Alma de Viajante

Blog de Viagens de Filipe Morato Gomes

  • Destinos A-Z
  • Portugal
  • Brasil
  • África
  • América
  • Ásia
  • Europa
  • Oceânia
Destino: Ásia » Mongólia » Inesperadas Melodias no Deserto de Gobi (VM #06)

Inesperadas Melodias no Deserto de Gobi (VM #06)

Por Filipe Morato Gomes | Atualizado em 21 Jul 2017 | Volta ao Mundo Ásia Mongólia 3 Comentários

Viagens: Deserto de Gobi, Mongólia

Algo inesperado me sobressalta no mercado de Dalanzadgad, em pleno Deserto de Gobi, algures numa Mongólia fascinante mas profunda. Recordações que me fazem cantarolar o refrão de uma canção. E sorrir.

Jamais me passaria pela cabeça acontecimento tão surreal em pleno Deserto de Gobi. No coração de uma Mongólia profunda e acessível apenas por estradas que não o são, caminhos tortuosos roubados à aridez pedregosa de planícies acastanhadas ou a leitos de rio esvaziados de água. Um lugar onde os quilómetros se medem em horas e o tempo passa ao ritmo lento de um camelo em movimento.

Cores do deserto ao entardecer, Mongólia
Cores do deserto ao entardecer, Mongólia

Partimos da capital Ulan Bator munidos de um fogão a gás, vários conjuntos de pratos e talheres e alguma comida, víveres indispensáveis para ultrapassar a monótona gastronomia mongol baseada quase exclusivamente em carne de carneiro. É inacreditável como toda uma população sobrevive comendo carneiro a todas as refeições, cozinhado é certo de várias formas mas de sabor invariavelmente semelhante, cheiro forte e penetrante, enjoativo. E é assim em todo o país. Exasperante.

Mas foi, aliás, ao sabor de um prato de carneiro que o grupo para esta expedição todo-o-terreno começou a tomar forma. Na companhia de duas simpáticas suíças, homónimas por casualidade, esboçou-se ali mesmo, entre duas garfadas da dita carne, aquilo em que esta expedição se transformou: uma longa viagem numa carrinha russa de tracção total por diferentes partes da Mongólia rural, do Deserto de Gobi aos grandes lagos no norte do país.

Conduz a carrinha Nêma, mongol de nascença, óptimo condutor e pessoa de confiança mas incapaz de pronunciar mais do que umas muito básicas palavras em inglês. Acompanham-nos ainda dois irmãos israelitas – Ofri e Eilon -, excelentes companheiros e viajantes experientes e ainda o canadiano Christian que, por inacreditável coincidência, se cruza de novo no meu caminho. Descubro que Ofri saiu de Israel há já quatro anos, mal terminado o prolongado e obrigatório serviço militar. Viaja por onde lhe apetece até o dinheiro terminar, escolhe um poiso temporário para reabastecimento financeiro trabalhando nalgum ofício rentável, volta à estrada, trabalha de novo, conhece o mundo. “Quando voltas para Israel?”, interrogo curioso. “Não tenho planos para regressar”, responde com desarmante naturalidade.

Mercado de Dalanzadgad, Mongólia
Mercado de Dalanzadgad, Mongólia

Parámos, então, na pequena mas comparativamente importante cidade de Dalanzadgad para compra de mantimentos fundamentais para os próximos dias da expedição. Pão, esparguete, tomates, pepinos, cebolas, água e o que mais se encontrar. E papel higiénico. No mercado local, apinhado de gente vinda provavelmente de bastante longe, um burburinho próprio dos negócios de rua é abruptamente abafado por sons oriundos não se percebe bem de onde. De um café, de um automóvel, sim, do interior de uma carrinha igual à nossa estacionada nas proximidades – identifico finalmente.

Reconheço, como que atordoado, a sonoridade ecoando nas paredes das casas, a voz, aquele misto de inglês e português estrangeirado que a todos inundou os tímpanos meses atrás. Não quero acreditar, é por demais surreal. Mas não é sonho. Estou no meio de um mercado de rua, na praça central de uma povoação algures no Deserto de Gobi, rodeado de pessoas de face diferente, costumes estranhos e trajar típico, longe de casa, muito longe, ouvindo o hino do Euro 2004 pela voz da luso-canadiana Nelly Furtado. Inacreditável. Mas não resisto a cantarolar o refrão, sorrindo, sorrindo abertamente tal qual um emigrante desempoeirando memórias antigas do seu querido país. Uma partida pregada pelo Deserto.

