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O Milagre das Pontes Vivas

Por Ana Isabel Mineiro | Viagens Ásia Índia
Atualizado em 13.04.2018 | Tempo de leitura: 10 minutos

Pontes Vivas, Meghalaya

No norte da Índia há um lugar onde as pontes estão vivas. Vão crescendo e cravando as raízes cada vez mais fundo na terra, nas margens dos rios. O milagre acontece dentro da floresta tropical de Meghalaya e pode ser visto durante um passeio de um dia, que inclui percorrer trilhos, atravessar pontes pedestres e vencer cerca de 3.000 degraus.

As pontes vivas da Índia

Sabemos que estamos a chegar ao Assam quando os vendedores que entram no comboio nos oferecem bagatelas de plástico chinesas, em vez de deliciosos petiscos indianos.

Antes de chegar a Guwahati, a capital deste estado no nordeste da Índia, também a paisagem já mudou: lá fora desfilam agora plantações de chá e pequenos bosques de bambu, em vez das planícies de arrozais e campos de mostarda cobertos de flores amarelas. Estamos numa Índia tropical, próxima da fronteira com o Butão e sob influência da China através do Tibete.

Família em Nongriat, Índia
Família em Nongriat, Índia

O Assam é famoso pelo seu chá e por preservar um bom número dos ameaçados rinocerontes asiáticos, nomeadamente no Parque Nacional de Kaziranga.

Mas o que nos fez iniciar esta longa viagem através da Índia (vinte e sete horas de comboio desde Varanasi, quatro horas de Guwahati a Shillong e mais hora e meia até Sohra) está escondido mais a sul, na região de Meghalaya, junto à fronteira com o Bangladesh.

Meghalaya já fez parte do Assam, mas tornou-se um estado independente em 1972. A capital é Shillong, a cerca de 1500 metros de altitude, num enquadramento montanhoso belíssimo, feito de lagos e florestas. É tão ruidosa e caótica como qualquer outra cidade indiana, mas bastante mais limpa – pelo menos para quem chega de Varanasi.

E sobretudo, esta é a única porta de entrada para a região das tribos garo, jaintia e khasi. E é aqui que queremos chegar: aos Montes Khasi (Khasi Hills), onde ainda existe um punhado de exemplares de pontes únicas no mundo, feitas de árvores vivas, que continuam a crescer e a fortalecer-se ao longo do tempo.

Cherrapunjee, o lugar mais chuvoso do mundo

Os ingleses chamavam Cherrapunjee à povoação de Sohra, e anda hoje os dois nomes coabitam na zona sem entraves. A juntar ao facto de ser a maior povoação dos Montes Khasi, a terra tem também o original título de Lugar Mais Chuvoso do Mundo. Para dizer a verdade, neste momento está em competição cerrada – e a perder – com uma aldeia próxima, Mawsynram, que detém um máximo de 26.000 milímetros de pluviosidade anual.

Andar à chuva não é uma perspectiva interessante, mas reconhecer os seus resultados durante os meses secos vale mesmo a pena: há quedas de água imponentes por todo o lado, e os rios dispuseram nos seus leitos uma nova série de pedregulhos de esquinas bem polidas pela água, que é límpida e abundante durante todo o ano. O calor e a humidade também são copiosos, mas uma visita à Cascata de Nohkalikai e uma descida até ao canhão de pedra, onde se despenha num laguinho de cor turquesa, põe-nos de bem com a humidade e com toda a chuva que possa cair.

Pontes vivas Meghalaya
Pontes vivas em Nongriat

É em Lower Sohra (Sohra-de-Baixo, se quisermos traduzir), a parte da povoação distribuída ao longo da estrada, que podemos encontrar as poucas infraestruturas turísticas de acolhimento para quem tem tempo e vontade de conhecer estas obras-primas do génio humano: as pontes vivas. Não se espere mais que um par de lugares para dormir e outras tantas tasquinhas, que cumprem a função de restaurante.

Mas a região tem um carácter muito próprio: os khasi são aparentados com tribos do vizinho Myanmar, de rosto redondo e olhos orientais, falam uma língua sincopada da família do khmer (a língua do Camboja), e têm com os turistas uma atitude muito pouco comercial, tímida até, para além de uma noção de espaço pessoal que também os distingue dos restantes habitantes do subcontinente.

A juntar-se a estas particularidades, a ausência de vacas a deambular pelas ruas e as lojas fechadas ao domingo denunciam a hegemonia cristã da zona. Mas basta estar a decorrer um campeonato de críquete para desaparecerem quaisquer dúvidas sobre estarmos ou não na Índia.

