Após passar pela capital Hanói e pela histórica Hué, reencontro uma temporária companheira de viagem e com ela vou às compras nos famosos alfaiates de Hoi An, uma pitoresca localidade no centro do Vietname. Depois de tanto tempo a viajar sozinho, ter companhia é uma mudança extremamente bem-vinda.
Hanói é uma cidade encantadora. Cheia de carácter. Encontrei-a fervilhando de vida a cada esquina da zona velha, com pequeno comércio de toda a espécie, milhares de motoretas percorrendo as ruas incessantemente, os passeios tomados de assalto por vendedores ambulantes e motorizadas estacionadas. Apesar da agitação, sentia-me confortável em Hanói. Mas estava já há bastante tempo no norte do Vietname, pelo que decidi prosseguir viagem para sul onde, após uma curta paragem em Hué – antiga cidade imperial -, rumaria sem delongas para a pitoresca povoação de Hoi An.
Estava eu de saída de Hanói quando recebi uma mensagem de correio electrónico de alguém meu conhecido. Era uma daquelas missivas colectivas, de certa forma impessoais mas simpáticas, dirigidas a grupos de amigos que se vão conhecendo mundo fora, contando o que se tem feito, por onde se tem andado, enfim, partilhando experiências da própria viagem. A remetente era Marie, uma dinamarquesa que tinha encontrado de supetão nas estepes da Mongólia, mais de dois meses e meio atrás. Agradável surpresa. Não tínhamos mantido contacto até à data, mas fiquei dessa forma a saber que ela estaria em Hoi An daí a dois dias. O meu próximo destino. Respondi à mensagem. E assim combinámos reencontrar-nos lá, para dois dedos de prosa ao sabor de umas rodadas de Tiger, excelente cerveja de produção singapurense.
Parti para Hoi An com grandes expectativas, pois é sentimento comum entre os viajantes independentes que Hoi An é uma das mais aprazíveis paragens em todo o litoral do Vietname. E mal cheguei, após uma curta mas bela jornada num autocarro sem graça, logo me apercebi dos motivos dessa afeição. Descobri uma povoação extremamente bonita, limpa e arejada, mantendo uma íntima ligação com o rio que a banha, com habitações térreas coloridas e bem cuidadas, flores nas ruas. Um lugar onde os peões ainda impõem algumas leis e a quantidade de veículos é notoriamente inferior ao que estou habituado. E um paraíso para quem pretende renovar o seu guarda-roupa sem despender fortunas.
Hoi An é terra de alfaiates e sapateiros. Todos os viajantes vindos de Hoi An que encontrei até à data, sem excepção, tinham lá mandado fazer fatos completos, vestidos de noite, calças ou camisas, saias ou tops, sandálias ou botas. Modelos decalcados de volumosos catálogos com as mais conceituadas e dispendiosas marcas de criadores internacionais. Consumidores mais determinados traziam de casa recortes de revistas com os modelos pretendidos. E outros, com maior talento, desenhavam in loco, pelo próprio punho, os cortes desejados.
Quanto a mim, não necessitava de roupa mais distinta. Nem tão pouco sou possuidor de abundante paciência para compras. Limitei-me, por isso, a acompanhar Marie em duas sessões de medidas e provas. Folheou dezenas de catálogos e revistas, escolheu os modelos para as saias pretendidas, definiu os tecidos e as cores, sujeitou-se a minuciosas medições e, por fim, despediu-se. No dia seguinte, compareceu à primeira prova. Uma vez detectadas pequenas imperfeições, os ajustes apenas demoraram cerca de uma hora. E a nova sessão de prova comprovou que tudo se encontrava conforme o seu desejo. Assim se adquirem duas novas peças de vestuário. E o mesmo acontece com calçado, fabricado à medida do pé do cliente, em 24 horas e por preços irrisórios.
Novas visitas a diferentes alfaiates à parte, durante a minha estadia em Hoi An estive quase sempre acompanhado por Marie. Ambos viajámos já por um longo período de tempo, ambos de forma solitária. E sabe bem ter um parceiro de viagem depois de tanto tempo na estrada. Para partilhar momentos simples como uma ida à praia. Para conversar sobre tudo e sobre nada durante os dias em que as chuvadas tropicais não dão tréguas. Ou para dividir uma garrafa de bom vinho tinto num jantar à beira-rio. Pequenos prazeres para os quais um companheiro é algo precioso.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.