Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Abidjan, a maior cidade da Costa do Marfim, pela mão do Artur Cima. O Artur tem 39 anos, é economista e está a viver em Abidjan há 9 meses. Convidei-o a partilhar as suas experiências num destino tão pouco óbvio, bem como sugestões e dicas para quem, ainda assim, quiser visitar Abidjan.
É, por isso, um olhar muito rico sobre Abidjan – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da capital costa-marfinense, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 38º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Em Abidjan com o Artur Cima (entrevista)
- 1.1 Define Abidjan numa palavra.
- 1.2 Como foste aí parar?
- 1.3 Abidjan é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
- 1.4 E o que mais te marcou em Abidjan?
- 1.5 Como caracterizas os costa-marfinenses?
- 1.6 Como é o clima em Abidjan?
- 1.7 Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Abidjan sem…”
- 1.8 Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Abidjan. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
- 1.9 A Costa do Marfim é um destino caro. Tens dicas para se poupar dinheiro em Abidjan?
- 1.10 E em termos de segurança, temos a sensação de que visitar Abidjan pode ser um problema. Que nos podes dizer a este respeito?
- 1.11 Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?
- 1.12 Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
- 1.13 O que sugeres a quem queira sair à noite?
- 1.14 Escolhe um café e um museu.
- 1.15 Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Abidjan?
- 1.16 Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Abidjan; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
- 2 Guia prático
Em Abidjan com o Artur Cima (entrevista)
Define Abidjan numa palavra.
“Manhattan africana”.
Como foste aí parar?
A instituição onde trabalho (Banco Africano de Desenvolvimento), com sede oficial em Abidjan, estava há 12 anos a operar temporariamente a partir de Tunes. O regresso a Abidjan foi um processo natural, depois da estabilização política a seguir à guerra civil que durava desde 2003.
Abidjan é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
Os odores que pairam no bafo de ar quente e húmido para quem aterra pela primeira vez no aeroporto internacional Félix Boigny, o nome do primeiro Presidente da Costa do Marfim, são contraditórios. Ora convidativos pelo perfume doce a cacau processado ou pelo cheiro são da terra mãe, ora nos repelindo pelos cheiros nauseabundos das águas estagnadas das lagoas circundantes de Abidjan e pelos fumos intoxicantes lançados pelos milhares de automóveis que parecem carburar ao mais intratável dos petróleos, dia e noite.
Abidjan é o paradigma da realidade africana, do crescimento exclusivo, da má repartição dos recursos disponíveis, do domínio sem escrúpulos de elites que enriquecem sem pudor. Vive-se sem compaixão entre uns e outros; a realidade de imensas ilhas de pobreza entre bairros luxuosos (ou vice-versa) é prova dessa triste constatação.
Mas Abidjan tem o seu encanto. Pobres e ricos vivem nos seus mundos, mundos diferentes, separados por barreiras invisíveis mas mais sólidas e cruas que betão, mas não se pode afirmar que os pobres são menos felizes que os ricos.
Eu já conhecia Abidjan de passagem e, para quem chega e parte, Abidjan pode ser uma cidade de sonho. Mas julgo que vivê-la no dia-a-dia, com a família, não é algo que se consiga fazer por muito tempo. Tentamos um pouco de tudo, quando chegamos queremos explorar, partilhar tudo e com todos, depois… depois, como todos os outros, acabamos na nossa ilha de conforto.
E o que mais te marcou em Abidjan?
Reconheço que aprendi a conviver com esta disparidade no acesso a oportunidades em terras onde o Sol nasce todos os dias, mas apenas para alguns, muitos poucos, mas parte de Abidjan marca-me pela felicidade dos mais pobres e humildes que, mesmo desprovidos de bens considerados básicos noutras sociedades, conseguem emanar uma energia tão positiva que nos cativam e fazem inveja, contrastando com uma minoria extremamente rica, arrogante, belicosa, de mau gosto e perdida entre uma imitação vulgar de modos de vida e um vazio de espírito que descaracteriza a beleza interna e ingenuidade natural do Africano em geral.
Como caracterizas os costa-marfinenses?
O costa-marfinense é em geral simpático, desorganizado e com uma matriz educacional tipicamente francófona, em que a etiqueta e o “Sr. Doutor” são estatuto nas classes favorecidas. De hierarquias bem definidas, muito supersticiosos logo extremamente desconfiados.
Não sendo malcriados, são pouco civilizados, fruto de uma história recente de povo indígena colonizado em que outros valores artificialmente foram impostos em cima de tradições, modos de vida e cultos ancestrais. E assim, neste contexto, temos que os perceber e respeitar.
Como é o clima em Abidjan?
