Aprendo a mergulhar nas águas cristalinas de Koh Tao, no golfo da Tailândia, antes de ser parte activa nas noites loucas de Koh Phangan. E sigo depois para Koh Lanta, uma ilha maravilhosa no Mar Andaman, ainda despida de turistas. Efeitos do tsunami, dois meses depois.
Após a incursão a Myanmar, o golfo da Tailândia era o próximo destino. Aprender a mergulhar e iniciar a descoberta de toda a magia do mundo subaquático era o primeiro objectivo. Koh Tao, uma pequena ilha a norte da mais famosa Koh Samui, o local escolhido. Ansioso, num piscar de olhos chegava de barco a Ban Mae, a porta de entrada na ilha “tartaruga”.
A maior parte das pessoas que visita Koh Tao fá-lo para mergulhar. As águas límpidas, a boa visibilidade e uma fauna muito rica atraem mergulhadores de todo o mundo e muitos candidatos a aprendizes. O instrutor de mergulho Fernando, brasileiro bem disposto que um dia visitou Koh Tao e de lá nunca mais saiu, foi o meu cicerone na maratona de quatro dias aprendendo a lidar com garrafas de ar comprimido, reguladores, máscaras, bússolas e afins. Foi uma experiência memorável.
No primeiro mergulho, o pequeno grupo de novatos no qual fui incluído foi recebido por uma pachorrenta moreia e centenas de outros peixes coloridos e de fisionomia variada. Os exercícios efectuados debaixo de água, como pôr e tirar o equipamento, o regulador ou a máscara serviram para adquirir conhecimentos e ganhar confiança. Ao fim dos quatro dias, estavam abertas as portas de um novo mundo. Com tantas emoções, a vontade de abandonar Koh Tao era ínfima. Mas, tendo corroborado por demasiado tempo aquela que é considerada a maior mentira de Koh Tao – “amanhã vou embora!” -, acabei sentado na proa de um barco a caminho de Koh Phangan, famosa pelas noites loucas em dias de lua cheia.
Música noite dentro, muito álcool, drogas e gente de todo o mundo é uma combinação apelativa mas perigosa. Em Hat Rin, a principal povoação de Koh Phangan, a noite era rainha. O ambiente estava criado, mesmo sem lua cheia. Muitas escandinavas bronzeadas passeavam-se em trajes reduzidos para deleite masculino. Alguns ladyboys tailandeses aguardavam oportunidade de fazer negócio com turistas demasiado bêbedos para os distinguirem. Os corpos dançavam desenvoltos nos bares montados na areia da praia. Baldes de vodka com Red Bull eram sofregamente esvaziados pela multidão extasiada. Gente com veia artística efectuava malabarismos com fogo ao longo da praia, oferecendo um espectáculo de luz e movimento aos foliões. Era uma alegria colectiva, toda a noite, todas as noites.
O pior é que nem todos actuavam de boa fé. Alguns oportunistas tentavam tirar vantagem daquele ambiente de despreocupação. Conheci várias mulheres, quase sempre jovens, bonitas e atraentes, que tinham sido drogadas com aquela que é conhecida como a “droga dos violadores”, e cujo efeito aparenta ser uma euforia liberal associada a um vazio na memória por cerca de uma dezena de horas. Homens sem escrúpulos tentavam dessa forma obter, fácil e cobardemente, uma noite de sexo.
Após algumas noites de festa era altura de seguir para a costa do Mar Andaman e indagar sobre a situação pós-tsunami na região. Sabendo que Kao Lak é irrecuperável no curto prazo e que Phuket se encontra totalmente operacional, segui para a bonita Koh Lanta.
Quando lá cheguei, sentia-se uma certa dose de tristeza estampada no rosto dos comerciantes locais, após dois meses sem clientes, mesmo com preços de saldo, numa região que vive fundamentalmente da pesca e do turismo. A maior parte dos lugares afectados estavam já recuperados. Bungalows, restaurantes e bares de praia estavam já em pleno funcionamento. Só faltavam os turistas. Mas parecia que tudo estava a mudar lentamente. A cada dia mais gente ia aparecendo, as praias começavam a ser pintalgadas por biquínis e fatos de banho, um ou outro barco fazia-se ao mar com mergulhadores em direcção aos melhores locais de mergulho da zona. E os sorrisos iam-se abrindo.
Faltava apenas verificar como estavam os homens do mar a reagir. Percorri Koh Lanta de motorizada, na companhia de uma equipa de televisão canadiana, na busca dos pescadores ciganos – outrora nómadas no Mar Andaman, navegando entre a costa oeste da Tailândia e o sul de Myanmar – que perderam toda a sua frota pesqueira. Não havia choros, angústia ou desespero. Ao invés, construíam novos barcos em vários estaleiros improvisados nas suas aldeias. Os salários eram suportados pelo governo tailandês. Algumas embarcações tinham já sido lançadas à água, outras estavam na fase final de pintura, outras eram apenas esqueletos. Os homens trabalhavam afincadamente e só pensavam no futuro, de olhar risonho.
Para este povo aguerrido que habita o sul da Tailândia, resta apenas esperar que o medo desapareça definitivamente da mente dos turistas.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.