O Luberon é só um bocadinho da Provença francesa. Mas é justamente aquele pedaço de tons dourados, onde ainda se cultiva o vinho e as azeitonas, onde o queijo e o mel ainda têm o sabor de antigamente.
Primeiro pousamos as malas em Apt-en-Provence. Ficamos aqui, entre os montes de Vaucluse e do Luberon, e o nome na placa da cidade, “Ate en Provenço”, parece anunciar um país distinto. Num mercado cheio de flores que transbordam para os tecidos estampados, aparecem os ramos secos da alfazema, os vinhos Côtes du Luberon, as azeitonas e os legumes produzidos localmente, sob um clima abençoado que dispensa estufas. Estamos numa terra pródiga em milagres gastronómicos; quem não acreditar, que prove o queijo de Banon, as ervas aromáticas de Forcalquier, o mel de Valensole, as azeitonas e o azeite de Lurs, os espargos de Lauris, as frutas cristalizadas de Apt.
Do mercado matinal de sábado rumamos para Oeste, em direcção a Roussillon. Cor de fogo, a aldeia guarda a memória de uma exploração que lhe deu riqueza, e que agora lhe dá uma beleza inesperada: o ocre. Pigmento indispensável mas quase caído no esquecimento, revive-se em worshops no seu Conservatório.
Mas mesmo os que não se interessam por pintura vão gostar de passear pela área de exploração, com carreiros assinalados para as visitas turísticas. O contraste do verde-escuro dos pinheiros com o afogueado do chão, das falésias e dos pequenos vales que percorremos, é único na região.
Mas atenção: não convém ser apanhado pela chuva, que em minutos transforma o caminho em lamaçais alaranjados manchando irremediavelmente tudo o que tocam. Em caso de mau tempo, refugiamo-nos nas encantadoras ruelas estreitas de cores quentes, com uma fabulosa concentração de cafezinhos e galerias de arte, em número mais que suficiente para nos ocupar durante horas, até o sol voltar.
Gordes, reino da pedra
Avançamos, depois, até Gordes. Aqui começa o reino da pedra. Se é natural, nestas colinas e montes calcários, que este seja o material eleito de todas as construções, por aqui as técnicas refinaram: empilhadas em socalcos e divididas por muros, as casas, palacetes e igrejas formam um presépio de aspecto rude, enfeitado pelos penachos verdes dos ciprestes. O exemplo mais impressionante aparece em todos os postais, e fica ali próximo: a Abadia de Sénanques, aninhada num vale e enquadrada por campos de alfazema. Foi construída no século XII pela Ordem de Cister, com as linhas sóbrias próprias da época, e é a encarnação da nobreza da pedra nua.
Nos arredores, escondidos por densos azinhais, casinhas minúsculas a que chamam bories, são ensaios básicos desta arte popular de empilhar a pedra. Algumas agrupam-se na pequena Aldeia dos Bories, reconstruída com fins turísticos e bilhete de entrada, mas há muitas outras espalhadas pela zona, recuperadas ou ao abandono, envolvidas pelo perfume do tomilho e das giestas.
Ao limpar os campos para as actividades agrícolas, a pedra era aproveitada para construir casas, currais ou redis. A técnica usada permite erguer paredes e telhados cónicos com uma textura de escamas, sem uma pinga de cimento ou uma viga de madeira que os ajude a manter-se de pé.
Já percorremos vinhas, campos de trigo e papoilas, olivais e pomares bem tratados que nos aguçaram o apetite por esta natureza meiga, sem sobressaltos. Mas escondem-se surpresas nestas paisagens do sul. Saímos outra vez de Apt, agora em direcção a Rustrel. A intenção é caminhar, correr montes, respirar os cheiros secos dos cistos e das giestas, conhecer pequenas aldeias de pedra quase desabitadas. Numa delas encontrámos uma placa, garatujada à mão: “Não queremos carros na nossa aldeia. Por favor estacionem e venham a pé” – que vontade de ficar…
O colorado Provençal
Estamos agora em Rustrel, a dois passos do Colorado Provençal, nome que predispõe a imaginação para o encontro com índios e cowboys, mas que não nos prepara para as fantásticas “chaminés de fadas”, torres e cones que saem do chão em caprichos erosivos, alternando com vales, ravinas, lâminas, circos e colinas, onde a vegetação cresce num solo amarelo-torrado e vermelho escuro.
São apenas alguns quilómetros de cores intensas e formas inesperadas, mas contrastam de forma espantosa com o bucolismo geral da paisagem. Só demos o passeio por terminado quando chegou o terrível mistral, um vento que apaga os cheiros e mergulha os horizontes numa poeira sem brilho.
