Depois de alguns dias de “férias” em Budapeste e Veneza, estou de regresso aos carris descendo montanhas na Bulgária e procurando pelas memórias do mítico Orient Express, entre os encantos de Istambul.
A paixão pelos comboios tem a vantagem de me levar a sítios que de outra forma não imaginaria sequer visitar. A tendência generalizada para nos deixarmos conduzir pelos guias de viagem, leva-nos quase sempre aos mesmos sítios e aos mais procurados pelos turistas, pelo que um gosto em particular pode ser o escape necessário a essa matriz.
Volto à Bulgária – o país onde acenam que sim como quem diz que não – para uma viagem de comboio e uma visita à cidade de Plovdiv, que ficou esquecida aquando da minha primeira visita ao país em 2007.
Manhã cedo o frio é cortante. O termómetro da estação marca 1°C, mas pelo menos não há sinais de nuvens o que é um bom prenúncio para o resto do dia. Da janela do comboio que me leva de Sofia a Simitli, admiro a ruralidade das estações, ajaezadas por uma ramada na frente do edifício e ladeada por jardins de árvores altas.
Bansko fica entalado entre as montanhas de Rila, Pirin e Zapadni – algumas das maiores montanhas da Bulgária – mais parecendo que se encontra no meio de uma cratera. Aqui apanho um comboio de via estreita que faz a ligação a Septembri e daí a Plovdiv. A orografia do terreno é de tal ordem sinuosa, que para além de túneis e pontes, o comboio se vê obrigado a uma curva de mais de 360º – com a linha a passar sobre si mesma – de forma a ganhar altura, num zig-zag que só a via estreita permite.
O comboio é uma velha locomotiva diesel arrastando atrás de si quatro carruagens que têm a particularidade de não possuir protecção nas passagens entre si, fazendo lembrar os comboios de filmes do far west. À medida que as horas avançam e o frio se instala, o sistema de aquecimento faz sair um vapor de água no exterior da composição mais parecendo tratar-se de um comboio a vapor. A paisagem é fantástica e o ambiente das estações é uma viagem no tempo.
À chegada do comboio, um agulheiro espera a sua passagem para a fazer virar para o que seguirá em sentido contrário, e o chefe da estação na sua farda azul e chapéu vermelho, dá o colorido que falta a este cenário de estações de amarelo pálido.
Já em Edirne, o Bosfor Express procedente de Belgrado só dará entrada na estação por volta das 3 e meia da manhã, pelo que ainda tenho muito que esperar. Aguardo numa esplanada contemplando o buliço de fim de festa numa espécie de domingo de Páscoa. Duas horas antes dirijo-me para a estação. Quando chego, um casal de feições sul-americanas dorme encafuado nos seus sacos-cama e com duas bicicletas por perto. Vão em sentido contrário e eu aposto que regressam a casa depois de uma volta ao mundo em bicicleta.
O comboio atrasa-se mais de uma hora. Só tenho tempo de saltar para dentro da carruagem e já ele está de novo em andamento. Instalado no compartimento cama, adormeço com Istambul no pensamento.
Oito da manhã e o revisor recolhe a roupa de cama não deixando mais ninguém dormir. Faltam ainda umas horas para Istambul mas parece estar com pressa. Ao aproximar da estação corre pelas carruagens anunciando a sua chegada. Mochila às costas e ainda no corredor do comboio aguardando vez para desembarcar, vislumbro da janela do mesmo uma placa com a inscrição; “Orient Express”, em memória ao mítico comboio que aqui tinha o seu término depois de percorrer toda a Europa vindo de Paris.
O mais lendário dos expressos da Europa deixou de funcionar em dezembro de 2009 quando já só fazia a ligação entre Estrasburgo e Viena. Foi palco de crimes literários e teve vários percursos ao longo dos anos, acabando suprimido por força dos comboios de alta-velocidade. Todo o apaixonado pelo universo ferroviário sonha ter podido desembarcar aqui a bordo desse comboio, mas hoje, isto é o mais aproximado que é possível encontrar.
Dias mais tarde, quando deixo Istambul – cruzando o Bósforo no ferry em direcção à estação de Hydrapasa, no lado asiático da cidade – vendo as luzes que se afastam lentamente, sou percorrido pelo sentimento de “quem me dera ter conhecido esta cidade com menos neons”.
Istambul vale essencialmente pela sua atmosfera, muito mais do que pelos seus atributos arquitectónicos. É uma cidade repleta de história, charme, misticismo e exotismo. O sentimento de encruzilhada comercial e geográfica sente-se em cada rua, em cada lugar. Como deve ter sido fantástico para os europeus do ocidente, apear-se nesta magnífica cidade no início do século passado, a bordo do mítico Expresso do Oriente.
Já na estação, ao percorrer as plataformas e vendo o nome de todos estes destinos longínquos e desconhecidos nas placas dos comboios, invade-me um sentimento inexplicável. O cheiro a óleo na madeira das linhas, as locomotivas com aspecto imponente e as faces exóticas e trajes misteriosos daqueles que embarcam, carregando as suas malas, sabe-se lá para onde…
No Mavi Express para Karaman, tenho um compartimento só para mim. Um compartimeo de dois lugares mas que é utilizado individualmente; tem bacia para a higiene mais elementar e frigorifico onde se pode encontrar água, sumo, chocolate e uma fatia de bolo. Tem duas camas que se fecham, dando a de baixo lugar aos assentos. Mas o pormenor mais singular são os chinelos descartáveis com a sigla da companhia ferroviária…
Da janela desfila uma paisagem deslumbrante; de um lado planícies de campos de cultivo e do outro, uma cordilheira de montanhas brancas. Picos que se estendem para lá das nuvens com um sol que raia e aquece depois destes dias de inverno.
Dirijo-me para Tasuco, nos arredores de Mersin – um porto no sul da Turquia e de onde sai o barco para o Chipre. Com a actual situação de conflito que se vive na Síria, não me resta outra alternativa do que tentar contornar, esperançado de que no Chipre, seja possível encontrar um outro barco que me leve até Israel e assim permita que não tenha de voar.
Karaman fica num planalto 800 km a sul de Istambul. Desço do comboio e o revisor encontra quem me ajude a chegar à paragem de autocarros. Um dos passageiros que aqui também se apeou espera por mim, e de braço dado – um sinal de amizade no mundo muçulmano – leva-me até ao miniautocarro que me deixará na estação principal. Está um frio de rachar! O autocarro parte em simultâneo com a chegada da neve. Os primeiros quilómetros são num cenário completamente branco e inesperado com as temperaturas a baixarem aos -4°C. No entanto, os autocarros na Turquia são super-confortáveis e com serviço de primeira. Cada lugar tem uma mini tv e os funcionários a bordo oferecem água, café e pequenas fatias de bolo.
Finalmente em Tasuco, as informações que tenho dizem-me que há um barco à meia-noite e que é possível comprar bilhete poucas horas antes, mas quando chego tudo está fechado e um papel no vidro da agência dá conta da suspensão das travessias devido ao mau tempo e à forte ondulação.
Não me resta outra alternativa que não seja esperar pelo dia seguinte, mesmo sem garantias de que o barco possa partir…
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
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