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Massada (e o Mar Morto) não é uma maçada

Por Luísa Pinto
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Reconhecida pela UNESCO como Património Histórico da Humanidade em 2001, a fortaleza de Massada (Masada) é ponto de paragem obrigatória em qualquer visita a Israel. Na região do tão incrível quanto ameaçado Mar Morto, a surpresa está garantida. E o espanto também.

Aqui há dias, um pacote de açúcar assegurava-me que o termo “maçada” tem origem no contratempo sofrido pelo império romano no tempo do rei Herodes, quando foi surpreendido por uma rebelião de judeus na fortaleza de Massada, no deserto da Judeia. Seja qual for a verdadeira origem do termo, o curioso foi ter lido este pacote de açúcar poucas semanas após ter regressado de Israel, onde tive oportunidade de contemplar o mesmíssimo cenário que Herodes queria apreciar no monumental palácio-fortaleza de Massada.

Fortaleza de Massada, Israel
Fortaleza de Massada, Israel

Construída entre os anos 37 e 31 a.C., Massada é um dos quatro palácios que Herodes, o Grande mandou edificar no seu reino. Lá chegados, percebemos porque escolheu aquele maciço isolado, de dificílimo acesso. Quem quer que se aproximasse seria visto à distância. Ordenou que ali fossem depositadas dez mil armas, guardadas por meia centena de soldados, para o caso de virem a ser necessárias.

Não me enganei quando disse que estava perante o mesmíssimo cenário que Herodes contemplou há dois milénios. Até porque dois milénios não são nada na escala do tempo terreno e, apesar de as alterações climatéricas e da mão humana já terem feito das suas [o Mar Morto encolheu e, sabe-se, vai continuar a encolher], os horizontes visuais mantêm-se praticamente inalterados.

Do alto da fortaleza ficamos inebriados. Com as cores estonteantes com que o sol pinta as montanhas do deserto da Judeia, no lado ocidental. Com os reflexos devolvidos pelo espelho calmo que é o Mar Morto, no lado oriental. E com aquela sensação de estarmos no topo do mundo, apesar de pisarmos uma elevação com apenas 400 metros de altitude, perto daquela que é a região mais baixa de todo o planeta (fica 300 metros abaixo do nível do mar).

Durante a grande revolta dos judeus contra o império de Roma, um grupo de zelotas surpreendeu os soldados que ali guardavam armas e ocupou a fortaleza. Uma “maçada”. Os romanos demoraram muito a reconquistá-la (andaram um ano a rondá-la até conseguirem entrar na fortaleza). Tiveram, mesmo, de construir uma estrada em terra, o “caminho da serpente” – com intenções de dizimar todos os ocupantes. Mas, diz a história, lá chegados, encontraram uma pilha de mortos – diz-se que foi um suicídio coletivo.

Massada, Património da Humanidade

Inscrita pela UNESCO como Património da Humanidade em 2001, a fortaleza de Massada é atualmente o lugar mais visitado de Israel, pelo menos nas estatísticas das atrações que cobram bilhete – pelo que o Santo Sepulcro, a Via Dolorosa e o Muro das Lamentações, em Jerusalém, ficam foram desta contabilidade.

Ruínas de Massada, Israel
Ruínas de Massada

A facilidade de acesso a partir de Jerusalém explica o grande número de excursões de turistas a Massada, que ali estacionam um par de horas em trânsito entre a capital oficial do país (para as Nações Unidas, não passa de uma capital oficiosa, por isso todas as embaixadas se situam em Telavive) e os resorts turísticos que abundam no Mar Morto. Massada demora entre duas a três horas a visitar, com o acesso à fortaleza através de uma curta viagem de teleférico.

À nossa espera está um museu amplamente explicativo sobre como foi construída a fortaleza e, por exemplo, o grau de complexidade do seu sistema de cisternas. Uma avançada obra de engenharia de que a vastidão dos “buracos” escavados na pedra para reter as águas da chuva é apenas a face mais visível. As águas pluviais desciam das montanhas desde Jerusalém e eram ali retidas para servir uma comunidade que, entre outras coisas, se habituou a sumptuosos banhos termais, ainda que estivesse no meio do deserto.

Há também o visionamento de um impressivo filme, a relatar a história de um comandante romano de apelido tão português, Flavius Silva, enviado à judeia para terminar com a revolta dos zelotas. E é obrigatório circular por entre os trilhos marcados, de mapa na mão, e apreciando os muitos vestígios da passagem das civilizações. Os mais estranhos serão, talvez, os resquícios de uma igreja bizantina, não esquecendo que o território israelita foi sucessivamente procurado e ocupado por tantos impérios, culturas e religiões.

