Deixámos o Egito antes de todos os confrontos e entrámos na Jordânia, mais desenvolvida. Aos primeiros quilómetros, apercebemo-nos que dias muito duros chegariam, mas é entre o deserto de Wadi Rum e as ruínas de Petra que encontramos os beduínos, tribos com uma cultura riquíssima, uma hospitalidade sem limites e uma vontade enorme de partilhar um chá à volta de uma conversa na fogueira.
A paz do Mar Vermelho deu lugar a um enorme tormento. O dia estava perfeito, acordámos cedo, bem-dispostos, entraríamos num novo país daí a algumas horas e a expectativa era grande! Pedalámos os primeiros quilómetros daquele dia, os últimos no Egito ainda numa paz tensa, em direcção aos correios onde, para enviar três pequenas encomendas, nos pediam mais de 50 . A discussão começou. Detestamos quando nos tentam levar e inventar taxas sobre as encomendas ou, mais surreal ainda, sobre os produtos que vão dentro delas. Nisto, a minha bicicleta caiu e, reparei depois, o pneu furou.
Deixámos os correios de Nuweiba City para trás, com algumas palavras atiradas para o ar e, sete quilómetros depois, entrávamos nos correios de Nuweiba Port onde, depois de alguma tensão, conseguimos enviar tudo por 15 . Dali seguimos para o barco, a umas centenas de metros mas não sem antes nos terem pedido, em pouco mais de 20 metros, para ver os passaportes umas três vezes. No Egito, não é preciso ser autoridade para o pedir, pois até o empregado dos correios mo pediu só porque queria comprar envelopes.
O barco agendado para as 12:00 partiria às 16:00, disse-nos um dos polícias do porto. Esperámos. Pouco passava das 13:00 quando nos mandaram entrar no barco. Uma esperança! Afinal iríamos mais cedo. Já lá dentro, esperámos. Eram 17:00 quando partimos. Sem dinheiro, pois tínhamos gasto tudo antes de sairmos do país, e sem acesso às bicicletas, onde estava toda a comida, estávamos famintos. A viagem que deveria demorar umas três horas demorou cinco. Morríamos de fome. Já com os pés em terra, esperámos desta vez pelos vistos e soubemos que, até chegarmos à casa da pessoa que nos receberia, ainda teríamos de pedalar uns 15 quilómetros. Quando nos sentámos, quase duas horas depois, para comer numa esplanada, descobri que o furo no pneu, afinal não era um, mas sim três. Contas feitas: um dia perfeito.
O dia nasceu em Aqaba e, do outro lado, conseguíamos ver Israel, ali tão perto. Nos primeiros passos na cidade notámos logo a diferença para o país de onde havíamos saído: tudo era limpo, organizado, os carros respeitavam as regras, as pessoas caminhavam nos passeios, as lojas tinham, quase todas, os preços afixados, as pessoas não chateavam tanto insistindo para comprar o que quer que fosse. A imagem do rei está por todo o lado e falar mal da família real é sentenciar a conversa logo antes de ter começado. Os dois dias passados na cidade de Aqaba deram para que nos ambientássemos às diferenças. Partimos para Wadi Rum num dia de algum calor e a ideia que tínhamos da Jordânia começou a aparecer. As montanhas incríveis, os desertos imensos e as subidas que nunca mais param em estradas que serpenteiam a paisagem.
Antes de chegarmos, cortámos à direita numa pequena aldeia chamada Salhia. Foi a melhor decisão que fizemos. Nos dois dias seguintes, além de termos sido convidados a visitar um projecto de reintegração dos orex e de termos visitado gratuitamente e com direito a guia o deserto de Wadi Rum, passámos horas na presença da comunidade de beduínos daquela aldeia, dormindo, comendo e trocando experiências à volta da fogueira, em casa do sheikh Ali, o chefe daquela tribo. À saída, além da promessa de regressar, viemos com mais uns quantos quilos nos sacos, de prendas que nos ofereceram.
Próximo destino? Petra. Para lá chegar, uma penosa subida à saída de Salhia e, chegados ao topo, avistámos um posto da polícia. Que fazer? Continuar ou pedir para montar a tenda? Estávamos a 1.400 metros de altitude e começava a arrefecer rapidamente. Pedimos auxílio à polícia e, dois minutos depois, estávamos sentados no gabinete do comandante a comer laranjas, bolos e a beber chá, com as bicicletas dentro dum quarto onde, nessa noite, dormimos descansados. Claro que ir para a cama sem termos jantado não poderia ser e sair no dia seguinte sem um grande pequeno-almoço, também não. Antes do adeus, a pergunta do comandante: “Como é a Polícia na Jordânia?”. “Cinco estrelas”, respondemos nós. A Kings Highway, uma estrada mítica no mundo do cicloturismo, apareceu umas centenas de metros depois e nós pedalávamos para Petra.
Depois de alguns autocarros repletos de turistas com pressa, em busca de assinalar mais um local na lista de sítios visitados, terem passado por nós, começámos a avistar as grandes montanhas onde, cerca de 400 a.C. a capital do Reino Nabatean – Al Khazneh (Petra) – nasceu, embora existam indícios de assentamento desde 1.500 a.C. Passámos Wadi Mussa, a pequena vila desorganizada que serve uma das 7 Novas Maravilhas e continuámos a pedalar até à próxima aldeia de beduínos, onde ficaríamos durante seis noites. Os dias foram passados a descansar ou na companhia de pessoas que fomos conhecendo e as noites, num compartimento esculpido na rocha com mais de 2.000 anos, a uns bons quilómetros dali, na montanha, propriedade da pessoa que nos recebeu, sem água nem electricidade, apanhando madeira para o fogo que serviria para cozinhar e a falar até cairmos para o lado, ali, longe de tudo, com um céu imensamente estrelado por cima de nós. Impressionante.
Queríamos visitar Petra, mas pagar mais de 50 para o fazer não estava nos nossos planos. Visitámos a Pequena Petra, gratuita, a que chamámos Petra dos Pobres e tentámos, de todas as maneiras, descobrir como entrar na principal sem gastar nada! Na verdade, existem muitas maneiras, umas mais arriscadas que outras e só o factor sorte, muitas vezes, pode ajudar. Existem também maneiras de entrar de forma bem mais barata, que foi o que tentámos fazer embora, no fim, não tivéssemos gasto um único dinar, porque nos ofereceram os bilhetes. O facto de termos ficado tantos dias foi propositado, a fim de percebermos como “saltar a cerca”, mas a solução, essa… é segredo.
Sair de Petra depois de tantos dias não é fácil, no entanto queríamos conhecer mais, descer dali ao deserto de Wadi Araba e de lá pedalar até ao Mar Morto. A estrada não se mostrou fácil nos primeiros quilómetros e o cansaço e o fumo inalado do tabaco dos outros e das constantes fogueiras, não ajudava também. Cansados, encosta acima, encosta abaixo, passámos por algumas das estradas mais bonitas desta viagem. A montanha atrás e o grande deserto pela frente. Quando atingimos a estrada plana, parámos para comer e acender mais uma fogueira. Tínhamos chá e tínhamos água mas, para um verdadeiro chá beduíno, faltava o açúcar. O fogo continuava ali, à espera de servir para mais do que aquecer. Uma carrinha passou e voltou para trás. De lá saíram dois homens e um deles ofereceu-nos um tomate. Entre o inglês e o árabe, falávamos os quatro e momentos depois, em tom de queixa, um dos homens disse-nos: “Queria fazer um chá, mas só tenho o chá e o açúcar, mas não tenho água ”. Minutos depois, já com a bebida na mão, riamo-nos das coincidências.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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