De Cabo a Cabo chegou ao seu destino. Foram sete meses de longa viagem, de lugares fantásticos, viagens míticas e encontros eternos. O Cabo Agulhas ficou por atingir, mas o que são 230Km em 25 mil? A Cidade do Cabo abraçou o meu regresso como eu abraçaria um continente inteiro se pudesse. África é já parte de mim.
Os cerca de 1.400 Km entre Joanesburgo e a Cidade do Cabo levam outras tantas horas a percorrer. A eminência do fim esvanece-se num fim concreto à distância de menos de uma semana. Uma espécie de anti-clímax apodera-se de mim. Com o desfilar da paisagem pela janela onde repouso a cabeça, passo em revista toda a viagem. Uma mistura de sentimentos agita-se como um cocktail de emoções; a satisfação pelo objetivo cumprido, a alegria de voltar e a tristeza de partir o cansaço e o remorso de já não me apetecer fazer mais nada, ver mais nada, a não ser o gosto que seria poder fazer novamente tudo de volta em sentido contrário.
Chego finalmente à Cidade do Cabo. Ao primeiro instante, uma placidez e uma ordem aparente contrastam sobremaneira com o ambiente de Joanesburgo. 230Km separam-me do meu objetivo final, o Cabo Agulhas, mas antes disso há uma visita obrigatória a Stellenbosch, zona de vinho e montanhas majestosas.
Procuro o comboio numa arrumada e aparentemente nova estação. A caminho de Stellenbocsh perfilam-se vinhas que se estendem até às colinas atrás de si. O cenário é de filme, de comédia romântica.
Stellenbosch é um lugar aprumado. A par dos vinhos, o seu casario elegante é a marca da cidade. Um casario old fashion, de um tempo de toucados e espartilhos. Sinto-me como se estivesse num ambiente termal em que, em vez da água, fosse o vinho a receita da cura.
Deambulo pelas suas ruas e cafés. Já não há sequer prova de vinhos para a qual me consigam arrastar e, apesar da contrição que é estar aqui e nada me apetecer fazer, sou incapaz sequer de me contrariar, convencendo-me de que é normal por ser o fim.
Apesar de tudo, fico mais tempo que o previsto. Stellenbocsh é um daqueles sítios onde poderia perfeitamente viver. Uma cidade jovem de universidades e espaços aprimorados. A atmosfera nas ruas é de uma calma que é a de África, mas com um belo embrulho. O sol, e a forma como esbarra titubeante no passeio sob o filtro de árvores frondosas é o laço desse pacote que as montanhas em seu redor parecem oferecer.
Cidade do Cabo, última paragem
De volta à Cidade do Cabo, olho o mapa à procura do meu ultimo poiso antes do regresso. O caminho até ao hostel é penoso sob o calor abrasador deste início de tarde de domingo. A Cidade do Cabo parece-me agora vinda do outro lado do Atlântico. Edifícios coloniais que não lembram a Europa, antes a própria América colonial, o que de resto talvez faça todo o sentido.
Do terraço do hostel que abrigará as minhas ultimas noites de navegação, a Table Mountain ergue-se imponente. Uma das suas características mais interessantes é estar muitas vezes coberta por um manto de nuvens que deslizam encosta abaixo, mais parecendo um caldeirão de bruxas de um qualquer conto de fadas.
28 de março. Faz exatamente sete meses que saí de casa e é precisamente hoje que espero chegar ao Cabo Agulhas. Levanto-me tarde. A cabeça dói-me em consequência dos festejos da noite anterior. Não havendo outra forma de chegar ao cabo que não seja em veículo próprio, um carro alugado por uma amiga em Portugal espera-me algures no meio da cidade.
Àquela hora esperam já um Mr. Matheus a quem têm um carro para entregar estando já tudo tratado, inclusive o pagamento. Na companhia de Jose, um catalão que havia conhecido em Livingstone agradeço pelos amigos que tenho e pelos favores que me prestam. Mas quando nos dirigimos para o carro, percebo então que há qualquer coisa de errado em todo aquele processo; o carro que nos espera é um “alta cilindrada”, e apesar de nunca duvidar da generosidade dos meus amigos aquilo que me tinha chegado na confirmação da reserva do aluguer não correspondia minimamente ao que agora se me deparava.
O Mr. Matheus não era eu, mas alguém que há horas aguardava a entrega do carro…
As dores de cabeça teimavam em importunar-me. Não me sentia na disposição de conduzir o que obrigaria ao pagamento por um condutor extra. Também o preço acordado, apenas contemplava uma distância de 200Km, sendo que, para além disso, teria de pagar ao quilómetro. As horas foram passando e a burocracia e o orçamento do aluguer também, pelo que optamos por não ir. Sou invadido por um desgosto de minúcia. Uma frustração que se traduz em 230Km que ficarão por fazer.
Voltamos ao buliço da cidade e resolvemos visitar Langa, um subúrbio negro onde um jovem guia, de óculos e olhar diligente nos aguarda à saída do autocarro.
Langa é um exemplo de comunidade e, apesar de todos os problemas, parece-me a “África do Sul dos Pequeninos”. Um lugar onde se mistura o passado e o futuro e onde se cruza a tradição com a ambição. Numa rua veem-se mulheres de cara tingida de amarelo a cozinhar cabeças de carneiro de um lado, enquanto do outro se constrói um centro cívico que é um lar e uma esperança para os jovens.
Apesar da dor de cabeça persistente, Langa parece-me o resumo perfeito da África do Sul; um país que procura avidamente reerguer-se das ruínas do Apartheid e que vai lentamente construindo esse futuro. Um país ciente dos seus fracassos e percalços, mas consciente do seu potencial e do caminho a percorrer.
A viagem chega ao fim
De Cabo a Cabo foi uma viagem fantástica! Um sonho e um desejo que se fizeram realidade. Despeço-me da África do Sul e de um continente apaixonante, guardando as lágrimas que imaginei derramar nesse encontro de oceanos, como promessa de regresso.
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
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