O vinho tomou o nome do Porto, mas é na margem oposta do Douro, em Gaia, que está instalado o país do vinho fino do Douro. Hic! Ali se podem visitar quinze caves, templos maiores da devoção a Baco, ou apenas peregrinar (hic!) pelos inúmeros estabelecimentos onde é possível fazer libações desse néctar. Visita guiada às caves do Vinho do Porto.
Baco tem muitas capelas
Há no jornalismo, é verdade, trabalhos bem difíceis de executar. Mas alguém tem de fazê-los, sob pena de o leitor se ver privado de informação essencial e afastado, enfim, da totalidade dos elementos que compõem a realidade. Foi, portanto, armados de determinação e de nobres e viris sentimentos, como o denodo, o esforço e o dever profissional, que, um dia destes, atravessámos a Ponte D. Luís I, entre o Porto e Gaia, para penetrar, quais intrépidos descobridores, no obscuro mundo das caves onde envelhece o mais famoso produto português: o Vinho do Porto.
Vá lá: os deuses tinham-se posto de acordo para tornar a tarefa menos agreste e o dia estava soalheiro e morno, mostrando o casario do centro histórico do Porto, do outro lado do rio, a sua mais festiva face.
Não é em vão, aliás, que aqui se invocam os deuses. Visitar as caves do Vinho do Porto é, desde logo, prestar homenagem devota a Baco e, porque não?, às ninfas desnudas que com ele parecem dançar no grande painel de azulejos que assinala o início da incursão pelos domínios da Ramos Pinto.
Saiba por isso o leitor que não nos furtamos, sob nenhuma hipótese, às comunhões deste credo, honrando-o com as libações da praxe. Esforçando-nos por manter a moderação, também nós erguemos os báquicos cálices desta celebração e, vendo como a luz atravessava o rubro nos néctares, aspirámos do perfume deles, sentimo-los no palato. E em peregrinação fomos aos diversos templos da adoração.
Para ser “do Porto”, o vinho tem que ser cultivado e colhido na Região Demarcada pelo Marquês de Pombal em 1756 e envelhecido nas caves de Vila Nova de Gaia. Daí que a cidade da margem esquerda do Douro seja, hoje, uma espécie de país do Vinho do Porto. Aqui estão disponíveis para visita quinze caves, verdadeiros templos da báquica religião, para além de um número considerável de capelas de menor dimensão, lojas e estabelecimentos de provas pertencentes às diversas marcas exportadoras e ainda uma vasta panóplia de bares, restaurantes e esplanadas onde podem ser feitas as libações mais recatadas.
E há ainda a presença pitoresca dos barcos rabelos que até 1965, pela Primavera, transportavam o vinho desde as quintas até aos armazéns. Estão agora estacionados na margem, já sem outro préstimo que não seja o de prestar testemunho quieto e histórico dessa outra época, enquadrando a preceito as fotografias que se façam do centro histórico do Porto. Participam ainda numa regata anual, que se disputa no dia 24 de Junho.
Ao todo, e segundo números oficiais, as caves do Vinho do Porto (e a indústria turística que em seu redor se gerou) foram demandadas, durante o ano de 2006, por cerca de seiscentos mil turistas, sem contar com aqueles que apenas visitam o Museu do Vinho do Porto, na marginal do Porto, ou que se deixam ficar a bebericar um cálice nesse miradouro privilegiado sobre o rio que há no Solar do Vinho do Porto, junto aos Jardins do Palácio de Cristal, também no tripeiro burgo.
Não por acaso, toda a área do chamado centro histórico de Vila Nova de Gaia, onde estão instaladas as caves e os armazéns das empresas exportadoras de Vinho do Porto, está actualmente a ser objecto de um ambicioso programa de reabilitação, iniciado com a requalificação dos espaços públicos e a construção do centro de lazer do Cais de Gaia. Ao abrigo do chamado Master Plan, há projectos para a criação de novos equipamentos de turismo e lazer, desde hotéis de cinco estrelas a complexos de residenciais de luxo destinados ao mercado internacional das segundas habitações, passando por um teleférico e um SPA de termalismo vinícola.
São muitos, pois, e serão ainda mais no futuro, os templos que cultuam o vinho único nascido nos solos de xisto dos socalcos do Douro e amadurecido na penumbra fresca e húmida das caves gaienses. Muitos e variados, já se vê.
No que apenas diz respeito às caves onde, há pelo menos três séculos, o Vinho do Porto estagia antes da trasfega para as garrafas, há informações que se repetem, mas também emoções novas e diversas a experimentar conforme o espaço visitado, justificando, de algum modo, que a incursão se multiplique.
Como denominador comum a todas as visitas, os fiéis são brindados com informações relativas à produção do Vinho do Porto, das vinhas à garrafa, tomam contacto com a história da bebida, aprendem as diferenças que há entre um tawny e um ruby, ou entre um vintage e um LBV, e recebem aconselhamento sobre o melhor modo de guardar e consumir as diferentes declinações do especioso néctar.
