Os governantes escolheram o português como idioma oficial, mas poucos timorenses usam a língua de Camões para comunicar. Um paradoxo no qual se viram envolvidos os professores portugueses, que dão o melhor de si para atenuar o problema. Seja em tétum, em bahasa indonésio ou em português, Timor-Leste procura ainda um caminho rumo à prosperidade.
Existe em Timor-Leste uma geração sem qualquer relacionamento com Portugal. Aqueles na faixa dos vinte e poucos anos nasceram e cresceram sob influência indonésia. Portugal é, para eles, algo estranho, longínquo, apenas parte de um passado que não viveram. O uso da língua portuguesa é uma opção que não compreendem. Porque terá sido escolhido, para língua oficial, um idioma que a maior parte da população desconhece?
A questão não é de fácil resposta mas coloca-se diariamente. “O português faz parte da identidade timorense”, disse-me um dia o adido para a cooperação da Embaixada de Portugal em Timor-Leste. É verdade. Mas entra-se num táxi e o condutor só entende tétum ou bahasa indonésio. Entra-se numa biskota ou mikrolet (transportes locais) e raramente se encontra alguém com quem dialogar. Percorre-se as ruas de qualquer povoação e não se ouve nenhum grupo de timorenses a conversar em português. Usam o tétum ou um dos vários dialectos locais existentes no território. E os que conhecem a língua de Camões, geralmente os muito velhos ou os muito novos, usam-na apenas para comunicar com os portugueses que permanecem no território. Nunca entre si.
Os decisores timorenses queriam romper com o passado tortuoso e marcar a diferença em relação à outrora potência ocupante, a Indonésia. E o inglês só serviria para aumentar uma indesejada influência australiana no território. Do tétum, diz-se ser demasiado básico e pouco estruturado. Ficou o português, laço antigo que resistiu à história e que carrega consigo uma carga simbólica, de resistência, na luta pela independência. “No mato comunicávamos em português, para que o inimigo não entendesse as nossas mensagens”, disse-me um dia um antigo guerrilheiro das FALINTIL. Agora, só o tempo poderá confirmar se essa escolha foi a melhor para o futuro de Timor-Leste. E isso – o futuro do mais novo país do planeta – é a única coisa que verdadeiramente interessa considerar nesta questão linguística.
No meio desta problemática encontram-se os professores portugueses que dão o melhor de si para cumprir a tarefa de que foram incumbidos. Actualmente, a maioria dos docentes nacionais ensina colegas timorenses para que estes possam, por sua vez, leccionar na língua de Camões. Mas muitos timorenses assistem às aulas obrigados, o que torna a tarefa mais difícil. Ao que se acrescentam problemas de assiduidade em virtude das mais simples razões. Uma ribeira que não permite que alunos ou professores se desloquem às escolas. Velórios de entes queridos que duram mais do que uma semana. Doenças dos próprios alunos ou de familiares.
O dia-a-dia de quem tem por missão o ensino em português nem sempre é fácil, apesar do estilo de vida relaxado e das tentadoras compensações financeiras. Os professores portugueses tentam contribuir, na medida do possível, para o desenvolvimento da massa cinzenta local. Mas em breve, quando a quase totalidade dos estrangeiros abandonarem o território, caberá aos timorenses desbravar o seu caminho rumo à prosperidade. Investir, produzir, apostar em áreas chave. E o turismo – arrisco a dizer – será uma das áreas fundamentais para o desenvolvimento do país.
Não se vêem, por enquanto, viajantes em Timor-Leste. Mas consigo sem esforço imaginar o país como um destino turístico de relevo. Já estive noutros lugares com muito menos para oferecer em termos de beleza e de diversidade cultural, e que são verdadeiros ímanes para viajantes de todo o mundo. Algumas ilhas tailandesas, por exemplo.
