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O Misterioso Mundo dos Tepuis Venezuelanos (VM #64)

Por Filipe Morato Gomes

Viagens: Gran Sabana, Venezuela - Volta ao Mundo

Entro no sudeste da Venezuela e paro na primeira povoação existente logo após a fronteira. Aí, em Santa Elena de Uairén, encanto-me com a visão das formações montanhosas a que os indígenas Pemón chamaram tepuis e com a beleza verdejante da Gran Sabana. E sigo depois para Ciudad Bolívar, a cidade que mudou de nome em honra do “Libertador” da pátria, Simon Bolívar, não sem antes presenciar os intrigantes controlos policiais nas estradas da região.

Santa Elena de Uairén foi a primeira cidade que encontrei após atravessar a fronteira com o Brasil. Acabara de entrar na Venezuela e, ao contrário da maioria das povoações fronteiriças que já conheci, era um lugar relaxado. Não era um povoado bonito – longe disso – mas não apresentava aquele caos comum às pequenas terras fronteiriças, nem o típico ambiente de lugar sem lei. Notei a ausência do burburinho dos cambistas de rua, dos vendedores agressivos, de malandros em geral e outros oportunistas. Uma surpresa.

Soroape, Gran Sabana, sudeste da Venezuela
Belo riacho na região de Soroape, Gran Sabana, sudeste da Venezuela

Apesar disso, os viajantes não se costumam delongar pela cidade. Chegam com objectivos bem definidos e ficam em Santa Elena de Uairén apenas o tempo suficiente para organizar as actividades planeadas. Visitar as paisagens verdejantes da Gran Sabana e conhecer o misterioso mundo dos tepuis venezuelanos.

Tepui foi como o povo indígena Pemón chamou às formações de topo plano e escarpas verticais e profundas que abundam na região. A palavra significa, simplesmente, montanha. Mas não são umas montanhas quaisquer, os tepuis. São formações que resultam de milhões de anos de erosão e, no topo das quais, devido ao seu isolamento umas em relação às outras, se desenvolveram ecossistemas únicos, com fauna e flora particulares. Muitas espécies que ali se desenvolveram não se encontram em nenhum outro lugar do planeta. Consta, aliás, que aproximadamente metade das plantas presentes no topo dos tepuis são endémicas, o que, a ser verdade, os torna num dos lugares com mais elevada percentagem de fauna endémica de todo o mundo.

Tepuis da Grand Sabana, Venezuela
Uma viajante brasileira fotografando um dos tepuis da Grand Sabana, no miradouro “Os Quatro Ventos”, Venezuela

De todos os tepuis da Gran Sabana, há um que é especialmente conhecido entre os viajantes, fruto da facilidade com que se pode ascender ao seu topo. O Roraima é um planalto situado a 2.700 metros de altitude e localizado na fronteira tripartida entre a Venezuela, a Guiana e o Brasil. Encontrei viajantes que tinham acabado de regressar dessa extenuante aventura de seis dias. Como uma estoniana que, com ar cansado mas um lindo sorriso nos lábios, afirmou: “Foi uma experiência muito cansativa mas fascinante. Dormir no topo de Roraima foi maravilhoso”. Sem valentia para encarar a longa caminhada para essa preciosidade natural, visitei apenas algumas cascatas e miradouros, apreciei de longe os tepuis, emergi na beleza serena e esverdeada da Gran Sabana, e decidi rumar depois a Ciudad Bolívar num autocarro nocturno.

Viajar durante a noite constitui, quase sempre, uma enorme vantagem. De comboio ou de autocarro. Perde-se o prazer de observar a paisagem, é certo, mas economiza-se uma noite de hotel, percorrem-se longas distâncias sem esforço e acorda-se num novo lugar pronto a explorá-lo, depois de uma noite de sono. Quase sempre.

Eram sete da noite quando um veículo todo-o-terreno me deixou no primeiro dos inúmeros postos de controlo militares à saída de Santa Elena de Uairén. Vinha do passeio pela Gran Sabana e o autocarro com destino a Ciudad Bolívar sairia de Santa Elena de Uairén daí a meia hora. Não havia, por isso, tempo de o apanhar na origem. Felizmente. Porque assim pude observar o misterioso controlo que os profissionais do exército efectuavam sobre todos os veículos em trânsito. Mandavam-nos parar, abriam as portas e a bagageira, apontavam lanternas para o interior de ambas, olhavam, perguntavam algo do tipo “o que levam aí?” e, um ou dois minutos depois, ordenavam aos veículos que prosseguissem viagem. Nada mais.

Ciudad Bolívar, Venezuela
A simpatia de jovens estudantes venezuelanas, em Ciudad Bolívar

Intrigado, e após ter ganho confiança com o grupo que efectuava a patrulha, decidi perguntar ao cabo de serviço o que procuravam naquelas revistas. “Tudo” – respondeu com ar de quem tem por missão algo importantíssimo. “Drogas, armas, imigrantes ilegais… tudo!” – acrescentou. Curiosa resposta. Não havia sequer cães para as buscas. E não me ocorreria que alguém transportando drogas, armas ou algo ilegal o fizesse, justamente, no cimo de toda a outra bagagem e bem à vista das autoridades. Uma mera formalidade, portanto. Ficara com vontade de aprofundar o assunto mas, pelo sim pelo não, optei pelo silêncio.

Algum tempo depois, as luzes dianteiras do autocarro iluminavam o posto de controlo. Durante toda a viagem, a cada par de horas, o autocarro parava e era acometido por militares. Pediam os passaportes, comparavam a foto com a pessoa, passavam ao próximo passageiro. Só me recordo de controlos deste género num outro país e por motivos diferentes. Eram controlos bem mais rigorosos e que visavam, de forma clara, registar o movimento das pessoas pelo país. Foi em Burma (Myanmar), um país gerido por uma junta militar. Não estava à espera de ver isto na Venezuela. Quando por fim cheguei a Ciudad Bolívar, não tinha dormido nem apreciado a paisagem.

A outrora denominada Angostura foi a cidade onde o herói nacional Simón Bolívar – “O Libertador” – montou a base das operações militares contra as forças espanholas que haveriam de resultar na sua expulsão. Hoje, Ciudad Bolívar mantém ainda alguns traços coloniais, um centro histórico bonito e colorido e muita gente jovem. Mas, debaixo de temperaturas que rondavam quase constantemente uns abrasadores quarenta graus, não havia quem se aventurasse em passeatas pela cidade para além do essencial. A sombra era um dos “bens” mais preciosos em Ciudad Bolívar, o calor era insuportável. A altura ideal para me dirigir às águas refrescantes das Caraíbas venezuelanas.

Livro Alma de ViajanteEsta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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