Destino: Europa

De comboio e à boleia até ao Cabo Norte (De Cabo a Cabo #02)

Por Mateus Brandão

De Cabo a Cabo, uma viagem de Mateus Brandão

Durante 10 dias percorri 6.000 quilómetros para chegar ao ponto mais a norte da Europa. Vários comboios e outras tantas boleias, levaram-me por paisagens deslumbrantes e histórias fascinantes, mostrando o lado afetuoso e solidário das pessoas que se cruzaram no meu caminho. Uma vez no Cabo Norte, a partir de agora será sempre a descer.

A mesa está pronta. Individual preto sobre toalha branca e um filtro de luz, sobressaindo das cortinas azuis, a compor o cenário, sempre mutável na janela do vagão-restaurante. A viagem de comboio é como um diorama em que a paisagem vai desfilando, como se o elemento estático fossemos nós, espetadores de um animatógrafo.

Sempre imaginei assim o início da viagem: a bordo do Sud Express e à sua mesa, provando o tão famoso bacalhau do chefe, que se não estou em erro, há mais de 20 anos percorre estas linhas, confecionando um dos mais típicos pratos portugueses. A noite deita-se sobre as encostas da Beira à medida que o Sud se aproxima de terras de Espanha. Jantam casais, famílias inteiras e viajantes solitários como eu.

Vista sobre a estação de Berlim, Alemanha
Vista sobre a estação de Berlim

O Sud, hoje como sempre, é um comboio democrático, apesar das melhorias na oferta dos serviços. Se é certo que atualmente a oferta permite viajar em compartimentos com duche e w.c. – e isso, é certo, não é para todos os bolsos -, nas carruagens de lugares sentados continua a sentir-se o espírito da diáspora lusitana. Continua a sentir-se o cheiro a frango e carne assada no pão para matar a fome, que a viagem até Paris ainda é longa.

É manhã e o Sud dá entrada em França. Há muito que deixou de fazer a ligação completa até Paris; agora é necessário sair em Hendaya e apanhar um comboio rápido TGV, mas não é isso que vou fazer. Ao invés, passo o dia a mudar de comboio. Depois de Hendaya, troco em Dax, Bordéus e Perigueux, antes mesmo de chegar a Limoges.

A estação de Limoges-Bénédictins é para muitos considerada como uma das mais belas do mundo, no entanto, acabo por não a conseguir visitar. Devido a alguns atrasos, não me sobra tempo que não seja para apanhar a aguardada ligação a Paris, de onde seguirei para Lille.

Mateus Brandão numa viagem de comboio
Estação de caminhos-de-ferro de Antuérpia, provavelmente a mais bela do mundo

Manhã seguinte bem cedo, entro no comboio para Antuérpia, de onde seguirei para Berlim via Liège. A estação de Antuérpia é, ela sim, provavelmente a mais bela do mundo. O seu edifício possui três pisos para comboios e é seguramente uma das maiores e mais fantásticas estações onde já estive. O dia é novamente passado com inúmeras trocas de comboio até chegar a Berlim.

Aqui espera-me a travessia para a Suécia num comboio noturno apenas com camas – uma estreia para mim – que cruza o Báltico através dos portos de Sassnitz e Trelleborg, a bordo de um ferry, antes de chegar a Malmö. São 22:30 e o comboio está prestes a partir. No mesmo compartimento onde eu viajo, encontram-se suecos, húngaros, japoneses e até uma tailandesa. Uma mistura étnica a espelhar na perfeição o espírito das viagens.

Quase sem que dê por isso, é manhã em Malmö e o sol brilha sobre a ameaça de várias nuvens, mostrando-se mesmo assim um excelente tónico moralizador.

E, finalmente, Estocolmo

Após 72 horas de viagem chego a Estocolmo onde à minha espera tenho o Nuno, um antigo colega de faculdade. Em dois dias e meio o Nuno mostra-me uma boa parte da cidade. Subimos à torre da Câmara Municipal onde anualmente se oferece o jantar do prémio Nobel, calcorreamos algumas das ilhas que compõem o arquipélago de Estocolmo e conheci alguns pontos de encontro dos jovens.

Vista sobre Estocolmo, Suécia
Vista sobre Estocolmo

São 6 da tarde e o comboio está prestes a partir. O meu próximo destino é Narvik, já bem junto ao círculo polar ártico. O expresso para Narvik cruza lagos e bosques de bétulas a perder de vista. Quando se aproxima da Noruega, vislumbram-se montanhas com picos nevados em redor do segundo maior lago da Escandinávia, o Torneträsk. Este cenário encantador caracteriza aquela que é certamente uma das mais belas linhas ferroviárias do mundo. O comboio vem cheio de amantes da montanha e do trekking. Mochilas carregadas com tendas, sacos-cama e bastões de caminhada e, assim sendo, não admira que o comboio pare expressamente em estações que dão apenas acesso ao início dos trilhos.

A visita a Narvik vale bem a pena, especialmente se tivermos a oportunidade de percorrer algumas das estradas das redondezas, palmilhando os fiordes, subindo montanhas e descobrindo locais e paisagens deslumbrantes e silenciosas. A estadia em casa de Jim, o meu anfitrião do CouchSurfing, serviu também para receber algumas dicas para o resto da viagem. Tendo ele visitado todos os países pelos quais vou passar, o Jim tem um vasto conhecimento na matéria.

Estação fronteiriça de Riksgränsen, Suécia
Estação fronteiriça de Riksgränsen, Suécia

Quando a estadia em Narvik se esgota, é então altura de partir para Alta. Entre as duas cidades distam 512 quilómetros, que me proponho fazer à boleia. Às 9 e meia da manhã estou na estrada, e não tarda muito a conseguir a primeira – mas serão ainda precisas mais cinco boleias até que por fim chegue a Alta, já ao final da tarde. No dia seguinte, faço apelos à providência para conseguir chegar ao Cabo Norte. Serão precisas mais três boleias e um bom punhado de sorte para o conseguir. É que no Cabo Norte não reside ninguém, daí que só alguém com a mesma intenção de visitar o ponto mais a norte da Europa me conseguirá fazer lá chegar nesse mesmo dia. Mas concretiza-se. E assim, ao fim da tarde do décimo dia do prólogo da viagem, cheguei onde vou começar.

De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.

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Mateus Brandão

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