Submerso nos verdes montes transmontanos a poucos quilómetros de Bragança, o Moinho do Caniço foi dos primeiros exemplos do país na recuperação de casas rurais e sua adaptação ao turismo. Por sinal, um exemplo de sucesso. Visita à casa de turismo rural Moinho do Caniço.
Moinho do Caniço
Montes verdes a perder de vista são uma imagem inevitável para quem visita a zona na Primavera. Dificilmente outra parte do país alcança a graça rústica da selva transmontana, antes que o verão venha antecipar as cores outonais, trazendo os dourados ressequidos para a paisagem. A estrada que liga Bragança a Vinhais é de uma abundância luxuriante em arbustos e árvores de pequeno porte, um emaranhado de troncos finos e folhagem verde de aspecto quase impenetrável, cortado apenas por alguns ribeiros igualmente selvagens.
Estamos a cerca de doze quilómetros de Bragança quando o nosso guia e proprietário do Moinho do Caniço, Arnaldo Assunção Cadavez, sai para uma larga berma da estrada e se prepara para a atravessar, em direção a uma pequena rampa escondida pelos rails de proteção da estrada e pela vegetação frondosa. Nenhum sinal ou placa denunciam a presença de qualquer casa ou retiro turístico. Dos dois lados da descida íngreme que iniciamos, o caminho revela mão humana: socalcos do lado esquerdo e um muro do lado direito, um ensaio em pedra do que veremos mais abaixo. Alguns vasos com gerânios de cores vibrantes contrastam com a cor escura da parede, que termina num pequeno alpendre. O barulho de um rio próximo – a avaliar pelos decibéis, bastante tumultuoso – acompanha as nossas vozes.
O sol bate com força no telhado de um edifício baixo, escurecendo a fachada principal. Aparentemente é composto por três pequenas construções unidas de paredes de xisto, cobertas de telha antiga, portas e janelas de madeira e cortinas brancas opacas, preservando o interior para os hóspedes. Quase invisível da estrada e ensombrado pela vegetação, abriga uma azenha movida pela água do Rio Baceiro. É o moinho do lugar do Caniço, adquirido há vinte anos pelo nosso cicerone, que aqui imaginou um retiro de lazer para si e para a família. “Quem mo vendeu foi o sr. António ‘Rasga’, por quinhentos contos, e ninguém percebia para que é que eu o queria”. Um prado onde se acede por degraus de pedra estende-se na frente das portadas da sala, e num pequeno pátio exterior há uma mesa redonda cujo tampo é uma mó – recurso que veremos depois repetido em outros pontos, no interior e exterior da casa. Daí temos uma vista ampla sobre o vetusto edifício, com o rio turbulento do lado esquerdo e os montes do lado direito.
A fachada oposta está ainda mais sombria. Duas portas de madeira dão acesso ao interior; entramos pela primeira para uma pequena sala rústica, onde a mesa é uma mó e o antigo forno faz um bojo redondo de pedra crua, ao contrário das restantes paredes, rebocadas e pintadas de branco. As modificações mais marcantes foram a parede exterior da sala, com dois metros por quatro, que fecha o forno dentro de casa, e a transformação do anexo dos animais em dois quartos e duas casas-de-banho.
Todo o trabalho de reconstrução foi feito por pessoas das aldeias vizinhas, à exceção da parte eléctrica: as paredes de xisto, os forros do tecto, em madeira de “castanho antigo”, como reforça o proprietário, tudo tem mão-de-obra local. As telhas e o material necessário também foram comprados nas redondezas, e não faltou quem oferecesse coisas “inúteis”, velharias sem valor para decorar a casa; tudo “aproveitamento do velho”. Madeiras antigas, pedra, telha, móveis, tulhas, arcas, mós e mesmo um berço de madeira e uma bacia de louça com o respetivo jarro, que decoram um dos quartos. Nessa altura a noção de Turismo Rural era ainda desconhecida e mais que uma vez ouviu dizer: “ali vai o senhor do moinho – para que o quererá? E dois anos depois – conta-nos com um sorriso – por moinhos em ruínas pediam dois mil e quinhentos contos, e já não há nenhum”. Mas isso foi depois de sair o primeiro regulamento sobre este tipo de exploração turística, em 1997, oferecendo subsídios de 35% a fundo perdido. A obra durou vinte e dois meses e foi feita com a ajuda de um arquiteto amigo, que lhe fez o projeto ou, como prefere dizer, “pôs-me o pensamento em riscos”. Como o investimento foi maior do que o previsto, também o Moinho do Caniço passou de casa de lazer a Casa de Turismo Rural; e desde então passaram dezoito anos e é raro o fim-de-semana em que se encontra desocupado.
