressaltam do branco das paredes rebocadas; todas têm aquecimento central e televisão, mas não faltam pormenores arcaicos que foram preservados ou criados, como nichos de parede e assentos de pedra junto às janelas. Há trancas de madeira nas janelas e até lugar para prender o cavalo, caso seja necessário.
As Casas d’Afonte, da Mina e da Figueira – esta última com uma bonita varanda tradicional de madeira, que dá sobre a rua – ficam bem dentro da povoação, onde o perfume do fumeiro e a cortesia dos cumprimentos são incontornáveis, tornando mais real a experiência da aldeia. Picotinhos e Medronheiro equilibram-se em pontas sobre a paisagem, ambas com áreas externas à casa preparadas para o silêncio da leitura de um livro, ou o convívio de um almoço no exterior: mesas de madeira e de xisto, bancos de ferro e madeira, a sombra de uma oliveira, um coberto de troncos e ramos secos.
Fruto do esforço, tantas vezes físico, de Fernando Costa, que faz questão de dizer que meteu as mãos ao trabalho com os operários, Casares encaixa cada vez mais nas palavras de Miguel Torga sobre Trás-os-Montes: “Fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos”.
Guia prático
Este é um pequeno guia com informação prática para planear a sua estadia na casa de turismo rural Casas de Casares.
Como chegar a Vinhais
As Casas de Casares situam-se no Parque Natural de Montesinho, a cerca de 50 quilómetros de Bragança. Vindo do Porto, Lisboa, Braga ou Coimbra, acabará por tomar o IP4, seguindo até ao desvio Mirandela-Norte, onde deve tomar a direção Vinhais. Em Vinhais, em frente ao edifício do seminário, apanhar a EN316 até Salgueiros, seguindo, então, pela EN308 até à aldeia da Moimenta. A dois quilómetros de Moimenta aparece uma estrada municipal com ligação à aldeia dos Casares.
Tel.: (+351) 934 346 673
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