Mas, na minha opinião, a melhor maneira de sentir Massada não será numa excursão de turistas, ou numa visita rápida à fortaleza no meio do dia (as temperaturas no deserto chegam a ser insuportáveis). Eu fui das que estive numa espécie de excursão, sem autonomia para escolher os meus horários. Mas depois de ler relatos, e de ter tido a experiência de ver nascer o sol por cima do Mar Morto da varanda de um hotel, percebi com facilidade que a maior experiência de todas teria sido outra: assistir ao nascer do sol do alto da fortaleza de Massada.

A melhor maneira de sentir a magia daquele lugar é assentar arraiais perto da sua base – há uma pousada da juventude que serve bem esse efeito, tem é o problema de lotar com facilidade – e levantar da cama mais de uma hora antes do sol nascer. Vai ter de pagar o bilhete (mais barato que o teleférico) e enfrentar pelo menos 45 minutos de subida. Como o dia ainda não nasceu, as temperaturas ajudam à caminhada. Não é preciso preocuparmo-nos muito com o cantil da água que vai chegar vazio ao topo – lá chegados, abundarão os sítios onde repor os líquidos, em bebedouros públicos que se mantêm incrivelmente frescos apesar das temperaturas do deserto.

A recompensa pelo esforço da caminhada virá uns minutos depois quando, por cima das montanhas da Jordânia vai espreitando o sol, para se deixar espelhar num Mar Morto que se vai pintar nuns tons de vermelho inacreditáveis. Depois disso, sim. Depois de se inebriar com esta sinfonia da Natureza estará pronto para visitar o complexo e sair dali com a sensação de que sim, esteve no topo do mundo, apesar de ser um lugar incrivelmente baixo. E vai começar a sorrir, complacente, com a maneira como ouve empregar o termo “maçada” nas nossas conversas do dia-a-dia.

Banho de lama e de sal

Não há roteiro de viagem a Israel que não inclua uma paragem para banhos no mar mais salgado do mundo. Encravado no meio de um deserto, nota-se bem que a ameaça de desaparecimento não é uma coisa vã. À sua volta, vamos reparando nas “estâncias balneares” que, quando construídas, tinham as margens aos seus pés. Agora estão afastadas várias centenas de metros. É o caso do Spa do Ein Gedi, um kibbutz que conseguiu a proeza de construir no deserto um jardim botânico que tem entre a sua coleção mais de 900 espécies de árvores e plantas (algumas provenientes de países tropicais).

Criado em 1956, este kibbutz (uma originalidade israelita, que consiste numa forma de povoamento que, na maior parte das vezes, se assemelha a um condomínio fechado cuja organização se inspirava em ideias com origem no comunismo, com todos os moradores a receberem o mesmo e a trabalharem para o bem da comunidade e, pelo menos teoricamente, a terem o mesmo padrão de vida) merece uma visita. E, se encontrarem por lá um dos seus mais antigos moradores, Zabu, a conduzir um pequeno trator ou a podar uma árvore com as “maças de Gomorra” poderão ter a sorte, tal como eu tive, de fazer uma visita guiada a uma comunidade que inclui 230 habitantes, dos quais 175 são crianças.

Resort no Mar Morto
Resort no Mar Morto

Mas era do Mar Morto que eu me propunha falar, e ele está umas centenas de metros abaixo do kibbutz a espraiar-se numa área de cerca de mil quilómetros quadrados. Uma boa parte do seu litoral está ocupada pela Fábrica do Mar Morto – que merece uma aproximação para quem gosta de paisagens industriais -, a outra por uma parede de hotéis, com os resorts a condicionarem o acesso à praia aos seus hóspedes e impedindo o acesso à água a partir das 18h30.

Felizmente, não é preciso ficar num destes hotéis para poder ir tomar um banho de lama, primeiro, e de sal, depois. No meio dos hotéis existe uma praia pública, que acaba por ser a única opção para quem, como eu, ficou instalada num desses hotéis mas não resiste a um banho noturno iluminado pelo luar.

A experiência de entrar no Mar Morto é uma surpresa. Mesmo depois de ter lido as recomendações de que não se deve mergulhar e de ter sido avisada em vários relatos da incrível pressão que nos levanta as pernas e torna a atividade de boiar uma brincadeira de meninos, o primeiro contacto com aquela água é uma experiência e tanto. Não é a densidade de sal que mais impressiona – e ela é tão elevada que um mero salpico parece que nos queima a língua. O que é inesquecível é a sua textura, de uma oleosidade extrema: parece que estamos a mergulhar numa gigantesca banheira de óleos essenciais. Ok, talvez lhe falte um odor mais acentuado, já que aquele Mar não me cheirou a nada. Mas saí de lá com a verdadeira sensação de hidratação imediata.

