Localizado no interior norte da Letónia, a leste da capital Riga, o Parque Nacional Gauja integra uma das mais deslumbrantes regiões do Báltico, rodeada de densas florestas, lagos e castelos medievais. Um roteiro de viagem a partir de Sigulda ao coração do surpreendente vale do Gauja.
Sigulda, porta de entrada no Gauja
Sigulda, o principal acesso à área protegida do Rio Gauja, tem mais árvores do que casas. Lugar habitado desde 2000 A.C. por tribos livónias, fica no cimo de uma placa calcária e plana, cortada em duas pelo caudal escuro do rio.
Uma escadaria desce os cerca de 40 metros de falésia coberta por pinheiros que separam a povoação do rio, mas o teleférico oferece uma magnífica panorâmica sobre as florestas, com a torre vermelha do Castelo de Turaida a aparecer acima da massa verde escura das árvores. Nos arredores, os castelos de Sigulda, Krimulda e Turaida são apenas três dos cerca de 400 monumentos que é possível encontrar junto às margens do Gauja e de alguns dos seus afluentes.
O Castelo de Turaida, o “jardim de deus”, na linguagem livónia, é a visão mais proeminente da zona. Construído no século XIII, no local de uma fortaleza livónia, foi reconstruído recentemente e alberga um museu sobre os primeiros habitantes conhecidos da zona e do país – os livónios.
Nas proximidades, uma igreja de madeira do séc. XVIII e um parque com esculturas alusivas a lendas do folclore local estão completamente envolvidos por bosques de bétulas.
Conquistada pelos cruzados alemães no séc. XIII, foi o próprio rio que passou a servir de fronteira entre o novo território, a sul, e o arcebispado de Riga, que ocupava a parte norte, incluindo Turaida.
Em Cesis, 30 quilómetros a nordeste de Sigulda, o castelo foi fundado pelos cavaleiros alemães, e a cidadezinha ainda hoje mantém muito do seu carácter original, com ruas de casas em madeira, a igreja de S. João, do séc. XIII, e o velho castelo rodeado de jardins, onde sobrevive uma muito mais recente igreja ortodoxa russa.
Criado em 1973, o Parque Nacional Gauja pretende preservar todo este enquadramento histórico, bem como o seu cenário natural, rico e bem exemplificativo desta zona da Europa. Quarenta por cento do solo da Letónia continua ocupado por florestas e, desde há muito, o seu aproveitamento faz parte do dia a dia letão: a caça, os cogumelos e os frutos silvestres sempre foram importantes na dieta tradicional, e muitas casas ainda são construídas em madeira.
O melhor exemplo da estreita ligação entre o homem e a natureza dentro dos limites do Parque são, talvez, as lendas associadas a locais “misteriosos”, como as grutas cavadas nas falésias do Gauja – coisa rara, num país tão plano. Aqui, as rochas chegam a receber nomes; Kuku e Katrina são as mais conhecidas. Junto a Sigulda, duas das cavernas chamam-se Pequeno Demónio e Grande Demónio, e a última tem as paredes chamuscadas pelo bafo do diabo, que ali se protegeu da luz do sol…
Uma das mais visitadas é a Gutmanis, anunciada por grafittis que começam bem antes da entrada e se prolongam pelo tecto e interior. Nomes, datas, brasões de caçadores e passeantes há muito desaparecidos – alguns remontam ao séc. XVI – formam baixos relevos decorativos no arenito alaranjado da falésia.
E o hábito continua: há sempre alguém que chega, e deixa a sua marca nos pedaços lisos da falésia onde ainda há espaço. O rio, esse há muito que se afastou uns largos metros dali, mas um fio de água escorre da gruta, que acabou por ficar com o nome de Gutmana, um curandeiro que com ela fazia milagres. Associada ao Castelo de Turaida pela lenda da bela Maija, “Gutmana Ala” acabou por se tornar um dos símbolos do Parque.