É certo que viajar em Timor-Leste não é fácil. As estradas que rasgam o país são tudo menos confortáveis. Distâncias curtas demoram pouco menos que uma eternidade a percorrer. Mas o país tem, para além da componente cénica, imenso para proporcionar aos viajantes que nele se aventurem. Intercâmbios com culturas riquíssimas, um povo de uma amabilidade extrema, lugares onde se fica com a sensação de se recuar no tempo. E praias belíssimas espalhadas por quase toda a costa. O monte Ramelau e as plantações de café e cacau do centro do país. As ilhas de Jaco e Ataúro e muitos, muitos outros lugares. E, melhor que tudo, os inconfundíveis sorrisos das crianças timorenses e os seus olhos negros, profundos, igualmente risonhos. Se a riqueza de um país se medisse pelo encanto dos mais novos, Timor-Leste seria a mais próspera nação do planeta.
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Comentários sobre “A língua portuguesa na mais próspera nação do planeta”
Olé Filipe, e hoje é o dia 300! desde a tua partida… Vais chegar cá e já ninguém te conhece :)
Neste momento estás do outro lado do mundo! Vou bater no chão a ver se ouves aí… estás a ouvir? Sou eu! :)
Envia-me uma Australiana por mail que eu gostava de lhe fazer umas perguntas sobre cangurus. :)
Continuação de uma boa viagem,
Seabra
Comentário enviado por Seabra em 16.MAI.2005 – 17:21
Já estive a meter inveja ao meu pai que passou aí umas belas férias (na tropa, claro!) entre Janeiro de 74 e pouco antes disso ter sido barbaramente invadido em 75… Ele fala dessa beleza com uma saudade que me faz acreditar ser um lugar paradisíaco.
Que essa gente consiga ultrapassar essa barreira que é a língua, que se decidam por uma, para reforçar a sua identidade linguística e cultural!
Um abraço.
Comentário enviado por Daniel (Cristo) em 16.MAI.2005 – 21:54
Filipe, não tenho acompanhado a tua viagem com a frequência que desejava (as visitas ao site são quase sempre breves e apenas para saber por onde andas) mas pude hoje deliciar-me um pouco mais com as tuas imagens. Não me surpreendem totalmente, porque já sei do que és capaz. Mas nem por isso deixam de ser fabulosas, a ponto de se tornar impossível escolher as melhores. Pegando num comentário do Rui Lucas, tens material para uma exposição de alto nível em qualquer espaço de renome.
Pelos vistos, houve alguma coincidência no dia que escolhi para dar mais atenção às tuas fotos… já vais com 300 dias de aventura…
Continuação de uma óptima jornada!
Aquele abraço.
Comentário enviado por Jorge Portugal em 16.MAI.2005 – 23:49
Timor, a sua beleza, o seu povo e o belo sorriso das suas crianças, por certo que te fizeram recordar momentos de revolta por ti vividos durante a fase mais negra da ocupação de Timor. Tive a felicidade de te acompanhar (e de te ver chorar de raiva) durante um cordão humano feito no Porto em solidariedade para com esse povo que sofria. Tive a felicidade de contigo voltar a sentir, pós 25 de Abril, a plenitude do sentimento de revolta. Belo momento de partilha, imensa lição de vida! Espero sinceramente, que tudo o que viste em Timor-Leste, só te tenha feito pensar: valeu a pena!
Comentário enviado por Morato em 17.MAI.2005 – 21:59
Também eu ensinei em Timor-Leste durante três anos e também eu trouxe o coração repleto de sorrisos luminosos e olhares transparentes de tão negros. Um tesouro, a infância em Timor…
P.S. – Não fomos só nós que desenvolvemos a massa cinzenta dos Timorenses! Não terão sido eles também que desenvolveram parte da nossa?
Comentário enviado por Natividade em 20.MAI.2005 – 11:51
Filipe
Obrigado por me dar a chance de viajar pelo mundo e ver a intensidade da alma das pessoas através da sensibilidade da sua alma…. ao captar tão lindas e maravilhosas imagens de um simples olhar de uma criança a a imensidão da Natureza.
Comentário enviado por Luana em 20.MAI.2005 – 17:20
Adorei, Filipe. Parabéns pelo seu blog! Espero conhecer o paraíso Timor-Leste em breve. Um abraço!