Depois da destruição de Phuket e dos corpos sem vida que vi em Khao Lak, Tailândia, sigo para Galle, no sul do Sri Lanka, onde testemunho o sofrimento daqueles que tentam desesperadamente sobreviver. Uma experiência brutal. A agonia da fome não é fácil de encarar.
Deixei a ilha de Phuket, na Tailândia, para rumar tão rápido quanto possível para a devastada costa do Sri Lanka. A passagem de ano aconteceu sem badaladas nem champanhe, sem sorrisos nem abraços, a bordo de um avião da Thai Airways. Não havia nada para celebrar. Cabisbaixo, sabia que ia ao encontro de cenários de colossal destruição. Mas não imaginava ainda a dimensão humana da tragédia e as agonizantes lutas pela sobrevivência que haveria de testemunhar.
A presença, em invulgar número, de jornalistas e equipas de ajuda humanitária na lista de passageiros denunciava, desde logo, a gravidade da situação no terreno. À chegada à capital Colombo, grupos de funcionários do aeroporto encaminhavam ambos para uma zona diferente do comum dos passageiros. Uma tentativa de agilizar o processo alfandegário de descarga do equipamento dos jornalistas e das grandes quantidades de material de apoio médico que os grupos humanitários transportavam.
Sabia que uma das zonas mais afectadas pela fúria das águas se localizava no sul do país. Aluguei um carro e percorri toda a extensão transitável da estrada marginal que liga Colombo à cidade de Galle, localizada no extremo sudoeste do Sri Lanka. E, assim que Galle foi ficando mais próxima, verifiquei que as bermas da estrada se encontravam anormalmente pejadas de pessoas – novos, velhos e muitas crianças de colo – que esperavam ajuda. Como pano de fundo, só se viam casas completamente destruídas, inabitáveis. As pessoas dormiam ao relento e, de dia, aguardavam que algo de bom lhes acontecesse.
O mais básico combate de qualquer espécie – a luta pela sobrevivência – era travado, diante dos meus olhos, por milhares de indivíduos dispersos por quilómetros e quilómetros de estrada. A cada carro que passava, os desalojados faziam sinais na tentativa de o fazer parar. Pediam água, comida, um simples coco, qualquer coisa que os ajudasse a manter vivos. Vi gente brigar por meia dúzia de bolachas e até por um cigarro oferecido. As mãos estendidas e os olhares de desespero que me foram dirigidos não serão fáceis de apagar da memória nos tempos mais próximos. A agonia da fome não é fácil de encarar.
Felizmente, a solidariedade para com o povo do Sri Lanka parecia não ter limites. Carrinhas de organizações humanitárias locais e algumas estrangeiras e, principalmente, de muitos particulares anónimos, transportavam pequenos mantimentos, muita água, algumas roupas, um ou outro cobertor e paravam para os distribuir nas bermas da estrada. E então era o caos, com gente desesperada a correr furiosamente em direcção ao veículo estacionado, numa corrida literalmente pela vida. Os sorrisos de quem conseguia algo eram terrivelmente genuínos. A lembrar que a diferença entre morrer e continuar vivo pode estar num gole de água ou numas migalhas de bolacha.
Ver cenários apocalípticos com corpos espalhados por todo lado é algo extremamente brutal. Foi o que vi em Phuket e em Khao Lak, na Tailândia. Mas, presenciar a dor daqueles que tentam desesperadamente sobreviver consegue ser muito mais chocante e difícil de enfrentar. Do ponto de vista emocional, não creio alguma vez ter passado por tamanha provação. Esgotado, abandonei o Sri Lanka em busca de alguma paz.
Veja o roteiro de viagem no Sri Lanka
Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.
Gostaria muito de visitar o Sri Lanka, mas gostaria de saber qual a melhor altura para o fazer, uma vez que viajo por conta própria e quero visitar o melhor e mais possível do país. Já percebi que há 2 épocas distintas, mas não poderei fazê-lo em 2 vezes, pelo que lhe pediria que me indicasse qual a melhor altura para visitar tudo.
Grata de coração.
Em teoria, entre dezembro e março será a melhor aposta.