O ritual repete-se: roubar das margens aquela lama escurecida e passá-la por todas as partes do corpo. Esticarmo-nos ao sol, a sentir a pele secar. As temperaturas no verão ultrapassam com demasiada facilidade os 40 graus e, por isso, não se consegue aguentar muito tempo ao sol. Depois, é tirar a “máscara” num dos chuveiros de água doce e entrar no Mar para terminar o tratamento. E passar o corpo pela água doce, novamente. Pelas características únicas desta região – para além da densidade da água com os seus vários minerais, também a elevada pressão atmosférica é pouco usual -, a zona do Mar Morto converteu-se num Centro Internacional para o Tratamento de Doenças de Pele, em particular a psoríase.

Outro aviso: qualquer pequeno corte ou escoriação, uma irritação na pele, vai arder horrores ao primeiro contacto com a água. Mas, já diz o ditado: “O que arde, cura”…

Barak, num passeio de jipe pelo deserto

“Chamo-me Barak, mas não sou o Obama”. Cabelo rapado, corpo tonificado, óculos escuros e sorriso rasgado, Barak manda-nos entrar para o robusto Land Rover que conduzia. “Disseram-me que só tinham uma hora. Espero que tenham um pouco mais do que isso, porque uma hora não chega para sentir a sério as maravilhas do deserto”, provocou.

Passeio de jeep no deserto Negev
Passeio de jeep no deserto Negev

Claro que tínhamos. O jantar pode esperar, ver o pôr-do-sol no meio do deserto era um convite irresistível. Tão irresistível como aquela sinceridade de Barak, um profissional por conta própria que trabalha, sempre que pode, para as autoridades do turismo de Israel e que sonha com o dia em que vai trazer para o deserto de Negev o Burning Man, o já mítico festival de Nevada.

Enquanto conduzia o jipe possante pelas dunas de um deserto ainda com muitas instalações industriais no horizonte – “se quiserem aproximo-me destas instalações da Fábrica do Mar Morto, mas na minha opinião há muito pouco para ver” -, Barak ia desfiando o seu sonho de atrair para aquelas coordenadas “artistas de todo o mundo”. Convidá-los a virem para ali apreciar a Natureza, confraternizar e divertirem-se, propondo-se a criar uma cidade-relâmpago onde nada faltasse e que fosse desmontada uma semana depois. “No final não fica um único vestígio. Só ficam as boas recordações na memória das pessoas”, vaticina.

Recordações como aquelas que garante que nos vai deixar – na retina da alma e na câmara fotográfica. Mas isso será para mais tarde, minutos antes do sol se pôr. Por agora, que ainda temos tempo, vale a pena fazer o desvio da estrada para ir conhecer “a única nascente de água doce que encontramos em pleno deserto”. Um achado. Um esconderijo. Chama-se mesmo assim, “the hidden spring“. “Trazem fato de banho?”, questionou.

Passamos a placa que indicava dois moshav (outra forma de povoamento tipicamente israelita, do mesmo género que os kibbutz, mas bem mais pequenos), o Ein Tamar e o Ein Flutit, e seguimos à procura da nascente escondida. Era pequena, muito pequena. Não seria nada de extraordinário – bem pelo contrário – se avaliado pelos parâmetros de alguém que vive onde a natureza é fértil em água e em verde. Ali teríamos de avaliá-la pelo padrão de quem está no deserto. Por isso, percebemos o ímpeto de tirar a roupa e saltar lá para dentro – ainda que o que temos à nossa frente é pouco mais do que uma pequena poça. Quem tinha fato de banho, entrou.

Corpos refrescados, estava na altura de deixar Barak guiar-nos, então, para o tal momento que iria “ficar nas nossas memórias” e registado nas máquinas fotográficas. “Se me perguntarem, eu confesso que o momento mais bonito do dia é o nascer do sol, por cima do Mar Morto. Mas não conheço ninguém que não se impressione com as cores com que se pinta este deserto quando o sol está a descer”, avisa Barak.

Ainda não foi desta vez que o Barak conheceu alguém menos impressionável. O grupo era pequeno e foi unânime. Enquanto os tons avermelhados iam colorindo o ambiente, era tempo de fotografar, contemplar a paisagem, enquadrar outra vez, estremecer com a imensidão e o silêncio, testar a objetiva, ensaiar um salto coletivo, fotografar de novo. De repente, o vermelho dá lugar ao azul pesado, e é oficial: a noite nasceu. Impressionante.

