
Se o pressuposto da viagem são as pessoas, não poder confiar em ninguém é a maior das desilusões. Depois de um Sudão de gente genuinamente simpática e afetuosa, despeço-me com frustração de uma Etiópia que, com tanta aldrabice, me deixa um triste amargo de boca.
No segundo dia de viagem em direção a Lalibela, a manhã acorda embrulhada por um céu nublado. A estrada é agora um tapete negro estendido sob os calcanhares da montanha onde aldeias de palhotas se formam e onde manadas de vacas de bossa e cornos longos se passeiam. O planalto etíope é deslumbrante nas suas cores, ritmos e figuras.
Ao longe, uma “parede” rochosa – tão alta que o seu topo se cobre por nuvens – parece só permitir passagem por uma brecha tipo buraco de fechadura, especialmente quando se penetra no túnel que se lhe sucede.
A Etiópia, um pouco como o Sudão, parece-me completamente distante do cenário de guerra, fome, seca e pobreza que as notícias nos costumavam contar. Enormes campos de cultivo tão distantes que mais parecem mantas estendidas ao sol e onde, na verdade, no correr do rio, se deita roupa lavada a secar. As crianças confundem-se com a terra lavrada, correndo campo fora sob aves que voam mais parecendo que seguram papagaios de papel. E vales verdejantes de canas-de-açúcar e planaltos de erva rasteira, onde um sem número de cabeças de gado pasta calmamente.
Deserta Lalibela
Lalibela é a mais importante das atrações turísticas da Etiópia mas, ainda assim, a estrada que aqui chega há muito que espera para ser asfaltada. Estranhamente, não é apenas um tapete de alcatrão que falta ao local; para lá das igrejas escavadas na rocha – construções verdadeiramente impressionantes! -, Lalibela não é mais que um pequeno povoado onde tudo parece faltar. A estação de autocarro mais próxima dista dois quilómetros e os únicos estabelecimentos comerciais que se podem encontrar são cafés, restaurantes e pequenos quiosques de conveniência, e hotéis de preço inflacionado.
À chegada procuro um dos locais mais baratos. A Jordan Guesthouse terá cerca de oito quartos, cada um deles com porta diretamente para o exterior em terra, sem qualquer arranjo, e onde o seu responsável – um miúdo que não terá 18 anos – vive numa caixa de metal mais pequena que a minha tenda, junto ao portão de entrada.
Antes de deixar Lalibela, procurando um carro que me leve diretamente a Adis Abeba, explico-lhe as minhas limitações orçamentais e ele promete ajudar-me a encontrar um carro a preço justo – pelas ruas pedem-se até 30€, mas o normal sei não ir além dos 15€.
Horas mais tarde, diz-me ter conseguido por pouco mais de 20 (o que, na verdade, é o preço mais baixo que consegui até ao momento) e assinto confiante, quando me pede que não conte aos outros passageiros, pois estes irão pagar mais do que eu.
Quando chego a Adis Abeba na companhia de Tal e mais três dos seus conterrâneos israelitas que comigo viajaram, constato que não só eu fui enganado – cada um deles pagou 20 euros – como o próprio condutor foi enganado, pois apesar de eu ter pago mais que os 20 euros, ele recebeu menos que isso. Para inflamar a minha frustração – crendo na sua honestidade e sentido pelas condições em que vivia – havia-lhe deixado a melhor das peças de roupa que encontrei no fundo da minha mochila que, por muito pouco que valham – sei-o agora - valia mais que a sua palavra.
De volta à estrada a caminho de Harar, as “terras baixas” revelam agora as paisagens deslumbrantes da savana, onde macacos e antílopes passeiam num jardim amarelo ocre, onde acácias mais parecem bonsais gigantes aparados por um jardineiro cuidadoso.
O caminho segue a par da linha que liga a Etiópia ao porto de Djibouti, na costa do Índico, cruzando pontes metálicas e secções de linha completamente no meio do lago, e que se espera esteja de novo em funcionamento no prazo de um ano.
Harar é uma espécie de enclave muçulmano num país profundamente ortodoxo. Enquanto deambulo pelas suas ruas de lojas ao estilo árabe – cercadas por muralhas quem nem uma medina -, volto a escutar o chamamento para oração do alto dos minaretes das mesquitas. Ruas que mais parecem um mercado gigante a céu aberto, onde vendedoras de vestidos coloridos se escondem dos disparos intrometidos da minha máquina fotográfica, confundindo-se com uma paleta de verdes intermináveis de todos os legumes imaginários, com o vermelho dos tomates ou a terra das batatas. Um vórtice de cores, sons e odores; de frutas, legumes e artefactos artesanais. Ruas onde volto a ser um convidado, desinteressada e genuinamente. E para completar o mosaico de cores, táxis velhos Peugeot 404 – de branco e azul pálido -, circulam por toda a cidade.
Regresso a Adis Abeba
Quando regresso a Adis Abeba, reencontro Ralf e Stefan, um irlandês e um alemão que havia conhecido em Aksum e que dois dias depois estarão de partida, pelo que resolvo adiar a minha partida para o Quénia por um dia e despedir-me da Etiópia em boa companhia.
Nesse dia extra em Adis, entre uma série de questões práticas que procuro resolver, conheço Elias, que me convida para um café e com quem debato a minha deceção pelo comportamento da maioria dos etíopes para com os faranji (estrangeiros) – como eles mesmo nos chamam na rua.
Conto-lhe entre outras coisas que me dirijo para Moyale no dia seguinte e em dois telefonemas promete ajudar-me. Elias parece-me a pessoa mais honesta que conheci durante todas estas três semanas. Leva-me a um café onde me apresenta à pessoa que supostamente arranjará o carro que amanhã segue direito à fronteira. Pede-me que pague 15 euros adiantados e, apesar de ser completamente contra todas as “regras mochileiras” assinto, confiante na sua honestidade, não deixando porém de dizer que, se me estiverem a enganar, não será o dinheiro perdido que irei lamentar, mas a completa impossibilidade de confiar em quem quer que seja neste país!
De volta ao hotel, os colegas israelitas que não seguiram para o Quénia por um deles ter contraído malária, riem da minha ingenuidade: “Ok! Vemo-nos novamente amanhã”, dizem.
Três horas depois da hora combinada, estou à procura de um mini-autocarro para sul! Confirmando as minhas piores expectativas, ninguém apareceu, mas tão pouco quero ficar por cá. O mini-autocarro (que é como um táxi partilhado por mais 14 ou 15 pessoas) leva-me a Awasa, de onde um outro segue para Dila e finalmente outro para Agere Maryam, onde chego já noite adiantada e de onde saio para Moyale ainda o sol não nasceu na manhã seguinte.
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
Seguro de viagem
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Olá Mateus,
Obrigada pela partilha. A minha questão é simples: estou a planear visitar a Etiópia com uma amiga. Normalmente não gostamos de seguir roteiros muito definidos nem de viajar com grupos grandes. Mas no caso da Etiópia confesso que estou com um pouco de receio de me estar a meter numa viagem “perigosa” se formos sozinhas.
Acha que seria de facto mais seguro irmos em grupo, com uma empresa de viagens? (estive a ver a Nomad e não tem viagens na Etiópia, recomendaria alguma outra empresa?)
Ou por outro lado, aconselhar nos ia a arriscar irmos sozinhas?