Os olhos cheios de cor, procurámos abrigo bem fundo, nas gargantas de Oppedette. Tal como a aldeia do mesmo nome, o desfiladeiro tem uma escala humana, quase delicada. É um golpe inesperado na pedra, uma surpresa na paisagem levemente ondulada. Estreito e curto, mantém-se escondido por árvores baixas até estarmos próximos, demasiado próximos do precipício.
Um misterioso carreiro chama-nos para o fundo, onde corre um fio de água, e ferros estrategicamente cravados na rocha ajudam-nos a descer até o vento não nos encontrar. Sombra, água fresca, piares de pássaros. O lugar ideal para um piquenique, antes de subir pela parede oposta, furando chaminés de rocha com a ajuda de escadas metálicas e degraus escavados na rocha.
Atravessando o desfiladeiro que separa o Pequeno e o Grande Luberon, os montes que dão nome à região, encontramos uma magnífica floresta de cedros, espécie deslocada neste solo despenteado pelo mistral. Do outro lado, Pertuis substitui Apt como cidade mais importante.
As mais belas Aldeias de França
Apesar do título ter um indisfarçável cheiro a promoção turística, só na Provença ficam 17 das 141 povoações classificadas, a nível nacional, como “As mais belas Aldeias de França”; destas dezassete, à pequena área do Luberon cabem quatro, tão próximas umas das outras que facilmente as podemos visitar num dia: Roussillon, Gordes, Lourmarin e Ménerbes.
As duas primeiras ficam a Norte dos montes Luberon, do lado de Apt, as duas últimas a Sul, do lado de Pertuis. Mas há muitas outras que, sem títulos para exibir, nos conquistam com o seu charme antigo.
Ainda assim, Lourmarin tem as mais belas ruas e fontanários, e os seus habitantes gostam de, passada a hora da sesta, abrir as portadas para mostrar os vasos floridos pendurados no interior. Já fora da aldeia, depois dos cerejais, aparece um pequeno castelo da Renascença, ajardinado e redondo, que abriga exposições e conferências.
Mais adiante fica Cucuron, com o seu lago fresquíssimo ensombrado por fileiras de velhos plátanos junto às muralhas, seguras em pontas opostas por duas torres de pedra com vistas magníficas sobre o remoinho de ruas estreitas.
Ansuis exibe orgulhosamente o seu castelo ducal e possui, espalhada pelas ruelas de pedra, uma colecção de batentes, puxadores de porta, sinetas e outros objectos de ferro forjado pouco habituais, que complementam o seu ar de aldeia-museu. Fazemos um desvio até ao Étang de la Bonde, pequeno espelho de água entre colinas, antes de chegar a La Tour D’Aigues, onde um palácio medieval acolhe o Museu da Faiança local, assim como exposições e espectáculos culturais.
A unir as aldeias sobram os pomares e as vinhas, os ciprestes e os choupos, embalados pela cegarrega entorpecente das cigarras. Região original, que desafia as leis do equilíbrio entre natureza e influência humana, o Luberon é mais que um lugar onde apetece voltar – o que queremos mesmo é ficar, embalados pelo calor e pelos sons e sabores primordiais das cigarras, do queijo e do mel.
Ouro de Provença
Ao contrário das rochas da zona, depósitos sedimentares acumulados, o ocre resulta de uma alteração de uma rocha marinha que ocorre localmente sendo, por isso, raro. Juntamente com o azeite, já foi uma das indústrias mais produtivas da região, mas agora encontra-se quase reduzido ao seu interesse artístico, com um Conservatório dos Ocres e Pigmentos Aplicados a oferecer visitas guiadas ao antigo centro de transformação, cursos de Verão e workshops sobre o seu uso.
Destronado por produtos sintéticos, este pigmento natural já foi indispensável na pintura e na indústria têxtil. Neste momento, a sua exploração continua apenas com carácter pontual, uma vez que o seu interesse comercial está agora apenas ligado às artes.
Basicamente, o processo de exploração consiste em lavar a terra para separar a areia, mais pesada, do ocre, que fica na água. Esta “água de ocre” é colocada em tanques a céu aberto. Após uma decantação de 24 horas, retira-se a água limpa e junta-se mais “água de ocre” – e assim sucessivamente, até o depósito de ocre no fundo atingir os quarenta centímetros. Só aí se abandona o processo e deixa-se o sol actuar, secando completamente o depósito. No fim de Maio corta-se o ocre em tijolos. Uma parte é levada ao forno, para obter nuances mais escuras e avermelhadas do amarelo dourado que lhe é natural. E está pronto a usar.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens a Luberon, em França, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar e sugestões de actividades na região.