O Rio Gauja, para além de criar algumas das formas mais fantasmagóricas do Parque, tem também capacidades miméticas inexplicáveis, escondendo-se debaixo da terra e aparecendo mais à frente, ora azul profundo, ora castanho e sinuoso como um rio tropical.
Em Ligatne, local precioso para um mergulho nos bosques escuros que cobrem quase metade da área protegida, abundam os riachos, rodopiando em curvas pelo chão da floresta, formando pequenos vales arenosos. Há mais de trinta lagos espalhados por todo o Parque, com as mais variadas dimensões, da meia dúzia de metros quadrados aos quase 400 hectares do Lago Unguru, perto de Cesis.
Por entre pinheiros e cedros, charcos, pântanos e lagos escuros aparecem bordejados de prados floridos. Alguns troncos caídos, de raízes majestosas, dão vida a cogumelos acinzentados e musgos de um verde intenso. Inspirador de músicas e intimamente ligado ao folclore nacional, o Gauja corre ali ao lado, testemunhando o passar da história e a mudança das estações do ano.
As populações que habitam as suas margens, revivem com afinco as tradições antigas, em festivais folclóricos que repetem trajos, músicas, danças e costumes, cuja idade já se perdeu no tempo – um mundo em que o natural e o humano se misturam, sob a protecção do Gaujas Nacionalais Parks.
Caracterização do Parque Nacional Gauja
O vale do Rio Gauja data da última época glaciar, e é considerado das zonas mais bonitas do Báltico. Rodeado de densas florestas e castelos medievais, das suas paisagens constam também lagos, zonas húmidas típicas do norte da Europa, bucólicos prados floridos.
O Parque acompanha e protege uma extensa região desta área privilegiada que, por sinal, também é conhecida na Letónia como berço da nacionalidade. Quarenta e sete por cento do território do Parque são florestas de pinheiros e bétulas, excelente habitat para uma fauna constituída, sobretudo, por alces, veados, javalis, raposas e alguns ursos.
Certas zonas das margens são habitadas por castores, enquanto grutas e ruínas abrigam colónias de morcegos. Das aves, a mais invulgar, em termos locais, é a cegonha. Os bisontes que vivem numa enorme área cercada dentro da floresta de Ligatne não são uma importação exótica, mas habitantes originais das florestas da Europa Central, infelizmente, quase extintos – a última população de autóctones encontra-se agora em território polaco e bielorrusso.
O relevo é bastante plano; daí, as falésias calcárias e de arenito amarelo que emergem, por vezes, da vegetação das margens, merecerem lugar de destaque, nomeadamente em locais com grutas, quase sempre associadas a lendas e episódios históricos. A área tem alguns núcleos habitacionais, dos quais se destacam a cidade de Cesis, com cerca de 20.000 habitantes e Sigulda, com 11.800.
Percursos e pontos de interesse
O coração do parque fica entre Sigulda e Cesis, passando pela aldeia de Ligatne. Os caminhos são fáceis e a única dificuldade fica a dever-se à falta de transporte até ao Centro de Recreação e Estudo de Ligatne. A pernoita faz-se nas povoações mais próximas.
Ambos os trajectos estão bem assinalados. Sobre as possibilidades de acampamento e descida do rio em canoa, deve consultar-se a Casa do Parque, em Sigulda. A não perder, nesta cidadezinha no meio dos bosques, as festividades de Abril (Festa da Cidade) e de Junho (Festival do Verão).
Sigulda – Krimulda – Turaida (3 a 4 horas)
O castelo mais bonito de Sigulda é o antigo, mas a melhor vista sobre as suas pedras arruinadas obtém-se a partir do novo castelo, mesmo ao lado. Algumas abertas sobre o vale mostram o Rio Gauja, lá no fundo, num dos seus troços mais belos.
