Deserto de Gobi
Com a velha carrinha russa abastecida de víveres para os próximos dias, saímos de Ulan Bator em direção ao remoto e esparsamente populado deserto de Gobi, no sul da Mongólia. Tinha chegado à capital Ulan Bator há três ou quatro dias, tempo necessário para encontrar cinco companheiros de ocasião – duas amigas suíças, dois irmãos israelitas e um canadiano solitário – para dividir as despesas e explorar o Gobi em conjunto.
Nos arredores de Ulan Bator, os edifícios em altura, de influência soviética, iam dando lugar a enormes bairros de gers e casas coloridas, protegidos por cercas de madeira desordenadas. A estrada era por enquanto de asfalto, e assim se manteve por vários quilómetros até que, pouco depois de circundarmos uma ponte caída, fruto de uma intempérie recente, o condutor mongol saiu da estrada e entrou num pequeno trilho de terra batida onde nos cruzámos com uma manada de vacas.
Daí para a frente, os bovinos dariam lugar às aves de rapina, aos iaques, aos camelos e às cabras de montanha. Quando me instalei no primeiro ger da viagem, a aventura a caminho do deserto de Gobi estava verdadeiramente a começar.
Sabia da existência de figuras rupestres na região de Baga Gazrim Chulee e, com o intuito de as conhecer, mostrei ao patriarca da família onde passara a noite uma fotografia com gravuras na pedra, enquanto, na universal linguagem corporal, encolhi os ombros, abri ambas as mãos com as palmas viradas ao céu e estiquei o sobrolho: “Onde?” O velho percebeu, fez um sinal indicando que era algo muito pequeno e soltou uma gargalhada.
Acedeu, ainda assim, a mostrar-nos um exemplar das gravuras perdidas nos planaltos da Mongólia central, não muito longe do vale onde a sua família se instalara. Entrou no carro e conduziu-nos pelo meio de pedras e pedregulhos sem trilhos marcados até dar ordem de paragem; saiu e apontou para uma pedra do tamanho de uma cabra deitada: as figuras rupestres estavam – e estavam mesmo! – ali gravadas. Tal como em muitas outras pedras semelhantes espalhadas pelo planalto, explicou.
Seguimos então em direção a Luns, entreposto fundamental para reabastecimento de combustível, não sem antes contemplarmos as ruínas do imponente templo Sum Kokh Bund, localizado com perfeição numa ilha de um pequeno lago. Face à ausência de chuva, o lago dera temporariamente lugar a um verdejante campo de pastagens aproveitado por cavalos em hora de refeição. O lugar era deveras bonito, mas o ponto alto do dia estava guardado para a região montanhosa de Tsagaan Suvarga.
Consta que há milhões de anos a área estava submersa no mar, facto que as marcas geológicas nas escarpas parecem confirmar. Lá em baixo, com o deserto de Gobi cada vez mais próximo, areias a perder de vista em tons de amarelo, laranja, salmão, vermelho, bege e branco conferiam à paisagem um toque especial. Desci rumo às areias onduladas, deixando-me rodear por uma paleta de cores inacreditável.
Estávamos já a curta distância de nenhures, o local onde viviam os anfitriões dessa noite. O sol aproximava-se furiosamente do horizonte quando me sentei num tosco alpendre de madeira construído perto dos gers. Alaranjou-se, avioletou-se, desapareceu.
Manhã cedo, era então dia de visitar Dalanzadgad, a maior cidade implantada no deserto de Gobi e virtualmente o único local da região onde, com alguma sorte, se encontram legumes e fruta frescos. Não muitos, é certo, mas ainda assim os suficientes para conferir variedade à ementa gastronómica e descansar temporariamente do sabor a carneiro. O mercado de Dalanzadgad é um lugar fascinante que fervilha de vida, ao ar livre, rodeado de pequenas mercearias de bairro e onde vale a pena deixar-se ficar.
Prosseguimos então por estradas pouco dignas desse nome até Yolin An (o Vale do Gelo), um vale assombroso onde é possível fazer caminhadas ao longo do que no Inverno é o leito de um rio, observar animais selvagens ou, simplesmente, contemplar a paisagem. A envolvência mudara radicalmente, mas não haveria de demorar até estarmos de novo em ambientes desérticos, à medida que as areias avermelhadas de Bayanzag e os seus famosos vestígios de dinossáurios se aproximavam.
Não tardaria muito até chegar às dunas de Khongoryn, porventura o objetivo maior desta incursão pelo deserto de Gobi.
Uma família instalada no sopé das dunas – bem longe dos pretensiosos tourist camps da região -, deu-me as boas-vindas debaixo de uma forte e improvável chuvada em pleno deserto de Gobi. Sim, chovia quando cheguei a Khongoryn!
As crianças vendiam pequenas peças de artesanato em lã de ovelha. Havia camelos para quem quisesse conhecer as dunas no dorso das resistentes criaturas. No alto das dunas, a vista era deslumbrante: de um lado, uma estreita língua de dunas que se estendia ao longo de incontáveis quilómetros; do outro, em cujo solo os gers estão instalados, uma espécie de oásis esverdeava de forma ligeira o amarelo dominante da paisagem. E assim ficámos, deslumbrados, deixando que o deserto de Gobi – e a areia das dunas! – se nos colasse à pele.
É um lugar único, Khongoryn, e um dos poucos omnipresentes nas excursões organizadas que visitam o deserto de Gobi. Para mim, era também o ponto a partir do qual o Sul ficaria pelas costas. A partir de Khongoryn, bem no sul da Mongólia, iria rumar a zonas mais verdejantes do país. O deserto ficaria para trás; as memórias guardadas na alma.
Embrenhar-me no Gobi foi uma das melhores experiências de todas as minhas viagens.
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O melhor das (minhas) viagens
A Matinal desafiou-me a partilhar “o que há de melhor em viajar”, incentivando-me a recorrer ao baú de memórias para partilhar experiências marcantes vividas em viagem. Assim nasce esta série de artigos com alguns dos melhores momentos das viagens que tenho feito pelo mundo:
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- Estocolmo: espelho meu, existe cidade na Europa mais bela do que eu?
- Despertar com os monges de Luang Prabang
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