Não é um bairro triste, Chinatown. Pode ser claustrofóbico, cinzento e labiríntico, mas o comércio intenso e as centenas de restaurantes de cozinha oriental que florescem nas suas ruas – da Broadway a Canal Street, de Bowery a Worth Street – pinta o cenário de muitas cores, sons e odores. Chinatown é o ladrilho mais fascinante do mosaico étnico de Nova Iorque.
Acordei, como nas outras manhãs, ao som de sirenes e buzinas que ecoam no labirinto de paredes dos arranha-céus. Pela janela do quarto vejo pessoas minúsculas que se agitam em todas as direções a caminho dos seus trabalhos. Nas ruas circulam centenas de pequenos retângulos amarelos em exercícios de condução arriscados – os típicos yellow cabs nova-iorquinos. O coração da grande maçã começou a bater. Cá em baixo, junto a Times Square, mergulho na corrente de multidão e deixo-me transportar pela Broadway em direção à baixa de Manhattan. Hoje procuro Chinatown.
Olhando para os edifícios que rasgam o céu, alinhados em corredores sem fim, torna-se difícil adivinhar como será um bairro chinês bem no meio de Nova Iorque. Será que Chinatown mantém orgulhosamente uma personalidade oriental, com pagodes chineses e templos onde ardem paus de incenso? Ou será este bairro apenas mais uma peça do puzzle de torres de betão, forradas a vidro? Cinco quilómetros depois começo a descobrir a resposta.
Canal Street, em plena baixa de Manhattan, é uma autêntica fronteira entre um mundo ocidental e um outro genuinamente oriental, que se começa a desenhar ao longo desta movimentada artéria nova-iorquina. As multidões de judeus, negros e latinos, que me acompanharam até aqui, dão agora lugar a uma muito mais gigantesca mole humana composta por milhares de asiáticos.
Aqui vivem e trabalham um número estimado de 150.000 chineses que se espalham por uma dúzia de quarteirões constituindo a segunda maior comunidade asiática dos Estados Unidos, logo a seguir a São Francisco.
Chinatown é uma rede de malha apertada feita de ruas estreitas e prédios velhos em tijolo de onde saem escadas de incêndio ferrugentas. Mas não é triste. O comércio intenso que floresce nas suas ruas pinta de muitas cores um cenário à partida cinzento. Nas montras de Canal Street vêem-se, quando a multidão abre algumas clareiras, centenas de artigos eletrónicos a preços tentadores. Telemóveis, videojogos, aparelhagens e uma interminável coleção de relógios das melhores marcas suíças, fabricadas algures na Ásia, preenchem os sonhos dos inúmeros olhos atentos que se colam ao vidro. As lojas multiplicam-se em réplicas, difíceis de distinguir, todas com os mesmos artigos e com preços muito semelhantes.
Como se não bastasse, a concorrência, protagonizada por árabes ou negros, instalou-se em força nos passeios, montando pequenas mesas e bancadas onde artigos ainda mais baratos, mas não de origem menos duvidosa, atraem e distraem os olhares dos potenciais clientes de Chinatown.
A outra face mais conhecida do comércio é representada pelos restaurantes de cozinha oriental, onde a escolha se divide entre comida chinesa, vietnamita, tailandesa, cantonesa e malaia. Os patos e frangos são assados, untados com molho e orgulhosamente pendurados nas montras dos restaurantes chineses, à semelhança de qualquer outra loja que não está mais do que a expor o que tem para vender. Esta é seguramente a zona de Nova Iorque onde se come mais por menos dinheiro, apesar disso implicar uma difícil escolha entre dim sum, lo mein ou chow fon que nos são apresentados na enorme lista do Hee Sheung Fung, um das centenas de restaurantes de Chinatown.
Se penetrarmos mais no interior deste mundo, para lá de Canal Street, vamos encontrar mercados de fruta, legumes e peixe onde as cores se diluem nos pregões atarefados dos vendedores. Os chineses não abdicam da sua culinária e o que se vê à venda é o retrato fiel dos seus gostos gastronómicos. Nabos, batatas, beringelas esquisitas, rebentos de bambu, litchias, couves chinesas, caranguejos, carpas, chás variados e uma enorme paleta de especiarias misturam-se com uma série de outros produtos desconhecidos a que não me atrevo dar um nome. Chego a duvidar se algumas destas coisas serão mesmo comestíveis.