Na Costa do Marfim não existem as estações clássicas como nós estamos habituados na Europa. Existem as épocas de chuva e o resto do ano. Quando chove, garanto-vos que chove, que o céu se abre de uma vez só e desaba em cima de Abidjan como uma fúria divina para expiação dos pecados do bom tempo passado durante o resto do ano.
Climaticamente, Abidjan está situada na zona tropical húmida com uma temperatura relativamente elevada e uniforme (média anual de 26 °C). A estação longa das chuvas vai de março a julho, a curta dura dois meses entre outubro e novembro. A humidade permanece elevada durante todo o ano com uma média anual de 64% o que, associada ao permanente calor, dá a sensação de um clima “pesado”.
Em suma, qualquer altura do ano é boa para visitar Abidjan, embora se recomende fazê-lo fora das épocas de chuva.
Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Abidjan sem…”
… dar uma escapadela nas noites quentes de Abidjan e sem jantar num “Maquis”, tipo de restaurante local.
Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Abidjan. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
A melhor forma de começar o dia em Abidjan é levantar bem cedo, pela fresca, e ir a um mercado de rua comprar manga, papaia, pinha, goiaba ou banana, para fazer uma salada de fruta exótica de pequeno-almoço, sem esquecer a passagem por uma das muitas padarias onde o cheiro a pão fresco alimenta-nos desde logo a alma. Um legado francês, a qualidade do pão e pastelaria de Abidjan.
Baterias recarregadas, seguir para uma visita ao Plateau para admirar a arquitetura de um centro urbano construído com a imponência dos anos 70. Aproveitar e visitar a catedral Saint Paul e o Museu Nacional e, de seguida, almoçar no Maquis Espace 331.
À tarde, sugiro uma passagem por Treicheville em Marcori e parar numa das casas de produção de chocolate. Os Mercados de Coccodi e Adjamé são de passagem obrigatória para comprar artesanato local e de toda a África ocidental – o primeiro bem mais calmo que o segundo. Esculturas, máscaras, vestuários ou antiguidades podem ser encontradas. Comprar uma peça de vestuário Woodin, numa das lojas Woodin é uma boa alternativa se não quisermos arriscar na aventura ou lotaria de comprar roupa em mercados de rua.
Uma vez em Coccodi, não deve perder a oportunidade de passar pelo Hotel Ivoire e contemplar a vista panorâmica para a lagoa e para o Plateau saboreando um bom sumo natural ao por do sol.
Embora Abidjan seja uma cidade grande e cosmopolita, não oferece um grande leque de locais a visitar, pelo que sugiro locais “imperdíveis” à volta da cidade. Um dia para explorar Yamoussoukro, capital política a três horas e meia de Abidjan. Yamoussoukro vale pelo conceito megalómano por detrás do projeto original: criar as infraestruturas para recentrar o poder político no centro do país. Tudo é grandioso em Yamoussoukro, até o silêncio. No meio do nada surgem grandes avenidas de quatro faixas para cada lado que cortam a floresta tropical e ligam algumas mega construções que se pretendiam que fossem a sede da presidência e dos ministérios do governo costa-marfinense (que, na prática, nunca chegou a sair de Abidjan). A cidade está quase deserta, mas o hotel President, a Basílica de Yamoussoukro com a maior cúpula do mundo ultrapassando em centímetros a de São Pedro no Vaticano e o palácio presidencial são razão mais que suficiente para fazer a viagem.
Reservamos o(s) último(s) dia para visitar Assinie, com passagem obrigatória em Grand Bassan, em tempos a primeira capital. Assinie oferece uma boa escolha de hotéis de praia e resorts para relaxar e saborear os ares da Costa Atlântica. Fica a três horas de Abidjan, em direção ao Gana.
A Costa do Marfim é um destino caro. Tens dicas para se poupar dinheiro em Abidjan?
Abidjan é a quarta cidade mais cara de África e no top 10 mundial. Para quem queira o conforto de um estilo de vida europeu, tem que estar disposto a pagar esse prémio. Contudo, numa cidade de cerca de 6 milhões de habitantes, dois terços vivem com menos de um par de dólares por dia, pelo que um visitante ou turista pode fazer um roteiro local economizando bastante. A regra é simples, sempre tendo em conta não por a saúde em risco: comer nos Maquis tradicionais e fazer compras nos mercados locais. Abidjan é cidade de extremos; ou se encontram produtos muito caros ou muito baratos – uns para satisfazer a elite, outros acessíveis ao resto da população.
E em termos de segurança, temos a sensação de que visitar Abidjan pode ser um problema. Que nos podes dizer a este respeito?