Para encontrar guia e transporte até à zona onde os khasi constroem as suas pontes vivas foi preciso algum trabalho de investigação, nomeadamente sobre os jipes de transporte colectivo que descem os montes até à aldeia de Tyrna – indagar sobre a sua existência, horas de partida e regresso.

Finalmente, acabei por perceber que só com transporte próprio é que poderia percorrer os trilhos num dia. Caso contrário demorava mais de um dia, e poderia – ou não – ter um lugar para dormir na aldeia de Nongriat, conhecida pela sua ponte de dois tabuleiros.

Melhor não podia ter arranjado: o jovem Heprit, dono da primeira Guest House da região, ofereceu-se para me levar na sua vespa pintada com as cores do Bob Marley, e às sete da manhã abalámos montes abaixo através da floresta, do frio matinal e do nevoeiro, por uma estradinha muito má e feita de curvas fechadas.

Um bilhete para as ponte vivas – e o troco em laranjas, se faz favor

Do alto da estrada, antes de descer para Tyrna, podemos ter uma ideia do mundo onde vamos entrar: montanhas a perder de vista, cobertas por uma floresta cerrada onde podemos ver uns minúsculos aglomerados de casas muito espaçados, com um pequeno campanário branco a sobressair no verde-escuro da paisagem.

Todas as povoações por onde passei (quatro, no total) tinham o mesmo tipo de casinhas muito cuidadas, geralmente com uma varanda na frente. As galinhas deambulavam livremente e tinham direito – assim como as abelhas – a réplicas das casas de madeira dos humanos, encostadas a um tronco ou a um pedregulho.

As povoações estão unidas por trilhos e muitos degraus de pedra ou de cimento; o declive é tão acentuado que se assim não fosse, teríamos de descer em direcção ao fundo do desfiladeiro agarrados aos troncos e ramos das árvores, para não escorregar. Por incrível que pareça, as aldeias têm electricidade e há canos que trazem a água para cima, de modo a que não tenham de subir e descer diariamente para se abastecer.

Pormenor das pontes vivas
Pormenor de uma das pontes vivas

Os sons ficam por conta dos pássaros da floresta, enquanto mosquitos e borboletas procuram alternadamente a nossa pele; apesar de caminharmos num verdadeiro túnel verde, sem nunca sermos atingidos directamente pelo sol, o esforço e a humidade fazem-nos transpirar abundantemente. Por vezes a escadaria é tão íngreme e curva que deixamos de ver os degraus que se seguem – o que torna impossível não começar a pensar no regresso, e nos cerca de 3.000 degraus que vai ser preciso percorrer de novo, e desta vez a subir.

É raro encontrar pessoas. De qualquer modo, geralmente a timidez faz com que sejamos ignorados (mais uma diferença em relação ao resto do país), mas quando temos uma dúvida (para que lado existe uma ponte, por exemplo) a amabilidade é geral e todos parecem falar algum inglês, mesmo os mais jovens.

Só em Nongthymmai encontrei duas pequenas placas de madeira que indicavam as pontes – e aí apareceram aos pares. Com estávamos na época seca, pude saltar sobre as pedras do rio e colocar-me por baixo, para apreciar a estrutura e as raízes aéreas que vão descendo em direção à água.

Mas o que são, afinal, as pontes vivas? Antes de mais, são uma ideia revolucionária e profundamente ecológica, daquelas que nos fazem pensar que a tecnologia não é tudo: os khasi perceberam que as raízes de um tipo de árvore-da-borracha, a ficus elastica, aguentavam a fúria dos rios de montanha, que arrasta mesmo pedras gigantescas durante a época das chuvas.

Todas as estruturas que construíam para os ajudar a transpor as torrentes violentas desapareciam a cada monção. Então começaram a plantar a ficus elastica em pontos estratégicos, nas margens dos rios, e a orientar as suas raízes e ramos em direção à margem oposta, com varas de bambu a servir de guias para as raízes mais jovens, alinhando-as até que crescessem e pudessem unir-se, formando uma ponte.

O mais extraordinário é que cada ponte demora vinte a trinta anos até estar construída, e uns cinquenta até estar bem sólida, capaz de aguentar o peso de várias pessoas ao mesmo tempo. Duram centenas de anos e ficam cada vez mais fortes, ao contrário das pontes de pedra ou cimento.

A manutenção consiste apenas em ir unindo as raízes aéreas para reforçar a estrutura. As mais antigas já têm pedras no piso, completamente encaixadas – fundidas, seria a palavra certa – na própria árvore. Um abraço indestrutível e sólido, que resulta de uma obra de sabedoria, paciência e também amor: o usufruto pleno fica sempre para a próxima geração, que deve receber e continuar a obra.