Pelos restos de mós que aqui encontraram, o moinho devia ter uns cem a cento e cinquenta anos e funcionava como residência do moleiro. A casa dispõe agora, para além dos quartos, de uma sala comum e de uma agradável cozinha com lareira. Dois louceiros antigos com fechos de madeira e dois escanos, o banco tradicional transmontano, com uma parte móvel que desce e faz de mesa, reforçam o ar arcaico destes dois compartimentos principais.
E se a sala se confronta com o bojo de pedra do forno, a cozinha fica com a abertura, transformada em elemento decorativo e curiosidade por uma pequena panela de ferro de três pernas, colocada à entrada. A aquecer o ambiente nos gélidos invernos do Nordeste, uma lareira com fiáveis marcas de funcionamento e, como concessão aos confortos da modernidade, o indispensável frigorífico e um pequeno fogão elétrico. A eletricidade já existia por causa de um antigo viveiro de trutas, que está a ser de novo reativado para repovoamento de outros rios, situado a apenas cinquenta metros do moinho, na margem oposta. E para além das trutas, dizem que este rio de montanha ainda abriga lontras, prova incontestável do seu estado selvagem e puro.
Uma íngreme escada de madeira range sob os nossos pés, enquanto lá de baixo nos chega o perfume da aguardente caseira; quando entramos na cave, uma pequena parte da qual foi adaptada a garrafeira, os vapores de três pequenas pipas enchem o ar frio típico das caves de pedra. Em frente fica uma pia de pedra e, à esquerda, o coração do moinho: a sala da moagem, onde duas cubas de madeira, com o seu bico suspenso por cima das mós, parecem prontas a trabalhar. Um banco de pedra corrido ao longo da parede servia para poisar os sacos de grão. O travejamento do teto é feito com barrotes grosseiramente cortados e tem ar de poder durar, pelo menos, mais uns cem anos. À volta dos moinhos e pendurados no teto estão objetos de utilização imperscrutável, todos relacionados com o trabalho aqui feito e que o senhor Arnaldo conhece e sabe para que servem. “A água vem pela agueira para o cubo e desce projetada sobre os rodízios, através de dois orifícios circulares chamados buzileiros”. Não só a agueira mas também a represa exterior, que visitamos depois, estão incluídas nos três mil metros quadrados de terreno que pertencem ao moinho. As pedras que calçam os pátios e passagens à volta do edifício são trazidas pela água e aproveitadas todos os anos para melhorar os acessos.
Com a serenata do rio, o ambiente arcaico transmitido pela casa e o arvoredo tranquilizante que a envolve, o Monte do Caniço tem feito aficionados, sobretudo entre as populações urbanas de Lisboa e Porto. Muitos estrangeiros chegam através da Internet, como um casal belga, que regressou durante anos e aqui ficava quatro a cinco semanas de cada vez, chamando ao moinho “pequeno paraíso”. “Senti que as pessoas precisam de momentos de tranquilidade, com qualidade de vida: bom ar, boa gastronomia. Descobrir o que cada terra tem para oferecer”, diz Arnaldo Cadavez. E aqui, o que a terra tem para oferecer está concentrado neste pequeno moinho, um pequeno paraíso de tranquilidade, exemplo sereno de longevidade e sucesso.
Guia prático
Este é um pequeno guia com informação prática para planear a sua estadia na casa de turismo rural Moinho do Caniço.
Como chegar ao Moinho do Caniço
O Moinho do Caniço situa-se no Parque Natural de Montesinho, na margem esquerda do Rio Baceiro, a cerca de 12 quilómetros de Bragança na EN103 (sentido Bragança – Vinhais). Vindo do Porto, Lisboa, Braga ou Coimbra, acabará por tomar o IP4 de Vila Real a Bragança. Sair na segunda saída para Bragança no IP4 (saída Bragança Oeste, Vinhais), seguir pela EN103 na direção de Vinhais. O Moinho do Caniço encontra-se a 100 metros da EN103, ao km 251.
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