Um bom taboulleh e recordações da Síria

Por Kiko Martins

Taboulleh

Uma lenda antiga conta que numa viagem de regresso de Meca, ao avistar a bonita Damasco desde Jebel Qassioun – a montanha que se encontra na parte no­roeste da cidade -, o Profeta Maomé não quis descer até à povoação. Disse que um homem só estava autorizado a cruzar as portas do Paraíso uma vez.

Esta é apenas uma das muitas histórias sobre a capital síria porque o certo é que, se as paredes da parte antiga da cidade pudessem falar, seriam capazes de superar o encanto de Sherazade nas suas Mil e uma noites. Pelo menos, foi isso que senti quando aí estive durante a minha volta ao mundo em 2010.

Nunca iria adivinhar que quase um ano depois, no inicio de 2011, estalaria uma Guerra Civil capaz de espalhar uma onda de destruição assustadora pelo país inteiro. Lembro-me muitas vezes da Síria, porque gostei imenso de lá estar, e das pessoas que pude conhecer. Imagino muitas vezes o que será feito de todos eles.

Do que recordo, era no coração antigo que Damasco mantinha a autenticidade romântica do Oriente, nos bazares com aroma intenso de espe­ciarias, nas vielas estreitas onde nos cru­závamos com vendedores de rua, nas vozes dos muezzins que ecoavam dos minaretes das mesquitas. A passagem pelo Médio Oriente era, já nessa altura, um dos maiores desafios do percurso, no que diz respeito ao objetivo que estabelece­ra de tentar ficar sempre com famílias locais. Tentei descobrir alguém que tivesse amigos ou algum contacto na Síria, mas acabou por se revelar uma pesquisa to­talmente infrutífera.

Foi através da internet que descobri um blogue de gastronomia, cujo autor revelava que toda a vida tinha sonhado ser cozinheiro mas que, como verdadei­ro sírio que era, tinha acabado por se tornar ci­rurgião. Enviei automaticamente um email a pedir ajuda e, do outro lado, respondeu-me: “Acho ótima ideia, quem me dera poder fazer o mesmo que vocês. Contem com a minha ajuda porque tenho todo o interesse em divulgar a cozinha do país onde nasci.” E foi assim que acabei a tri­lhar as rotas gastronómicas de Damasco (que não aparecem nos guias turísticos, felizmente) com Chadwan, um médico sírio a viver em Londres que por acaso voltara a casa de férias mesmo na altura em que eu estava no país.

Damasco, uma experiência inesquecível

O nosso primeiro encontro aconteceu na Midan Jaz­matyeh Street, perdida algures no meio da confusão de Damasco. O lugar de que Chadwan tinha mais saudades enquanto estava longe. Talvez até o ponto gastronómico mais sagrado da cidade. Pelo menos, um que os damascenos apreciam bastante. “A principal particularidade desta rua é que a única coisa que aqui se encon­tra à venda é comida. E está aberta dia e noite”, explicou-me Chadwan durante a via­gem de táxi.

A minha imaginação é fértil e claro que arriscou umas suposições, mas nada me preparou para o cenário real que acabei por encontrar. Um autêntico show de variedades que fazia lembrar uma feira popular, com direito a máquinas onde, em vez de se pescar bonecos, se ganhava co­mida. Onde o comércio parecia competir pelo título do maior e mais grandioso es­petáculo de luzes néon a piscar ao mes­mo tempo e sem a mínima harmonia, ou da montra mais iluminada e carregada de produtos alimentares. Doces árabes, queijo, ervas, azeitonas, falafel, kebab de carne de camelo, húmus e shawerma, tudo no mesmo sítio, ao ponto de não se saber por onde começar e acabar. A mesma rua onde – descobri mais tarde – se comia realmente bem.

Chef Kiko
O chef Kiko na Midan Jaz­matyeh Street, Damasco

O jantar começou de trás para a frente, porque iniciámos o percurso pela ponta da rua onde estavam as lojas de sobremesas. Bem tentámos resistir aos doces que nos ofereciam a cada cinco passos, mas naquela noite mágica não havia regras. A primeira coisa que pro­vámos foi knafeh nabelsyeh. Um bolo fofo e molhado feito de massa kadaif e queijo de ovelha. O doce era preparado em tabu­leiros redondos gigantes e preservado em banho-maria para garantir que o queijo se derretia na boca. O dono da loja ficou tão entusiasmado por ver estrangeiros que, à mínima troca de olhares de aprovação, nos convidou para assistir à confeção do doce e revelou todos os segredos.