Um dos tradicionais <i>gers</i> mongóis onde pernoitei no Deserto de Gobi
Um dos tradicionais gers mongóis onde pernoitei no Deserto de Gobi

Sobre o Gobi – palavra que significa ela própria deserto -, descubro que não chega nunca a ser um mar de areia e dunas sem fim à vista. É um terreno cada vez mais árido à medida que a fronteira sul da Mongólia se aproxima, mais pedregoso e com menos vegetação. Mas fértil em vida animal. Povoações são raras. Pequenos grupos de pessoas, normalmente unidas por laços familiares, formam espaçadamente minúsculas comunidades compostas por três ou quatro circulares pedaços de tradição a que os mongóis chamam gers – a habitação mongol por excelência. Vivem incrivelmente isolados, sem vizinhos nas proximidades e aparentemente afastados do mundo que os rodeia. Aparentemente, pois não é raro vislumbrar um rasgo de civilização moderna e tecnologicamente desenvolvida nesses rústicos lares, em mais uma insólita imagem nestas paisagens longínquas. Antenas parabólicas. E já não me surpreenderia se também aqui novos e velhos cantarolassem aquela melodia que me sobressaltou no mercado de Dalanzadgad.

Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

SUBSCREVER NEWSLETTER

Saiba mais sobre: Volta ao Mundo Ásia Mongólia

Planeie a sua próxima viagem

A melhor forma de ajudar o Alma de Viajante a manter-se sem anúncios e continuar a inspirar e a dar dicas de viagens gratuitamente é usando os links disponibilizados neste artigo para fazer as suas reservas. Nomeadamente:

Encontre os melhores voos no Skyscanner. Nos resultados da pesquisa, escolha de preferência a própria companhia aérea.

Pesquise os melhores hotéis no Booking.com. É onde eu faço a maioria das minhas reservas. Alternativamente, procure casas e apartamentos no airbnb.

Não se esqueça de fazer um seguro de viagem na IATI Seguros (usando este link tem 5% de desconto) ou na World Nomads (5% de desconto usando o código FMGOME5). Mais vale viajar descansado.

Por fim, poupe centenas de euros em taxas bancárias usando o cartão TransferWise.

« Lua de invulgar mel na linha transmongol (VM #05)
Percalços na Verdejante Mongólia Central (VM #07) »

Comentários

  1. Pedro

    O deserto invoca o deserto. A terra parece ter uma crescente receptibilidade à solidão. Lugar que invoca e provoca. Urra!. Estou perto de um lugar chamado Edene na Mongólia, coraçãozão do Gobi. Lembro de Atacama porquanto me lembra Atacama. A vastidão ao derredor não tem fim. O bege cashmere do nivelado geral não aceita verde. É absoluto. Aceitou o preto da engenharia rodoviária que lá me levou. “From the things a man builds maybe the road is the one that most suggests him the fast, the transitory and the ephemeral in life“…:)

    Responder
  2. Pedro

    Continuo a viagem a 600 km a sudeste da capitalzona Ulan Bator, perto da fronteira com a China. O landscape não se altera com a velocidade. Parece que o negro sideral por onde viajamos se transmuta num azul mais forte quando nos desertos. Se o religioso francês Charles de Foucauld – o São Paulo do Saara – sentiu o silêncio absoluto naquele pleno deserto a 1000km de Argel onde viveu no ano 1900, hoje não seria mais possível. É que um jato assim me fez concluir. Diviso-o cruzando na vastidão celeste acima provavelmente numa rota Tóquio-Europa. O rastro branco fica mais branco naquele mundão do espaço sem nuvens. E o trovejado das turbinas quebra aquele silêncio que só Charles de Foucauld e seus contemporâneos puderam experimentar…:)