Fora aquilo que se repete, cada cave é, a seu modo, um mundo à parte, cuja visita é inevitavelmente culminada pela prova de dois vinhos, um branco e um tinto, capazes, só por si, de repor as energias necessárias para atingir o passo seguinte da báquica procissão. Não por acaso, nos rótulos das garrafas enviadas para o Brasil no início do século XX, a casa Ramos Pinto identificava o produto incluso como uma bebida tónico-nutritiva… Se, como no dia em que prestamos devoção ao deus do vinho, o céu estiver limpo, bem vai ser preciso combustível extra para avivar a chama do culto, pois o caminho, por exemplo, para as históricas caves Taylor’s é duro e de encosta arriba, pela pitoresca Rua do Choupelo acima. Mas a fé, já se sabe, exige sacrifícios aos seus crentes.
Se também lhe acontecer terminar o dia extenuado pela canseira a que a adoração a Baco obriga, siga ainda um último conselho: deixe-se cair na esplanada que há diante do edifício da Sandeman e, uma vez em paz, assista ao entardecer nas fachadas do centro histórico do Porto com as canelas esticadas e um Portotonic na mão.
Quatro Caves de Vinho do Porto
Caves Taylor’s
A firma Taylor Fladgate & Yeatman foi fundada em 1693, ainda antes da demarcação pombalina da região vinícola do Douro. É, assim, uma das mais antigas companhias exportadoras ligadas ao Vinho do Porto, mantendo, do mesmo passo, um carácter familiar e uma certa rusticidade nas suas caves, dominadas pelos altos tectos com velhas traves de madeira escurecida e pela presença das pipas e das cubas, aqui e ali decoradas por pitorescas teias de aranha. O clima é propositadamente obscuro e misterioso, marcado pelo penetrante perfume dos vapores de vinho libertados pela porosidade das madeiras, no interior das quais repousam até sete milhões de litros de Vinho do Porto.
Os visitantes cruzam-se com trabalhadores que retiram vinho das cubas de madeira ou assistem à remoção das pipas de um lado para o outro, rebolando-as pelo chão ensaibrado. Das visitas que realizámos, esta foi aquela cujas explicações históricas e técnicas parecem ter suscitado maior adesão por parte dos visitantes, sendo a locução pontilhada por comentários bem-dispostos e com a marca de um certo humor, normalmente designado como britânico.
Para além da visita e das provas, realizadas num ambiente informal e com vista para o jardim por onde passam gatos, galinhas e pavões, o complexo Taylor’s é ainda composto pelo restaurante Barão de Fladgate e uma esplanada com uma vista extraordinária sobre o Douro e o centro histórico do Porto, Património da Humanidade. Os vinhos da marca podem ser adquiridos numa loja anexa, sendo ainda possível marcar previamente visitas para grupos. Espalhadas pelos diversos espaços há ainda tampas de barris assinadas por alguns visitantes ilustres, entre primeiros-ministros e presidentes de várias repúblicas do mundo todo.
Morada: Rua do Choupelo, 250
Aberto todo o ano, de segunda a sexta-feira e das 10h00 às 18h00
www.taylor.pt
Caves Ferreira
Os visitantes são recebidos num espaço amplo e decorado por exemplares de velhas máquinas ligadas à produção do Vinho do Porto e dominado por enormes cubas de cimento pintadas de branco. Há uma placa assinalando o nível atingido pela cheia do Douro em 23 de Dezembro de 1909 e uma exposição de antigos rótulos da marca impulsionada por Antónia Adelaide Ferreira. A visita inicia-se, aliás, numa sala onde está exposto um retrato e alguns objectos pessoais da histórica “Ferreirinha”.
De notar que os paralelepípedos do andar inferior não são de granito, como é costume, mas da mesma madeira de carvalho utilizado na confecção das pipas e das cubas.
As provas são realizadas numa sala enorme com grandes mesas corridas, onde os visitantes são convidados a sentarem-se. Os produtos da marca podem ser adquiridos na loja anexa, havendo ainda a possibilidade de marcação de visitas de grupo. Em 2007 ganhou o prémio Best of Wine Tourism.
Morada: Avenida Ramos Pinto, 70
Aberto todo o ano, de segunda a domingo, das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00. Entrada: 3 euros, descontáveis na compra de uma garrafa de Vinho do Porto
www.sogrape.pt
Caves Ramos Pinto
A visita ao edifício onde a firma fundada por Adriano Ramos Pinto se instalou em 1909 é uma festa para os apreciadores da decoração Arte Nova. A área de armazenamento é relativamente pequena, com espaço para guardar 200 mil litros de vinho em pipas enceradas, pelo que o prato principal é mesmo a passagem pelos antigos escritórios da empresa, dominados por painéis de azulejos e por mobiliário de madeiras sólidas e nobres, perfumadas, com os seus brilhos discretos e requintados.