“A zona que se segue não é aconselhá­vel para quem tem problemas de coração. Vocês têm?”, perguntou Chadwan. Não sa­bíamos, mas ficámos a saber que na Síria comiam todas as partes do cordeiro. “Tu­tano, miolos, intestinos e até testículos”, confidenciou Chadwan. Ao mesmo tempo desatou às gargalhadas.

Se estava a preparar-nos para o quarteirão das carnes, devo admi­tir que não foi capaz. Naquela zona, a comida variava entre o aspecto imensamente apetecível e o absolutamente repugnante, dependen­do de até onde se conseguir ir. Era possível provar sej’aat, intestinos de cordeiro re­cheados com arroz, sanduíches de miolei­ra, patas de cordeiro e tartes de espinal medula. Quem nos visse naquele momento não diria que temos parte da mesma coragem com o porco, em Portugal.

Descemos rapi­damente até ao final da rua para provar a melhor shawerma da cidade. O Al-Mousellli Shawerma era uma loja de beira de estrada com umas quantas cadeiras de plástico em pleno passeio. Estava sempre cheio. Podia-se escolher en­tre carne de cordeiro, galinha ou vaca. O nosso tão querido bife de vaca é real­mente difícil de encontrar nesta parte do mundo. E nós bem que procurámos. Ficámo-nos pelos dois primeiros. O cor­deiro vinha com salsa, cebola, nabo e um molho amargo de romã. O frango com pickles de pepino e molho de alho. Não dá para explicar (e acreditar) no bom que era. Delicio­so, saboroso, magnífico. Chadwan sabia-o bem. Quando percebeu que estávamos rendidos, rematou: “Agora espero que consigam perce­ber por que é que este sítio é o verdadeiro paraíso gourmet de Damasco.”

Taboulleh, uma deliciosa salada de salsa e hortelã

Salada Taboulleh
Salada Taboulleh

Esta é, possivelmente, a salada que nunca falta numa mesa no Médio Oriente. Uma combina­ção na qual a salsa desempenha o papel principal. Outro ingrediente igualmente importante é o bulgur (trigo lavado, vaporizado, seco e partido). É simples utilizá-lo: por já ter sido cozi­nhado, basta voltar a hidratá-lo.

Ingredientes

  •  200 g de bulgur
  • 5 tomates em cubos pequenos
  • 1 pepino sem sementes, em cubos pequenos
  • 3 mãos-cheias de salsa fresca picada
  • 1 mão-cheia de hortelã fresca picada
  • 3 colheres de sopa de azeite
  • Sumo de 2 limões
  • Sal a gosto

Preparação

Ponha o bulgur de molho durante uma hora. Escorra-o e coloque-o sobre papel de cozinha para retirar o excesso de água. Deixe secar durante 30 minutos. Numa saladeira, coloque o bulgur, o tomate, o pepino, a salsa e a hortelã. Envolva tudo e tempere com azeite, sumo de limão e sal. Esta salada é um ótimo acompanhamento para qualquer prato.

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Kiko Martins

Cozinheiro e viajante e um dos professores da Chefs' Academy. Já deu uma volta ao mundo gastronómica, é casado, tem dois filhos e está à frente das cozinhas d'O Talho e d'A Cevicheria. Gosta de estar à mesa, ainda mais a beber pisco sour.

4 comentários em “Um bom taboulleh e recordações da Síria”

  1. Olá, antes de mais sou fã do restaurante O Talho e do chefe Kiko. Quanto ao meu taboulleh, é ligeiramente diferente, sai o pepino e entra a cebola finamente picada e temperada com sal e pimenta. ;) Quanto à Síria, é o meu país do coração. A minha mãe é síria e como qualquer sírio cozinha lindamente. Tudo de bom.

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    • Ana, tenho de experimentar essa ligeira alteração para ver como fica. Fiquei curioso. Imagino que a sua mãe esteja muito triste com tudo o que se tem passado na Síria. Eu também… embora não seja o meu país do coração, marcou-me muito!

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  2. Boa tarde.

    Gostei muito… Mas fiquei curioso… Em viagem como se consegue ficar com as famílias locais, como se faz essa ligação?

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    • Obrigado Paulo! :) No meu caso fez-se graças a uma mulher bastante organizada e uma boa rede de contactos de amigos. Há sempre alguém que conhece alguém. E quando isso não existia era através das pessoas que íamos conhecendo e com quem íamos metendo conversa ou através de pesquisas na internet, como aconteceu com este nosso amigo Chadwan.

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