Perto da igreja sai o teleférico que atravessa para o Castelo de Krimulda, 40 metros acima do rio. As vistas são inigualáveis: uma ininterrupta mancha com vários tons de verde preenche o horizonte até à barra larga e escura do rio, no fundo. No ponto mais alto, sobressai a torre vermelha e ponteaguda de Turaida. Não se consegue adivinhar muito bem o que está na outra margem, mas de dentro do arvoredo surge a indicação para o Castelo de Krimulda, ali próximo.
Construído no séc. XIII, hoje resta-lhe apenas uma parede, como um miradouro sobre a ponte de Sigulda. O trilho desce então em direcção ao vale, onde passa a estrada alcatroada que sobe até Turaida, ao longo de um pequeno lago e alguns riachos. Aqui e ali surgem novos trilhos, que nos levam até dentro da floresta, mas o caminho mais importante continua paralelo ao Gauja até à cave de Gutmanis.
Aos fins de semana há quem se dedique a fazer a sua gravura na falésia, ao lado das outras e durante as aulas não faltam visitas de estudo, para encher de vida a fantasmagórica gruta em forma de triângulo, decorada por um rendilhado de marcas de outros tempos. Uma subida pela floresta – ou pela estrada – e alcança-se o Castelo de Turaida. Do lado esquerdo do caminho, a lápide de Maija e a velha igreja, fortificações antigas e, por fim, a torre de vigia, com 27 metros, rodeada pelo restante complexo do castelo.
Uma subida ao panorama oferecido pela torre e a visita do museu do castelo, que procura documentar a história dos que são considerados os primeiros letões – os livónios – são obrigatórias, antes de descer de novo ao vale e regressar a Sigulda, desta vez atravessando a ponte sobre o Gauja, para ver de perto as mudanças de cor que a luz traz à água.
Centro de Recreação e Estudo de Ligatne – Ligatnes Atputas un Macibu Parks (um dia)
A partir de Sigulda, tomar o comboio para Ligatne, a cerca de 15 quilómetros de distância. Da própria estação partem autocarros esporádicos em direcção ao Centro de Recreação, mas a paragem mais próxima fica num cruzamento a quatro quilómetros da entrada. Uma vez passada a cabana de madeira da recepção, inicia-se uma série de trilhos temáticos: vida selvagem, flores e, como não podia deixar de ser, o das fadas.
É possível conjugá-los começando pelo da vida selvagem, que passa por grandes áreas fechadas onde estão alguns dos animais típicos das florestas protegidas pelo Parque.
O tamanho das áreas juntamente com a timidez de alguns animais faz com que não seja garantido o encontro, mas búfalos e javalis não se fazem rogados e aproximam-se das pessoas até à vedação. Os ursos estão mais circunscritos e o posto de observação, num alto, faz com que seja fácil vê-los sem perigo.
À medida que se sobe e desce pelo bosque dentro, vão surgindo sinais que indicam quais os animais que por ali andam – presos mas, pelo menos, integrados no seu habitat. Uma casa de madeira típica e algumas torres de vigia completam os pontos de interesse deste circuito.
A torre mais alta, 20 metros de madeira gingante e não aconselhável a quem sofre de vertigens, oferece uma paisagem fantástica sobre o mar de árvores a perder de vista, interrompido por um cotovelo castanho do Gauja, muito ao longe. É para lá que o carreiro se dirige, ao longo de pequenos cursos de água e falésias em miniatura, como se novos vales como este se preparassem para nascer.
Ao chegar ao estradão de terra, percorrido pelas carroças de aluguer que percorrem o Centro, surgem as indicações do percurso das fadas e das flores. O primeiro faz-nos atravessar secções escuras do bosque, onde surgem velhas estátuas de madeira cujas figuras parecem encontrar ali o seu ambiente natural: bruxas, fadas, monstros e anões musgosos aparecem nos locais mais sombrios, dos dois lados do caminho.
O segundo percurso deve ser feito no princípio do Verão, para que, pelo menos, haja flores. Em outras épocas conduz-nos junto às margens do Gauja, até enseadazinhas que dominam rochedos povoados de pássaros, do outro lado do rio.
