A Índia é um misto de tudo e mais alguma coisa. A Índia é um cliché feito de raridades. É um espaço sem fim. Uma quantidade imensa de tudo. Uma sequência de coisas inexplicáveis. Uma regra sem qualquer espécie de regras. A Índia é um espaço aberto à paixão. A Índia é a Índia!
– Descreve-me a Índia.
– A Índia, é a Índia!
É mais ou menos assim que começa o diálogo que Alberto Moravia tem consigo próprio no livro «Uma ideia da Índia», depois da sua viagem ao país em 1971.
“A Índia, é a Índia!” – e não há melhor maneira de a descrever. Podíamos começar pelo cliché: ou se ama ou se detesta – mas a Índia é mais que isso. A Índia é um país de contradições, um país de misturas, de coisas que não se explicam, de questões, um país de paixões, de sentimentos fortes, um continente sem fim, uma cultura feita de diferentes culturas, um estampado de cores, de olhares curiosos, uma palete de idiomas, de dialectos, uma estrada feita de diversos caminhos, vilas que se sucedem às centenas, aldeias perdidas, cidades da dimensão do mundo, caos, trânsito, um país que “primeiro se estranha e depois se entranha” (e lá voltamos nós aos clichés), um país diferente de todos os outros e que, por muito que se viaje, não é comparável a qualquer um. “A Índia, é a Índia!” – e esta frase é suficiente. Ponto final.
A nossa viagem na Índia começou em Amritsar, terra sagrada para os sikhs – religião iniciada pelo Guru Nanak, depois deste se ter revoltado, entre outras coisas, contra o sistema de castas da religião hindu – assente no trabalho árduo, na vida familiar e num sentido de viagem e descoberta, razão pela qual os templos sikhs são um local de encontro para peregrinos e viajantes, onde se pode dormir e comer gratuitamente, em qualquer local do mundo. Devotos misturam-se com turistas numa união perfeita e sem qualquer sentido comercial, como infelizmente já acontece em muitos locais hindus, cristãos e islâmicos.
A estrada continua para este e, nas pequenas aldeias por onde vamos passando, os templos sucedem-se às centenas, a poluição é impressionante, a algazarra dos mercados de fruta é uma constante, as pessoas atravessam-se em todas as direcções, às centenas, aos milhares, juntando-se aos animais que vivem na rua livremente: vacas, pois claro, mas também macacos, porcos, cabras, ratos, cães, elefantes e alguns camelos, burros e muitos esquilos. O caos é caótico, o barulho das buzinas é ininterrupto, as regras inexistentes e o trânsito cansa-nos demasiado num contínuo fugir às rodas dos camiões, aos cornos das vacas, às motas que aparecem em sentido contrário, às constantes paragens dos autocarros à nossa frente, ao homem que atravessa a estrada, aos rickshaws que se atropelam, aos cães que comem do mesmo lixo que os mais pobres.
Tudo na Índia se amontoa e chegamos à conclusão que só assim é possível viver-se, aqui. A Índia é feita de um caos organizado (continuação dos clichés) e só assim eles sabem viver. Só assim conseguimos nós sentir o país e somente por esta razão tudo o que vemos nos apaixona, crescendo de dia para dia, sem que consigamos explicar a razão.
Chegámos a Deli depois de termos andado por Anandpur Sahib, o segundo local mais sagrado para os sikhs, bem menos turístico, bem menos aparatoso, muito mais simples que o Golden Temple, em Amritsar. Chegámos a Deli com muitos planos: estender o visto para a Índia, tirar um novo passaporte, comprar a peça para a bicicleta da Tanya, visitar amigos que conhecemos anos antes, visitar os monumentos, tirar os bilhetes de comboio para o mês que iríamos passar a viajar sem bicicletas, encontrar amigos portugueses que andavam por lá.
Dez dias depois, saíamos da cidade sem que conseguíssemos cumprir tudo. Visitámos metade dos amigos, juntámos os 2numundo ao Fui Dar Uma Volta, a peça para a bicicleta é demasiado cara e mandámos vir de Portugal, a extensão do visto não nos foi dada, o passaporte novo está a caminho, comprámos um bilhete de comboio da quase meia dúzia que havíamos previsto e passeámo-nos por alguns monumentos.
O que não estávamos nós à espera era de ser acolhidos de forma tão sincera e simpática pela embaixada portuguesa na Índia, depois de termos sido convidados a estar presentes na festa de lançamento duma cerveja nacional. O convite seguiu-se de forma espontânea depois de nos terem perguntado onde iríamos ficar nos próximos dias, em Deli. À resposta “ainda não temos onde ficar” seguiu-se um “então ficam cá em casa!”, e dois dias depois mudávamo-nos com algumas malas e poucas bagagens para casa do Embaixador.
Não há palavras para descrever como este e a esposa nos receberam, partilhando connosco não só as refeições mas momentos verdadeiramente familiares que nos fizeram esquecer por breves dias as saudades de casa. A seguir ao azeite português, chegou a cerveja e depois virão os vinhos, numa promoção fantástica que a embaixada faz junto à comunidade indiana. Foi também divertido, por uma noite, estar junto ao grupo de portugueses, pouco mais de quarenta, que vive em Deli e desenferrujar o português há muito fechado só em duas pessoas.
As bicicletas, essas, descansam na varanda de casa dum amigo, num segundo andar de difícil acesso (muito importante por estes lados) – mesmo assim, com grossos cadeados abraçando-as ao varandim. No mês que se segue, a nossa ideia é viajar de comboio e autocarro, pois três meses de visto é insuficiente para ver tudo aquilo que queremos. Até já lhe chamamos férias. Andar no meio deste caos, com tanto barulho, tanto frenesim, só é esquecido quando nos imaginamos a caminhar pelas areias das imensas praias de Goa e Kerala, quando pensamos nos fortes e palácios do Rajastão ou nos templos hindus de Tamil Nadu. É para lá que vamos, já a seguir a Deli, tentando aproveitar o mês de férias.
Porém, o plano de viajar de norte para sul foi logo mudado, quando o embaixador nos disse: “Sabem quem vem a Goa no fim de outubro?”. Não queríamos acreditar, mas foi suficiente para que as nossas “férias” começassem pelo sul. Vai ser fantástico.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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