Depois de resolvido o problema com as peças das bicicletas roubadas, explorámos o Curdistão turco – para onde nos tinham aconselhado a não viajar -, descobrindo um povo hospitaleiro como poucos e urbes deslumbrantes, de Sanliurfa a Mardin, passando por Kilis. Até que chegámos à desinteressante Cizre, porta de entrada para o outro lado da fronteira, onde se lê: Iraque. Mas isso é outra história.
Encontramo-nos em Diana, ou Soran, no Curdistão Iraquiano. Para trás, ficou a impressionante e monstruosa Capadócia, onde estivemos tão pouco tempo e ainda por cima com um clima tão mau, que ainda hoje nos lamentamos disso mesmo. As casas escavadas nos picos rochosos que se prolongam por quilómetros criam uma paisagem impressionante que, em muitos sítios, como a conhecida Goreme – ponto base para quem quer visitar toda a região – está a ser largamente ultrapassada por uma contínua e horrível construção desorganizada de hotéis, cafés e outros estabelecimentos, com a intenção de servir os milhares de turistas que chegam, todos os dias. Ainda assim, a extensão é tão grande, que é possível percorrer muitos dos caminhos em terra batida e entrar em diversas casas sem que estejamos acompanhados de mais turistas de máquina fotográfica pendurada ao pescoço.
O dedo esticou-se de novo para a não menos turística Antalya. Uma amiga que estudou em Guimarães, onde vivemos durante quatro anos, fez-nos viajar até à costa do Mediterrâneo para visitá-la. Uma cidade cuidada, com um centro histórico bem recuperado, fazendo-nos lembrar, em muitas ruas, a cidade de Lagos, no Algarve.
Antalya serve também de base para uma série de atracções em volta da cidade, que vão desde reservas naturais, a ruínas ou a anfiteatros romanos em perfeito estado de conservação. Antalya é uma cidade desenvolvida com uma influência ocidental que mudou, durante os últimos anos, a aparência e a maneira de viver dos locais. Muito cosmopolita, a música ouve-se por todo o lado e é lembrada em diversas estátuas dispersas por toda a cidade. É também aqui que cada vez mais russos e alemães encontram um sítio para investir, passar férias e viver. São às centenas, os preços são fixados em euros e as pessoas falam-nos em russo a maior parte das vezes. Uma cidade que de Turquia tem já muito pouco. Não deixou saudades.
Voltámos a Iskenderon, onde reencontrámos as nossas bicicletas e voltámos a ficar alojados com amigos. A viagem demorou mais de dez horas, dentro dum carro com pessoas que não falavam nenhum idioma em comum com o nosso, mas que foram tão prestáveis, simpáticas e humildes que nos sentimos próximos, mesmo que saibamos que, muito provavelmente, nunca mais as encontremos. Iskenderun prolongou-se por mais uma noite e nós sabíamos que, saindo dali, teríamos de pedalar uns vinte quilómetros para trás, subir a montanha que tínhamos descido três semanas antes e começar a percorrer a estrada que nos levaria à zona mais sensível do território turco, a parte onde vivem os curdos, que lutam, há anos, pelos mesmos direitos, pela mesma liberdade e, alguns, por um território independente, como o é o Curdistão iraquiano.
Esta região mostrou-se, no entanto, como uma das mais hospitaleiras que passámos até hoje. Sendo uma das menos desenvolvidas, as pessoas são acolhedoras, curiosas e estão sempre dispostas a conversar, por horas, enquanto se beberica um chá. Em Ankara, da Embaixada Portuguesa, trouxemos o conselho de não viajarmos para esta zona ou então, se o quiséssemos mesmo fazer, que tivéssemos muito cuidado, pois os protestos contra o governo turco podiam trazer-nos alguns problemas. A verdade é que quisemos mesmo viajar para o Curdistão turco. A verdade, também, é que os protestos sucediam-se nas várias cidades onde passaríamos, mas nunca nenhum nos atingiu directamente, nunca vimos nenhum, apesar da tensão que sentíamos e dos inúmeros carros da polícia e blindados do exército plantados em todas as cidades.
De Kilis, uma pequena cidade perdida no sul da Turquia, a Sanliurfa, com o famoso lago com os peixes sagrados, dali até Mardin e desta tão bonita cidade até Cizre, onde estivemos por uma semana, contra a nossa vontade, as experiências com diferentes famílias sucederam-se nas pequenas povoações onde íamos passando e onde nos fazíamos convidar para pernoitar e partilhar um bom par de horas, comunicando como sabíamos ou podíamos, com quem não nos entendia.
As refeições eram as mesmas em todas as famílias: o pão, iogurte natural com sal, tomate e pepino, ovos e, por vezes, uma ou outra iguaria não normal no comum dos dias dessas mesmas famílias. Coca-cola, sempre, que aparecia por volta das onze horas da noite e nunca chegámos a perceber se era um ritual normal ou se era por haver convidados – nós! Até no dia de anos da Tanya, dia da liberdade, uma das famílias apareceu com fatias de bolo decoradas com uns adereços hiper kitsch onde estava escrito “Parabéns” em português e que lhe fizeram aparecer lágrimas nos olhos, que só desapareceram, sendo trocadas por um ligeiro sorriso irónico, quando comecei a cantar, sozinho, a tradicional canção de aniversário.
Em Cizre e depois do nosso anfitrião nos ter levado até sua casa e de termos tomado um divinal banho, descansámos por um bocado, descendo depois para uma primeira volta pela cidade. A maior surpresa? Ver que as nossas bicicletas estavam mais despidas do que o normal e ter finalmente a certeza que nos tinham furtado algumas peças das mesmas e que, se não encontrássemos rapidamente algumas para as substituir, teríamos de ali ficar… eternamente.
O eternamente demorou uma semana, forçada pois claro, pois esta foi a cidade menos interessante que vimos até agora e com os homens mais agressivos no olhar para com a Tanya, em toda a Turquia. Felizmente, a Specialized – empresa que nos apoia nesta viagem – foi fantástica e fez com que as peças fossem restituídas o mais rapidamente possível.
Entrámos no Curdistão iraquiano e os primeiros dias têm sido uma verdadeira surpresa. Os últimos quilómetros na Turquia foram terríveis, com as pessoas nada simpáticas e vários adolescentes a atirarem-nos pedras à nossa passagem. Pensávamos que no Iraque iria ser o mesmo, mas foi completamente o oposto. As pessoas sabem falar inglês, são educadas, simpáticas e a paisagem é lindíssima, com a primavera que chegou em força e coloriu tudo à nossa volta. O calor aperta cada vez mais, mas nós estamos dispostos e com vontade de descobrir o mais que pudermos por aqui. Ficaremos por cá uma semana, e depois seguiremos para o Irão, o país que mais desejamos conhecer.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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