Fora da área de recreação, Ligatne é um excelente exemplo de uma aldeiazinha desta zona do Báltico: casas de madeira com jardins e hortas muito cuidados, cuidadosamente espaçadas entre si por pastos floridos.
História da “Rosa de Turaida”
Em 1605, após uma feroz batalha, alguém levou para o Castelo de Turaida uma menina encontrada entre os feridos. Baptizada de Maija, passou a infância no castelo e tornou-se, ao crescer, numa beleza irresistível, cortejada por cavaleiros vindos de todo o lado. A menina, porém, só tinha olhos para um jardineiro de Sigulda, Viktors, com quem costumava encontrar-se na gruta de Gutmanis, a meio caminho entre os dois castelos.
Um dia, um desesperado oficial polaco forjou uma carta com a letra de Viktors e conseguiu atraí-la à gruta. Quando viu o engano, Maija tentou fugir. Não o conseguindo, ofereceu ao cavaleiro um lenço mágico, com poderes de protecção contra os inimigos, se ele a deixasse ir embora em paz.
Para provar os seus poderes, enrolou o lenço no pescoço e pediu-lhe para a tentar matar com a espada; o raptor assim fez – e Maija caíu morta de imediato. O oficial fugiu, e o pobre Viktors viu-se em apuros quando encontrou o corpo na gruta. Acusado de matar a namorada, só se salvou por que um amigo do polaco resolveu contar a verdade. Depois de sepultar Maija com as próprias mãos e plantar uma tília no local, Viktors nunca mais foi visto.
Esta trágica história, que tornou famosa a gruta de Gutmanis, é baseada em factos verídicos, e o local onde repousa a heroína, ao lado da igreja de Turaida, está assinalado com uma lápide – “Turaidas Roze” 1601 – 1620. De passagem pelo trilho mais frequentado do vale, entre o castelo de Sigulda e o de Turaida – cenário exemplarmente romântico – não falta quem deixe algumas flores junto à “Rosa de Turaida”.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens a Gauja, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região de Sigulda.
Quando ir
A melhor época para conhecer o Parque são os meses de Verão, embora Julho seja um pouco chuvoso.
Como chegar a Sigulda
O Parque Nacional Gauja situa-se no interior norte da Letónia, a leste de Riga, e protege 920 quilómetros quadrados do vale do Rio Gauja. A entrada mais acessível na área protegida é a de Sigulda, a 50 quilómetros de Riga, onde basta descer as escadarias em direcção ao rio, ou atravessar o vale de teleférico.
O Parque também pode ser abordado por Ligatne ou Cesis, ambas mais a norte e já dentro dos seus limites. Para deslocações dentro desta área protegida, uma combinação de transportes públicos (comboio e autocarro) e algumas caminhadas é suficiente, para fazer os percursos apresentados.
Onde ficar
Indica-se apenas endereços de Sigulda, uma vez que, tratando-se da principal entrada no Parque Nacional Gauja, é o lugar mais privilegiado a nível de localização e desenvolvimento turístico. O turismo local arranja alojamento em unidades Bed & Breakfast da região. Entre os hotéis existentes, sugere-se o Hotel Senleja (4, Turaidas iela).
Restaurantes em Sigulda
Em frente à estação, há um pequeno snack-bar com refeições vendidas a peso. Outras sugestões incluem o Kafejnica Turaida, à entrada do castelo, e o Restorans Turists, do lado oposto à entrada principal de acesso ao castelo.
Actividades no Parque
O Parque tem vindo a esforçar-se por desenvolver actividades ligadas à natureza, como caminhadas e passeios guiados a cavalo. Em destaque estão as actividades ligadas ao rio, nomeadamente a canoagem. Para isso estão preparados 19 lugares nas margens do Gauja, onde é permitido acampar. Só para grupos – contactar o turismo de Sigulda. Durante o Verão, o turismo também oferece saltos bungee jumping, da ponte de Sigulda.
Seguro de viagem
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