Nas paredes e nas velhas secretárias transformadas em vitrinas fica narrada a história de uma marca que, desde os primeiros tempos, se pautou pelo arrojo estético e moral, evidente nesse painel de azulejos onde um Baco obeso brinca com as ninfas do Douro e em alguns dos antigos cartazes da marca. Ali podem ser vistos os originais da “Tentação de Santo Antão”, de 1908, desenhado por Leopoldo Metlicovitz, ou do célebre “O Beijo”, de 1929, desenhado por Henry Vincent e que continua a ser a imagem de marca da Ramos Pinto.
Não menos interessantes são o vitral desenhado por Marques da Silva, a belíssima casa de banho ou o exemplar do Porto dos Prelados, uma marca “benzida” pelo bispo do Porto e que conquistou o clero indiano. O escritório de Adriano Ramos Pinto, com o imponente trono destinado aos clientes, e a garrafa devolvida vazia pelos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral (que deviam tê-la entregue ao presidente brasileiro em 1922) são outras das atracções deste espaço semeado de histórias. São possíveis visitas de grupo com marcação prévia.
Morada: Avenida Ramos Pinto, 380
Aberto todo o ano, de segunda a sábado durante o Verão, das 10h00 às 18h00, e de segunda a sexta-feira no resto do ano, das 9h00 às 13h00 e das 14h00 às 17h00
www.ramospinto.pt
Caves Real Companhia Velha
Localizado fora do centro histórico de Gaia e da chamada “zona das caves”, o complexo industrial da Real Companhia Velha justifica bem uma visita, ou não se tratasse da empresa que resultou do decreto pombalino de demarcação da região vinícola do Douro. Fundada nesse mesmo ano de 1756 pelo rei D. José I, a firma está sediada desde o final do século XIX na zona da Serra do Pilar, à ilharga da actual Avenida D. João I, que serve de acesso à Ponte do Infante, num bem cuidado exemplar da arquitectura industrial de transição entre os séculos XIX e XX.
A Real Companhia Velha guarda ainda, aliás, um valiosíssimo espólio documental relativo à história do Vinho do Porto e da Região Demarcada do Douro, o qual, porém, não está acessível ao público em geral, apenas podendo ser consultado mediante requisição antecipada. Longe das salas onde esse tesouro fica guardado, a visita segue por penumbrentos e imponentes armazéns, onde estagiam os tawny, em cascos de 635 litros, e os ruby, em enormes balseiros que podem chegar ao 81 mil litros. Nas vasilhas mais pequenas, cobertas de um pó que parece estar ali desde o início dos tempos, há ainda vinhos com indicação do ano de colheita, os quais envelhecem pachorrentamente e sem pressa. O casco mais antigo guarda, refira-se, uma colheita de 1867.
Verdadeiramente notável é a frasqueira dedicada aos vintage da Real Companhia Velha. O mais antigo vintage ali guardado, sob uma campânula de vidro coberta de pó, data de 1765, nove anos após a fundação da empresa, mas cada garrafa, deitada e dormente na quase escuridão da cave, é um caso único, com uma carapaça de fungos e teias de aranha abraçando os gargalos, talhando, ao acaso, delicadas esculturas.
A visita custa dois euros e dá direito a provar dois vinhos.
Morada: Rua Azevedo Magalhães, 314
De 16 de Março a Setembro: todos os dias das 9h30 às 19h00.
Outubro: de Segunda a Sexta das 9h30 às 17h00. Sábado e Domingo só com reserva prévia.
De Novembro a 15 de Março: encerrado. Aberto só com reserva prévia.
www.realcompanhiavelha.pt
Guia de viagens ao Porto
Este é um guia prático para viagens ao Porto, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos no Porto, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.
Quando ir
A Primavera e Verão são provavelmente as duas épocas mais agradáveis para visitar o Porto e as suas caves.
Como ir
Se viaja do Brasil, a TAP tem ligações aéreas directas para o Porto a partir do Rio de Janeiro, e imensas rotas com escala em Lisboa a partir de várias cidades brasileiras.
Onde ficar
Em ambas as margens do Rio Douro, mas especialmente no Porto, a oferta hoteleira é vasta e variada. Sugere-se a consulta do texto sobre onde ficar no Porto; mas poderá igualmente conhecer o alojamento existente em Gaia. Se pretende subir o rio e conhecer a origem dos vinhos do Porto, vale a pena conhecer alguns dos melhores hotéis do Douro.
Informações
Os sites oficiais do Turismo de Portugal e do Turismo do Porto oferecem informação atualizada sobre os principais pontos turísticos do Porto. Visite ainda o espaço online da Associação das Empresas de Vinho do Porto para informação relativa ao turismo nas caves.
Seguro de viagem
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