Para além de tudo são de uma elegância e beleza que nenhum betão alcança: as mais antigas têm raízes da grossura de braços, forradas a musgo, as raízes formam lindos rendilhados nos “corrimões” laterais e quase não se movem; as mais jovens ainda gingam muito, e as raízes finas enrodilham-se como num grande ninho de pássaros. Suspensas sobre os rios, avistamo-las só quando estamos mesmo a chegar à água, plantadas no silêncio e na sombra.

A mais monumental e fotografada, com dois tabuleiros, é a de Umshiang, na aldeia de Nongriat, e é preciso pagar um bilhete de “desenvolvimento da aldeia” para a fotografar. Uma sorridente senhora, vestida com uma toga de xadrez presa no ombro, típica das mulheres khasi, veio mostrar-me os bilhetes com um grande sorriso e explicar-me que o dinheiro revertia para obras de todos, como reparar os degraus e caminhos, única ligação com o exterior da floresta.

Tratava-se de uma quantia irrisória para a qual eu não tinha trocado, nem ela tinha troco; mas tinha uma sacola de pano ao ombro, carregadinha de laranjas. Não resisti: pedi-lhe para me dar o troco em laranjas – e recebi duas suculentas peças de fruta, que comi numa sombra com vistas sobre o rio e nada menos que duas pontes vivas, símbolos visionários do engenho e do investimento no futuro, que estas comunidades sábias continuam a praticar.

Guia de viagens às Pontes Vivas

Este é um guia prático para viagens às pontes vivas de Meghalaya, na Índia, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.

Quando ir

Apesar das garantias dos locais de que a região é muito mais linda e verde durante a época das chuvas (sim, eles gostam mesmo daquela chuva toda!), o meu conselho é que se visite durante a época mais seca, entre outubro e março.

Como ir

Há um aeroporto em Guwahati que recebe ligações internas diárias de Calcutá. A ligação mais fiável e segura é o comboio, que tem muitas ligações na direção a Nova Deli e também de Calcutá. De Guwahati há transportes terrestres até Shillong e depois até Sohra. Os mais comuns são os sumo, jipes coletivos que partem quando estão (muito) cheios; há poucos autocarros, e os lugares têm de ser reservados pelo menos no dia anterior.

Há pontes vivas em vários locais da região, como em Mawsamok; mas Sohra (Cherrapunjee) é o centro dos Montes Khasi e o único local onde é possível dormir, para além de ter os acessos mais fáceis para quem viaja de forma independente.

Recomendamos que se visite uma série de pontes a partir de Tyrna – mas para isso terá de indagar sobre a disponibilidade de transportes na altura (há mais do que um minibus em dias de mercado, quase nenhum o restante tempo; há também táxis, cujo preço deve ser discutido com vagar). O mais fácil é procurar ajuda no sítio onde ficar a dormir.

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Onde dormir e comer

Um lugar muito simples mas limpo, onde se partilha uma igualmente cuidada latrina e sala de banho com a família, no exterior da casa, é a Guest House By the Way, de Heprit Kynta, bem assinalada à entrada de Lower Sohra. Para comer há dois ou três tasquinhos no cruzamento mais abaixo, que têm sobretudo pratos com base na massa e no arroz, saciantes, mas pouco elaborados. Também há fruta, doces e bolachas à venda em quiosques, ou não estivéssemos na Índia.

Pesquisar hotéis em Meghalaya

Informações úteis

Megahlaya é um estado pacífico e arredado das confusões políticas dos vizinhos Nagaland e Arunachal Pradesh, que geralmente requerem uma autorização especial de entrada aos estrangeiros. Também o estado do Assam tem andado tranquilo nos últimos tempos. O inglês é falado por quase todos, e a delicadeza e timidez podem ser uma surpresa se já estiver a viajar na Índia há algum tempo.

Há de tudo em Shillong, incluindo bancos e ATM, internet, cafés e restaurantes. Estranhamente (para a Índia) as lojas têm preços fixos – muitas vezes até com uma etiqueta colada! O clima em Shillong é mais fresco do que em Sohra, que fica mais em baixo, num planalto sem árvores e mais exposta ao calor.

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Sobre o autor

Filipe Morato Gomes, blogger de viagens

Olá! O meu nome é Filipe Morato Gomes, vivo em Matosinhos, Portugal, sou blogger de viagens, co-autor do projeto Hotelandia e Presidente da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses.

Tenho 52 anos e muita experiência de viagem acumulada. Já dei duas voltas ao mundo, fiz dezenas de viagens independentes e fui líder de viagens de aventura.

Mais recentemente, abracei um novo desafio chamado Rostos da Aldeia, onde se contam histórias positivas sobre as aldeias de Portugal e quem nelas habita.

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