Kibbutzin em Ein Gedi
Kibbutzin (morador de um kibbutz) em Ein Gedi

Hora de ir embora e rumar ao hotel. Não sem antes fazermos uma paragem técnica à última maravilha da Natureza que Barak tem para nos mostrar. “Vocês nem vão acreditar. Mas há vida no Mar Morto”, provoca. Assim chamado pela falta de vegetação ou qualquer espécie marinha num ambiente aquático que tem dez vezes mais sal do que o normal, não acreditamos no que Barak tem para nos dizer.

Da margem – da qual nos pede, com insistência para não nos abeirarmos demasiado, porque “as paredes podem ceder” – vemos alguma vegetação coberta pelas águas. Parece que nasceram, e vivem dentro de água. Mas não nasceram, já lá estavam. E não vivem. Nem sequer sobrevivem. Já morreram, fruto do desvio das águas feito pela Fábrica do Mar Morto que trouxe as águas salgadas até àquelas paragens.

Dá um belíssimo efeito visual, admito. Sobretudo quando o azul-escuro do céu já se deixou engravidar por um luar brilhante, quase incandescente. Agora sim, estava mesmo na hora de regressar a casa.

Guia prático

Como chegar a Massada

Para poder contornar a obrigação estatal de parar o seu funcionamento durante o Sabbath (no sábado judaico, todos os serviços públicos estão encerrados; fica tudo reduzido a serviços mínimos desde o pôr do sol de sexta feira até ao pôr do sol de sábado) a companhia de aviação aérea El Al abriu uma empresa autónoma para contornar a situação. Foi assim que surgiu a Sun D’Or, uma empresa que tem programados voos semanais entre Lisboa e o aeroporto internacional de Telavive, Ben Gurion. Vá preparado para todas as perguntas.

Apesar de várias empresas de turismo venderem pacotes de serviços com transportes e acesso à fortaleza de Massada, a maneira mais prática e económica é usar a rede de transportes públicos.

A partir de Jerusalém pode apanhar um autocarro da linha 486 (saem vários por dia) que passa em Massada, por um bilhete que custa 40 ILS (cerca de 8,5€). A partir de Telavive o acesso a Massada pode ser feito nos autocarros da linha 421 – mas estes só fazem uma partida diária. A companhia de autocarros Egged Bus é uma das maiores e mais eficientes do país.

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Onde ficar na região do Mar Morto

A oferta de alojamento em Israel é variada e inclui experiências irrepetíveis como dormir num kibbutz. Como a do kibbutz no oásis Ein Gedi, onde uma noite custa mais de 770 ILS (cerca 160€). Mais económica é a opção de ficar na Pousada da Juventude de Massada, com mais de 340 quartos, e onde há opções em dormitórios e quartos privativos.

A outra zona para procurar alojamento é em Ein Bokek, onde se encontram vários hotéis, incluindo de cadeias internacionais como a Crowne Plaza, e alguns Bed & Breakfast.

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Tour no deserto

Há vários operadores turísticos a oferecerem os seus serviços na zona do Mar Morto. Nós experimentámos o passeio no deserto com Barak Horwitz, da Camel Lot e só temos boas referências para dar.

Custo de vida

Vá preparado para o facto de dificilmente encontrar pechinchas em Israel – talvez apenas nos mercados de rua – e, por isso, uma das preocupações mais importantes que um viajante deve ter em Israel não deverão ser questões de segurança mas antes os esforços para não rebentar o orçamento.

Para ter uma ideia, uma cerveja custa cerca de 5€; uma noite num hostel à volta de 25€; e é fácil gastar dez euros numa refeição, mesmo que ela seja volante e à base dos mais simples (mas tremendamente deliciosos) falafel, pão pitta e humus.

Informações úteis

O site oficial do Turismo de Israel oferece informação atualizada sobre as principais atrações turísticas das distintas regiões do país, incluindo, naturalmente, os destinos na região do Mar Morto, nomeadamente Massada.

Seguro de viagem

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Luísa Pinto
Jornalista e mãe, gosta de livros, vinho tinto e experimentar camas em lugares novos. Deu a volta ao mundo com um filho, gostava de repetir a dose agora que tem dois. É orgulhosa co-fundadora da Hotelandia e do Rostos da Aldeia.

1 comentário em “Massada (e o Mar Morto) não é uma maçada”

  1. Olá. Excelente artigo, explica bem a região. Estou com viagem marcada para Israel e tenho uma pergunta mais simples. Vale a pena ir ao Mar Morto? Estou com a tendência a conhecê-lo pela cidade de Ein Bokek.

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