Para além dos milhares de asiáticos, também alguns artistas e intelectuais que colonizaram o SOHO, uns quarteirões mais acima, percorrem diariamente estas ruas em busca dos ingredientes exóticos com que preparam as suas refeições. Pintores, escultores ou mesmo caras famosas como Robert de Niro ou Woody Allen não são estranhos entre os clientes habituais de Chinatown, sobretudo em supermercados como a Kam Kuo Food Corporation, no número 7 da Mott Street, especialista nos mais estranhos e raros ingredientes da cozinha oriental.
Ao longo desta rua, vendedores de peixe vestidos com aventais brancos, salpicados de escamas, respondem aos olhares mais curiosos erguendo enormes exemplares ao mesmo tempo que repetem insistentemente no seu inglês achinesado: “fish, very fresh… very good“.
Mesmo ao lado desta anarquia comercial, entre um cabeleireiro e um restaurante, surgem inesperadamente as portas de um templo budista que acolhe simultaneamente os devotos e os clientes de uma loja, nas traseiras da mesma sala!
A cada passo Chinatown surpreende. Aos poucos revela-se não apenas um bairro, mas um autêntico país dentro de uma cidade: as cabines telefónicas têm telhados estilo pagode chinês, tal como a cobertura das lâmpadas, nos postes de iluminação; nos bancos, as caixas de pagamento automático têm as instruções de utilização escritas em chinês, à semelhança das placas com o nome das ruas, dos sinais de trânsito e mesmo das estações do metro. Esta comunidade, ainda que bem longe da China, vive uma independência e fidelidade cultural tão marcadas que a torna completamente diferente dos outros bairros de Nova Iorque, hoje meros súbditos do American Dream.
Por várias vezes perguntei-me como era possível estas pessoas manterem durante tanto tempo a sua língua, tradições, religião e até arquitetura, no seio de uma sociedade tão diferente. Só fiquei suficientemente esclarecido quando espreitei pela porta de um videoclube e vi que a maioria dos filmes, senão todos, eram chineses ou legendados em chinês – como aquele que passava naquele momento num pequeno ecrã. Da mesma forma, Chinatown assegura a publicação de sete jornais de língua chinesa numa área com pouco mais de… um quilómetro quadrado.
Os seus limites geográficos são no entanto difíceis de estabelecer. Há muito tempo que a vitalidade dos chineses fez transbordar o seu comércio para fora do retângulo formado pela Broadway, Canal Street, Bowery e Worth Street. Aos poucos as lojas, os restaurantes e os bancos chineses foram invadindo subtilmente as ruas de Little Italy – o bairro italiano tão antigo quanto os primeiros imigrantes que desembarcaram na cidade.
Hoje é normal vermos lojas de fogo de artifício – uma especialidade tipicamente chinesa – ao lado das mais requintadas pizarias, deixando um pouco confuso quem lê o painel “Welcome to Little Italy”, estrategicamente colocado entre dois prédios, junto a Canal Street. Entretanto, os italianos mais jovens vão-se mudando para Bensonhurst, Brooklin e para Belmont, no Bronx, onde nascem novos bairros latinos, longe da agressiva concorrência asiática.
Columbus Park, a única zona verde de Chinatown, surge-me como um oásis ao virar de uma esquina. É aqui que as crianças chinesas vêm brincar quando saem das escolas e onde os mais idosos descansam à sombra das poucas árvores. Às vezes organizam-se festas para estas crianças, distribuem-se brinquedos e guloseimas e aparecem palhaços ou até mesmo o Batman, que faz arregalar os pequenos olhos em bico. Estando aqui sentado, dificilmente, se imagina a confusão nas ruas à volta.
De volta às ruas, empurrado por uma multidão de asiáticos, envolvido por uma atmosfera carregada de aromas de chá e incenso, cheiros de comidas orientais, o som caótico de músicas e buzinas, sinto-me encarnar por breves instantes numa personagem de Blade Runner, algures num futuro próximo. Não resisti; deixei-me arrastar.
Ao fim da tarde, iluminada pela luz dourada dos últimos raios, Chinatown vai fechando as suas portas, uma a uma até mergulhar no escuro da noite. As ruas estão agora completamente vazias e o silêncio que tomou conta de todos estes quarteirões apenas é interrompido pelo murmurar de um velho e lento camião do lixo. Não fosse a luz destes lampiões chineses e juraria estar num outro lugar. A porta do restaurante Yeun Yeun acabou de se fechar e momentos depois, na estação de Canal Street, já ouço o chiar dos carris ao fundo dos túneis.
Durante três dias voltei a Chinatown. Para mim, o ladrilho mais fascinante do mosaico étnico de Nova Iorque.
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