Embora os níveis de segurança em Abidjan tenham melhorado nos últimos anos, continua a ser um local onde é necessário tomar algumas medidas de segurança e ter muito cuidado. A regra do bom senso serve tanto em Abidjan como em qualquer local. Não mostrar sinais exteriores de riqueza, evitar usar fios, cordões, anéis ou relógios, assim como telemóveis de alta gama. Nos carros geralmente é seguro – apenas ter muita atenção para a forma errática de condução dos costa-marfinenses. Qualquer viajante que chegue a Abidjan terá que apresentar o cartão de vacinas atualizado. A vacina da febre-amarela é obrigatória. Não há casos de Ébola reportados até ao momento no país.
Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?
Em Abidjan encontram-se algumas especialidades não só da Costa do Marfim mas também da África Ocidental. O Kedjonou de pintade, poisson ou escargot é sem dúvida um dos pratos locais a não perder. Uma espécie de refogado com muito tomate, cebola e bem condimentado com especiarias locais e malagueta que dá um toque exótico e quente a um prato que deve ser acompanhado por Nham frite (mandioca frita), Riz au gras (arroz de tomate) ou Atikke (mandioca moída) ou ainda com alocco (banana frita).
Os mais arrojados poderão optar pelo Kedjonou de escargot (caracoleta), que é considerado um petisco local, acompanhado por um sumo puro de gengibre (Gnamakoudji) que fará respirar fundo mesmo o mais resistente. A cerveja local também poderá ser saboreada bem gelada durante as necessárias pausas para refrescar o organismo. Number 1, Castle ou Bock são marcas locais.
O churrasco de frango ou peixe encontra-se em todos os Maquis.
Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
A não perder o peixe grelhado e o frango no churrasco no Chez Ambroise na Zone 4. Não só para saborear a comida com os pés na areia mas também para sentir a cultura e música locais. Com música e eventos culturais aos fins de semana, e localizado numa zona muito popular e tradicional, ter-se-á um menu completo de sensações muito locais. O Espace 331 é também um Maquis local a visitar para quem queira ter um pouco mais de conforto, mas saboreando a comida local. Nos Maquis, os tradicionais kedjoneu também são servidos.
O que sugeres a quem queira sair à noite?
Sem dúvida, ir a Abidjan sem visitar um dos bares e clubes noturnos e não dançar é imperdoável. Não visitar a Zone 4 à noite para jantar e sair é como ir a Lisboa e não ir ao Bairro Alto. É o local de eleição onde se poderá ir de bar em bar para beber uma cerveja ou para dançar.
Na noite de Abidjan encontra-se um pouco de tudo, desde Reggae, Coupé-Décalé (o ritmo local), Zouk, ou mesmo Jazz. É só escolher para se divertir a noite toda. O calor humano de uma noite de Abidjan e o gosto por música, dança e ritmos africanos não deixarão nenhum forasteiro indiferente. Existem outros bares e clubes no Plateau e em Deux Plateaux que também podem ser visitados. Na verdade, a capital marfinense transforma-se à noite e por todo o lado não faltam Maquis abertos, bares e clubes cheios onde cada um aproveita como se fosse o último dia da sua vida.
Escolhe um café e um museu.
A galeria Amani merece uma visita para quem goste de ver coleções de peças de arte e trabalhos “avant-garde” de artistas africanos, bem como o Museu Nacional e a Biblioteca Nacional que alberga o Institut français d’Afrique noir e guarda milhares de exemplares de livros, revistas e ensaios sobre a história da África ocidental.
O café restaurante LeToi, no último andar de um edifício central em Marcori oferece-nos não só o bom aroma de um bom café, como também a vista para toda ilha Marcori e lagoas circundantes.
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Abidjan?
Existem alguns sítios simpáticos para ficar durante uma pequena estada em Abidjan. A escolha dependerá mais do tamanho da carteira do que da segurança. O Hotel Ivoire (Sofitel) oferece o topo de gama em dormidas e panorama; o Hotel Tiama no Plateau oferece uma boa localização e uma relação preço / qualidade razoável. Para quem queira sentir o conforto e privacidade aliados ao requinte, a escolha recai no Villa Anako. As opções mais económicas e centrais são o Íbis Marcory e Íbis Plateau ou o Golden Hotel. Existem residências, mas não são tão bem localizadas como os hotéis referidos.
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Abidjan; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
Restaurant Art-galerie na Avenida Latrille, escondido, sem sinalização, mas tão confortável como se estivéssemos no sofá de casa a beber um gin tónico e a apreciar uma bela peça de arte ou escultura, numa envolvente tropical e muito familiar com música ambiente muito agradável. Um verdadeiro achado em Abidjan, com uma excelente ementa que funde a cozinha francesa com a da costa-marfinense.
Obrigado Artur, vemo-nos numa primeira viagem que faça à Costa do Marfim.
Guia prático
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