    Responder
  3. Pedro

    E naquele mundão oriental um visitante pode ser um intruso, surpreendido pelo paradoxo de paradigmas. Desloco nivelado, solo arenoso 1/2 pedregulhado, raríssimas gramíneas quase invisíveis, abro minha própria estrada com simples rastro da caminhonete. Nada me impede, pois na frente não há nada, como que um vácuo no horizonte estupendo e sem fim. Magnífica a coisa. Diviso então um paradoxo de paradigmas. Depois do nada e no meio do nada, aparece como que um espectro uma barraca branca circular de cuja única porta irrompe uma criatura humana. 2 cachorros vem bravos ao meu encontro. O irmão humano me fita imóvel aquele súbito, ilustre, intruso e fugaz visitante e os cachorros latem. Eu não sei o que passou na minha cabeça porquanto do insólito do paradoxo do limite da sobrevivência humana e animal. Bom, talvez os latidos dos cachorros foram ouvidos em Ulan Bator pois o livríssimo descampado ao derredor é extremamente aberto ao extremo…urra!!…:)

    Responder

Deixe uma resposta Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Em caso de dúvida, leia a política de comentários do blog.

Sobre o autor

Filipe Morato Gomes, blogger de viagens

Olá! O meu nome é Filipe Morato Gomes, vivo em Matosinhos, Portugal, sou blogger de viagens, co-autor do projeto Hotelandia e Presidente da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses.

Tenho, atualmente, 49 anos e muita experiência de viagem acumulada. Já dei duas voltas ao mundo, fiz dezenas de viagens independentes e fui líder de viagens de aventura.

Assine a newsletter e receba o livro da minha primeira volta ao mundo gratuitamente (está esgotado nas livrarias).

Explore o blog

  • Comece aqui
  • Artigos de viagens
  • Inspiração
  • Planear viagens
  • Blogging
  • Notícias

Temas

  • Roteiros
  • Património UNESCO
  • Hotelaria
  • Gastronomia
  • Fotografia
  • Trekking
  • Praias

Grandes viagens

  • Volta ao Mundo
  • Diário da Pikitim
  • Do Cairo a Teerão

Os meus convidados

  • Portugueses pelo Mundo
  • Viagens na Minha Terra

Artigos mais populares

  • 25 viagens que quero fazer até 2030
  • Como cancelar viagens
  • Não tenhas medo de viajar sozinho
  • Como comprar voos baratos
  • Roteiro de viagem no Japão
  • Roteiro em Portugal
  • Passadiços do Paiva
  • Aldeias do Xisto da Serra da Lousã
  • Roteiro de viagem em Malta
  • Onde ficar em Malta
  • Guia de praias de Maiorca
  • Onde ficar em Maiorca
  • Onde ficar em Londres
  • Onde ficar em Bruxelas
  • Onde ficar em Lisboa
  • Onde ficar no Porto
  • Revolut, um cartão (quase) sem taxas
  • Voos low cost
  • Viajar com crianças
  • Como criar um blog de viagens

Blog fundador da ABVP

ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses

Destino: Mongólia

Pesquise os melhores voos no Skyscanner

Reserve um hotel em Mongólia e aproveite as promoções do booking

Peça o seu cartão TransferWise e poupe nas taxas bancárias.

Não se esqueça de fazer um seguro de viagem na World Nomads (5% de desconto usando o código FMGOME5) ou na IATI Seguros (usando este link tem 5% de desconto).

Sobre

Alma de Viajante é um blog de viagens sob o mote “Viajar. Partilhar. Inspirar.”, onde partilho de forma pessoal e intimista as minhas viagens pelo mundo. O objetivo é “descomplicar” e inspirar mais gente a viajar como forma de enriquecimento pessoal. Há também guias, roteiros e dicas para o ajudar a viajar. Note que sou um blogger de viagens, não um operador turístico. Saiba mais sobre o Alma de Viajante.

Contactos · Na imprensa

Política editorial

O Alma de Viajante é um blog completamente independente. Nenhum eventual parceiro tem qualquer influência no conteúdo editorial publicado e só recomendo aquilo que uso nas minhas viagens. É ponto de honra! Conheça a minha política editorial e comercial.

Redes sociais

Mais de 250.000 pessoas viajam com Alma de Viajante nas principais redes sociais. Junte-se a esta comunidade de amantes de viagens, Assine a newsletter e inspire-se com as minhas aventuras em destinos de todo o mundo.

Copyright © 2021 Alma de Viajante · Um blog de viagens com roteiros, dicas e muita inspiração para viajar mais e melhor · Jornalismo de viagens