Terminámos a passagem pela França visitando a magnífica cidade de Annecy, antes de rumarmos a terras helvéticas, onde os nevões se tornaram uma constante e as dificuldades de viajar de bicicleta em pleno inverno vieram ao de cima, nas passagens por Genebra e Lausanne, Fribourg e Berna. E a falta de calor humano dos suíços pouco ajuda duas almas latinas a tiritar de frio.
E França acabou, assim, sem que tivéssemos dado conta do mês quase completo que passámos a percorrê-la. Acabou em grande. Grandes paisagens, grande anfitrião e uma bonita cidade para despedida: Annecy.
Annecy era um dos locais que mais desejávamos conhecer nesta passagem em terras gaulesas, pois já muitas fotografias do seu centro histórico tínhamos visto e sempre nos pareceu encantadora. Para lá chegar, contornámos uma das margens do Lago Bourget, com as falésias pela esquerda e a água de um azul transparente à direita, depois de termos pernoitado em Chanaz, uma pequena aldeia com apenas 450 habitantes. E a paisagem durante os próximos dias aumentaria de beleza, com o aproximar dos Alpes e do Jura, as duas montanhas que “apertam” a Suíça.
Em Annecy fomos recebidos num sexto andar virado para o lago, com o Mont Baron e o Mont Baret à nossa frente no alto dos seus mais de mil metros. Os dias estiveram cinzentos, mas uma aberta deu-nos a oportunidade de visitar a cidade, típico bilhete-postal, com o Palais de L’Ille, a antiga prisão, como grande destaque desta tão pitoresca – apesar de um pouco despida de cor no inverno – Annecy.
A vontade de entrar na Suíça fez com que enfrentássemos a chuva, o frio e os primeiros flocos de neve a valer. A passagem pela Ponte de la Caille é obrigatória para quem pedala por estradas secundárias. A ponte, construída em 1839, está suspensa a 150 metros do solo e tem 194 metros, oferecendo-nos uma vista para o abismo traçado pelo Rio Les Usses. A neve dominava toda a paisagem, dando um ar celestial a tamanho espectáculo.
Genebra aproximou-se, mas não sem antes termos parado para umas compras no lado francês, muito mais barato. Carregados, fizemos os últimos oito quilómetros até ao centro da cidade, onde fizemos um piquenique num banco de jardim. Durante três dias percorremos muito pouco da cidade, optando pela vida caseira que nos foi proporcionada por amigos portugueses. Na verdade, achámos Genebra uma cidade pouco interessante. A não ser o lago que no Verão deve ser maravilhoso, o facto das Nações Unidas estarem aqui sediadas e de ter o Museu da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho – ao qual aconselhamos uma visita – Genebra é só mais uma cidade cara, muito cara.
De partida, o dia nasceu ensolarado e o trajecto fez-se sem grandes problemas até Lausanne, onde parámos num supermercado português no qual homens bebiam minis e onde nós nos deliciámos com Sumol de laranja. Quase a partir, o grupo juntou-se e ofereceu-nos quatro garrafas de litro e meio e um queijo português: “Para a viagem”, disseram-nos. De português para português, chegámos a casa do João e da Letícia, um casal de Lisboa a viver em Lausanne há dois anos. À noite, a volta foi curta e a cama chamou cedo por nós.
O dia seguinte acordou branco. A neve caía como nunca havíamos visto e continuou a cair até nos deitarmos, bem tarde. Sem sabermos que a partir daquele dia esta seria uma constante para nós, corremos para a rua e passámos o dia em lutas de bolas de neve, a rebolar no imenso manto branco e a descer ladeiras de jardins com sacos plásticos, até cairmos para o lado de cansaço. A noite acabaria com uma concertina desafinada e fondue. Perfeito!
Depois das despedidas e da Tanya ter caído no centro da cidade devido ao gelo na estrada, viajámos até Fribourg e, a apenas vinte quilómetros, tivemos de fazer um desvio quando vimos uma pequena aldeia com uma capela. O que nos chamou não foi o interesse pelo espaço religioso, mas uma tentativa desesperada de nos aquecermos. Quando parámos, percebemos que estava fechada mas, quando atravessávamos o caminho de neve, uma senhora perguntou se não nos queríamos aquecer um pouco e entrar para um café. “Claro que queremos”. A simpatia não é uma grande característica dos suíços, pessoas a quem é difícil aceder, organizadas, muito sérias. A nós, latinos, a coisa custa a entrar. O cumprimentar com apertos de mãos, o sorriso que raramente sai, a vida individualista de cada um faz-nos alguma confusão, mas a verdade é que aquele casal nos deu uma imagem dos suíços que até então não conhecíamos.
Em Fribourg, a distância das pessoas continuava e só depois de umas horas começámos a entrar no mundo fechado do grupo que se sentou à mesa de jantar dos nossos anfitriões. Depois, até fomos capazes de ensaiar algumas piadas que, confessemos, não tiveram o sucesso que teriam se contadas em Portugal. Chegámos à conclusão que na Suíça podemos ser divertidos, mas não tanto.
A cidade, porém, surpreendeu-nos pela positiva, e foi até a maior surpresa no nosso percurso pelo país. Além do facto de estar dividida em cidade “alta” e “baixa”, com edifícios lindíssimos e muito bem conservados, e do rio ter provocado, ao longo dos anos, um precipício enorme no qual foram construídas casas mesmo no limite, a cidade tem o único funicular da Europa que, apesar de ter sido inaugurado em 1899, foi construído segundo rigorosos padrões ecológicos. Assim, quando um dos dois vagões que faz o percurso chega ao topo, é carregado com 1.500 litros de água dos esgotos da cidade que provocam o peso necessário para puxar o vagão de baixo. Quando o vagão cheio chega à base da colina, descarrega toda a água e o de cima é içado. O cheiro, diga-se, não é o mais agradável, mas a ideia é engenhosa.
Bastou-nos sair à tarde para chegar à capital Berna. Logo que entrámos, um senhor gritou-nos enquanto corria atrás de nós e disse-nos em português: “Vocês estão enganados, isto aqui não é o Alentejo!”. Este emigrante no país há 38 anos fez-nos uma breve apresentação da cidade que é Património Mundial da UNESCO, dizendo-nos o que de melhor havia para ver. Para finalizar acabou dizendo: “Isto é uma aldeia, não é uma capital. Eu só estou aqui porque trabalho com brasileiros, porque se fosse com suíços já me tinha ido embora há muito. São muito sérios”. A verdade é que é mesmo uma aldeia, e o que de mais interessante existe se vê em poucas horas. Um dia inteiro foi-nos suficiente e partimos para Sursee, debaixo do maior nevão das nossas vidas.
Por entre ciclovias cobertas pela neve, quedas aparatosas, estradas perdidas na montanha que faziam com que nos perdêssemos também, mãos e pés congelados que nos fizeram bater à porta duma casa e quase implorar para entrarmos e o travão traseiro da Tanya ter congelado duas vezes, tudo nos aconteceu. Quando encontrámos o Daniel, o suíço que nos recebeu nessa noite, as bicicletas eram brancas e nós dois Pais Natal. Contudo, a noite chegou com especialidades suíças e para acabar, ritmos brasileiros acompanhados por uma aula de funk, samba e forró, dada pela Jessica.
Até Zurique, o caminho é agora curto e ficaremos alojados em casa das pessoas que nos serviram de inspiração a todas estas viagens de bicicleta: o João e a Valérie. Estamos ansiosos pelo encontro.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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