Como chegar
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Onde ficar
Há várias opções, para todos os bolsos na região de Luberon
A gastronomia do sul de França
Se a cozinha francesa está bem cotada mundialmente, muito o deve à sua zona Sul, onde a diversidade de produtos e a criatividade na sua utilização são de uma qualidade inquestionável. Os frutos e legumes, melões, espargos, trufas, azeitonas, a qualidade do azeite, do mel, da charcutaria e dos queijos proporcionam, à partida, uma excelente base para uma gastronomia saborosa.
Pessoalmente, atribuo a coroa de glória ao queijo de Banon. Para além de ser um dos mais bonitos do mundo, com o seu “vestido” de folhas de castanheiro secas, amarradas com um fio de ráfia, é um dos melhores queijos de cabra de que há memória. São daqui o molho Aioli e os tomates recheados, os estufados com sabores a pimento e tomilho, o pastis (licor aperitivo) perfumado com ervas aromáticas. Os vinhos são de sabor quente, o alho e a azeitona temperam e acompanham quase tudo.
Uma receita curiosa, que combina sabores e cheiros provençais, é a do Creme de Lavanda: fazer uma infusão com 50 gramas de alfazema (dentro de um guardanapo) em meio-litro de leite. Juntar 100 gramas de açúcar, levar a ferver e deixar arrefecer. Bater três gemas de ovos com uma clara e juntar ao leite. Cozer no forno em banho-maria e servir com uma colher de mel de acácia.
Mercados e festivais no Luberon
O Luberon é uma área especialmente interessante pelos seus mercados; o de Apt, ao sábado de manhã, é mesmo considerado um dos cem melhores de França.
Mas há muitos outros, uns mais turísticos, como o de Roussillon, às quintas-feiras de manhã, outros mais genuínos, como o de Cadenet, às segundas, ou o de Coustellet, aos domingos. Em todos eles é possível encontrar os produtos agrícolas locais, incluindo especialidades como trufas, enchidos, tapenade (pasta de azeitonas), vinho, mel, queijo e artesanato típico, da cerâmica aos bonecos regionais, conhecidos por santons.
Para além dos mercados, que decorrem todo o ano, a Primavera e o Verão são também as épocas mais propícias para assistir aos festivais de carácter regional, associados à vida rural. Alguns dos mais famosos e coloridos são as diversas Festas da Alfazema (ou lavanda), como a de Valensole (Julho), a Festa do Mel em Ménerbes (Julho), a Festa do Queijo de Banon (Maio), ou, porque não, assistir a concertos de carrilhão todos os domingos, em Forcalquier (Julho e Agosto).
O que comprar no Luberon
O mais óbvio, para além dos produtos alimentares locais, são os tecidos ensolarados, com girassóis, azeitonas e alfazema estampados nas cores locais – amarelos, lilases, azuis e verdes. Há roupa, toalhas de mesa, bolsas e outros objectos de uso pessoal alegremente contagiados pelos motivos e cores naturais da Provença. Claro que a cerâmica da região apresenta as mesmas cores e motivos, e os santons, a delícia dos coleccionadores, usam fatos típicos e objectos agrícolas que até podem ser comprados separadamente. Os ramos de flores secas e perfumadas, as ervas-de-provença (sobretudo acompanhadas por um livro de receitas provençais), e umas garrafinhas de vinho Côtes du Luberon, são tudo pequenas lembranças que ajudam a prolongar em casa o prazer de uma visita a esta zona de França.
Explorar o Parque Natural Regional do Luberon
O Parque Natural Regional do Luberon, inscrito na lista das Reservas de Biosfera da UNESCO, é a prova de que as particularidades naturais da região não podem ser ignoradas. E a melhor maneira de as descobrir é a pé. Há passeios longos e curtos, alguns especialmente recomendados para os dias de calor por nos levarem pela sombra até à água, ou nos mostrarem óptimos lugares para duas das actividades típicas do Luberon: o piquenique e a sesta.
O percurso dos Ocres no Roussillon é tão curto como bonito, mas as áreas de ocres da zona de Rustrel, além de serem mais extensas e muito bem assinaladas, são também mais selvagens e têm, no início, locais adequados para estacionamento e descanso. Contar com uma manhã inteira para explorar razoavelmente a área.
Outro passeio a não perder é o que nos leva às gargantas de Oppedette. Começa na aldeia, logo a seguir ao miradouro e não está assinalado mas o carreiro está muito nítido e tem apoios, correntes e escadas para ajudar a descer ou subir os penhascos. Junto ao rio não se pode contar nadar, mas sabe bem meter-nos em alguma das pequenas piscinas naturais, ou almoçar com vistas para a aldeia de Oppedette, do outro lado da garganta. Há muitas outras caminhadas a fazer no Luberon: o circuito dos bories, que começa em Viens, a floresta de cedros do Petit Luberon, etc.; o melhor é pedir informações num dos postos de turismo locais.
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